nº 18
 
1. ESPECIAL - Ratificação da Convenção-Quadro
 

ESPECIAL - Ratificação da Convenção-Quadro
Boletim especial da Rede Tabaco Zero

A emoção é tanta que fica difícil escrever. Por outro lado não podemos deixar passar em branco uma vitória tão importante, na qual tenho certeza que a participação da sociedade civil teve um papel fundamental em não deixar que a Convenção ficasse esquecida ou paralisada no Senado.

Para a RTZ,esta é uma vitória histórica. Nossa própria existência está diretamente vinculada a este tratado, o que torna o dia 27 de outubro de 2005 um marco na nossa trajetória. Em momentos como este, a primeira coisa que vem a mente é uma retrospectiva dessa importante mobilização e nesse momento gostaria de compartilhar essa história de sucesso com vocês, atores e atrizes que dão corpo e conteúdo a esta narrativa.

Tudo começou com o projeto: Prevenção – Caminho para a Saúde, onde a REDEH produziu material didático e realizou seminários de capacitação em promoção da saúde nas cinco regiões do Brasil. Foi a partir daí que se formou o embrião da atual Rede Tabaco Zero. Ao longo desses quatro anos muitas novas organizações e lideranças aderiram a essa causa e a RTZ foi criando sua identidade.

Curiosamente, um dos principais temas abordado no primeiro seminário de capacitação, a situação das trabalhadoras e trabalhadores rurais da cadeia produtiva do fumo, realizado em dezembro de 2002 em Curitiba, é exatamente o mesmo que provocou toda a polêmica em torno do debate sobre a ratificação da Convenção-Quadro. Na época, discutimos sobre a cadeia produtiva e as questões de saúde relacionadas ao plantio de fumo. Para tentar impedir a ratificação no Brasil, grupos de interesse da indústria do tabaco usaram os agricultores como massa de manobra.

Após o término desse projeto, a REDEH fez uma parceria com a PATH Canadá e, com o apoio da CIDA (Agência de Cooperação do Canadá), convocamos as principais organizações e lideranças na área para discutir uma estratégia de continuidade do trabalho de mobilização e articulação em rede para o controle do tabagismo. Em dezembro de 2003, nos reunimos e discutimos estratégias e prioridades que culminaram numa Plataforma de Ação e num grupo de trabalho que, a partir de então, passou a travar amplos debates sobre vários temas ligados ao controle do tabagismo.

No final de 2004, logo após a primeira audiência pública realizada no Senado, em setembro, percebemos que havia a necessidade de esclarecer as informações distorcidas que a Afubra e suas aliadas disseminaram entre políticos e agricultores que plantam fumo. Nas vésperas das eleições municipais de 2004, começaram a pipocar as notícias de que o tratado iria proibir o plantio do fumo e deixar 2,4 milhões de pessoas desempregadas. O fato mais curioso é que o Brasil assinou o tratado em 2003, ratificou-o na Câmara dos Deputados em maio de 2004 e a Afubra não se incomodou com o fato. Pelo contrário, anunciou no anuário do fumo que as preocupações sobre a Convenção-Quadro eram “tempestade em copo d’água”.

A tempestade em copo d’água acabou promovida a furacão, principalmente na região sul e entre os senadores do RS, e foram realizadas seis audiências públicas em regiões onde se produz fumo. As primeiras duas audiências foram convocadas pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), quando era presidente da Comissão de Relações Exteriores, em Brasília e Santa Cruz do Sul, em setembro e dezembro, respectivamente. As últimas quatro audiências foram convocadas pelo senador Heráclito Fortes (PFL-PI), relator da matéria na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, e realizadas nos três estados da região sul e na Bahia. A marca registrada das audiências foi a forte mobilização da indústria, que financiou a participação de alguns milhares de agricultores convocados a protestar contra a “Convenção-Quadro”, cujo “objetivo” era tirar o emprego dos agricultores, e o oportunismo político de deputados estaduais e vereadores da região, que “ganharam” de bandeja um palanque político para as próximas eleições, com o contexto armado para posarem de defensores dos agricultores.

Felizmente, embora o contexto fosse absolutamente desfavorável e os defensores da ratificação fossem sistematicamente vaiados, o saldo foi positivo na região. Apesar de tudo, conseguimos colocar a pulga atrás da orelha de alguns agricultores que, após as audiências e longe dos olhos vigilantes da indústria, começaram a buscar informações de outras fontes e inclusive apoiar a ratificação. Em números absolutos, foram poucas pessoas, mas conseguir falar diretamente para os agricultores sem interlocutores do calibre da Afubra, que optam por desinformar, foi uma oportunidade ímpar.

