nº 8
 
1. EDITORIAL
2. PERFIL
3. NOTÍCIAS - Livro ensina métodos para parar de fumar
4. Trinta famílias de Santa Cruz do Sul (RS), epicentro da indústria do cigarro no país, buscam vida sem agrotóxico
5. Philip Morris usou jornalistas em defesa própria
6. Projeto de classificação do fumo cria impasse
7. Não dê moleza ao cigarro
8. REDE TABACO ZERO EM AÇÃO
9. STATUS DA CQCT
10. IRRESPONSABILIDADE SOCIAL
11. OPORTUNIDADES
12. Ficha Técnica
 

EDITORIAL
Escolhemos como tema desta edição a questão do tratamento do tabagismo, visto que a Rede Tabaco Zero vem recebendo cartas de fumantes, pedindo aconselhamento. Para falar do tema, vamos apresentar o perfil da Psicóloga Silvia Ismael Cury. Dois casos, que foram enviados à RTZ através do Fale Conosco, ilustram o drama da dependência da nicotina.

O primeiro deles é a história da dona Maria Magdalena Garcez Siqueira, 72 anos, fumante desde os 13, e que sofre de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. Atualmente, é dependente de serviços de home-care e oxigenoterapia. Com estado emocional e fisiológico totalmente comprometidos, prefere o cigarro a um prato de comida. A dependência da nicotina levou também a desenvolver trombose e diabetes e a sofrer um enfarte. Sua filha, Alahyde Garcez Siqueira Engelke Abrantes, vivendo o dia-a-dia do desespero da mãe no leito de morte, criou um movimento, chamado “A Hora é Essa Brasil”, onde relata o seu drama e tenta conscientizar as pessoas sobre os males do cigarro. A versão integral da história de Maria Magdalena está disponível em www.ahoraeessabrasil.kit.net

O segundo relato é a história de uma médica, professora de Parasitologia Médica da UFRJ, a Angela Maria Mazzucco. Ela tem 51 anos e acaba de deixar de fumar, depois de 40 anos de dependência. O modelo de comportamento familiar e a aceitação na turminha foram determinantes para sua iniciação. Seu primeiro cigarro foi fumado aos 11 anos, para que pudesse ser ‘admitida’ na turma de adolescentes da escola. Seu pai, um modelo em quem se inspirava e queria imitar, fumava quatro maços de cigarro sem filtro por dia.

Angela fumava quatro maços por dia e comprava pacotes para o mês inteiro. Ela praticamente acendia um cigarro atrás do outro e, se acordava durante a noite, tinha que fumar. O ex-marido, também fumante na época em que eram casados, conseguiu parar depois de um problema de saúde, mas Angela não.

Hoje, data em que este boletim está sendo escrito, Angela completa 15 dias sem fumar. Ela enfrentou uma verdadeira "saga", como ela mesma denomina, para reduzir para um maço por dia até conseguir parar de fumar com a ajuda da Bupropiona. Antes, fez diversas tentativas frustradas, inclusive com hipnose. Como não conseguia parar, Angela passava a “aceitar” o fato, para evitar uma crise existencial. Dona de um bom humor incrível, Angela fez uma planilha em Excel, anotando os horários em que fumou e comentando sentimentos, fatos e sensações. Durante o processo em que trocou mensagens com a Rede Tabaco Zero e foi aconselhada pela Dra. Silvia, Angela comenta a experiência que teve com alguns profissionais que lidam com tratamento e faz o seguinte comentário:

...existe nos fumantes que já tentaram parar e não conseguiram um sentimento de fracasso, de falência pessoal seríssimo, porque diante de tantas tentativas fracassadas chega-se à conclusão de que a nicotina é mais poderosa que a gente. Que por mais que queiramos nos livrar dela, não conseguimos vencer a vontade de fumar. Então, quando recorremos a profissionais especialistas, ... e passamos a ouvir ordens como essas "não pode fumar com o adesivo de nicotina", dá muita revolta; porque se não conseguimos obedecer a uma ordem vinda de nós mesmos, como é que vamos obedecer à ordem que vem de fora ?!?!

Os casos relatados servem como contraponto à noção de moderação e liberdade de escolha tão amplamente divulgadas pela indústria do tabaco. Não existe escolha e muito menos liberdade quando o assunto é dependência.

Para deixar essa edição ainda mais “redonda”, apresentamos o livro “Pare de Fumar para Sempre”, do psicólogo inglês Martin Raw. Ele é um dos maiores especialistas na área, criador de uma das mais famosas clínicas britânicas para tratamento de fumantes. O livro traz diversos métodos para deixar o cigarro.

Martin Raw colabora com esta edição enviando uma mensagem especial para a Angela e fumantes que estejam vivenciando essa situação:

"Em primeiro lugar, a história da Angela revela uma história maravilhosa de auto-determinação e perseverança. A grande maioria dos fumantes tenta parar de fumar várias vezes até conseguir parar definitivamente - a média está em torno de 3 ou 4 vezes - essa estatística pode servir para estimular os fumantes; se não conseguir parar da primeira vez e tiver uma recaída, pare, descanse, recupere sua energia e entusiasmo e então tente novamente. 80 cigarros por dia é muita coisa e não é muito comum, a média diária de consumo de cigarros é de 15 a 20. Eu diria que a Angela estava extremamente dependente da nicotina, então tentativas de parar somente através grupos de apoio e hipnose normalmente