Lembro da nossa primeira missão educativa junto a senadores, Mônica Andreis, Paulo César, o Guilherme Eidt e eu fomos a Brasília, em novembro de 2004, visitar senadores para entregar material informativo, explicar os reais objetivos da Convenção-Quadro e esclarecer que o tratado não possui nenhuma cláusula que ameace os agricultores e, sim, artigos que protegem a categoria.

Em várias ocasiões tivemos a clara impressão de que estávamos falando para uma platéia de surdos e que argumentos técnicos, por mais bem embasados em fontes independentes e confiáveis que pudessem ser, não eram moeda de troca no contexto. Ouvi diversas vezes, não sei se considero uma crítica ou um elogio, que eu era muito técnica e pouco, ou nada, política. Bom ou ruim, certamente foi um comentário pertinente, pois aprendemos que política não se constrói somente com argumentos técnicos por mais irrefutáveis que possam ecoar em nosso senso lógico.

Conseguimos chegar onde queríamos, não somente por mérito da nossa mobilização, mas certamente com a nossa contribuição. Após cumprida a missão, tendo acompanhado o processo em seus diversos e minuciosos detalhes, me sinto compelida a fazer uma análise crítica do resultado. Esta nos será útil inclusive para repensar estratégias e caminhar em direção aos próximos passos. É verdade que o Brasil ratificou o tratado, mas, por outro lado, acho que não chegamos muito longe na guerra de idéias sobre o que realmente está em jogo no controle do tabagismo. Na fala dos parlamentares, ao aprovar o tratado no senado, na cobertura de alguns órgãos de imprensa e no senso comum, continua imperando a tese que, grosso modo, pode ser resumida em duas frases: “Prevaleceu o que é bom para a maioria e prejudica poucos” e/ou “o tratado é bom para saúde, mas ruim para a economia”.

Gostaria de listar cada uma das pessoas e organizações que fazem parte dessa mobilização e que nas suas diferentes áreas de atuação e formas de ser compõem essa rede, mas não seria possível falar de todos e todas sem comentar as virtudes de cada um e para tal não haveria alma que agüentasse chegar ao fim dessa edição comemorativa do boletim da RTZ. Por esse motivo optarei por fazer um agradecimento especial a secretaria executiva da RTZ, Mônica Andreis e Paulo César Corrêa, e a editora Anna Monteiro e as organizações do grupo de trabalho da RTZ que construíram a nossa Plataforma de Ação.

Nos últimos meses de mobilização intensa pela ratificação, não poderia deixar de mencionar a liderança incansável da Dra. Nise Yamaguchi, que co-organizou o Movimento Brasil Unido Contra o Tabaco; da Marilza Biolchi, do Deser, que durante todo o processo produziu informações valiosas sobre a cadeia produtiva do fumo; do Albino Gewehr, ex-fumicultor e técnico agrícola, que através da Fetraf – Federação de Agricultores da Agricultura Familiar levantou a voz a favor da ratificação em nome de agricultores familiares; o IDEC, que levantou essa bandeira junto aos consumidores; A Terra de Direitos, que trabalha com a violação dos direitos humanos; a sempre presente SBC/Funcor; a renovada ABCâncer e, finalmente, as organizações voltadas exclusivamente para o controle do tabaco, como a Adesf, pioneiríssima na área de litígio e vencedora de um processo inédito contra a indústria do tabaco, onde o ônus da prova foi invertido; a veterana Anacota; as recém criadas Abratt e Amata. E jamais poderia de mencionar a equipe de controle do tabagismo do INCA, que é verdadeiramente engajada com a causa e que fez com que a coisa caminhasse nas esferas governamentais. No âmbito do Senado, essa conquista não teria sido possível sem o apoio do Senador Tião Viana, que foi quem habilmente negociou com seus pares para viabilizar esta vitória para a saúde pública do Brasil.

Ao mencionar algumas pessoas e organizações, deixei um número muito maior de pessoas e organizações de fora, o que não significa que o apoio e a torcida muitas vezes anônima tenham menos relevância no processo. Parabéns a todos e todas que direta e indiretamente contribuem com essa causa diariamente.

Na oportunidade, não poderia deixar de anunciar que, a convite da Adesf, hoje faço parte da sua diretoria como vice-presidente.

Como hoje é dia de São Judas Tadeu, o Santo das Causas Impossíveis, aproveito para fazer uma reverência ao Santo que não poderia ser mais simbólico na causa que parecia perdida. (foi dia 28, o dia em que comecei a escrever)

Um grande abraço,
Paula Johns
Coordenadora da Rede Tabaco Zero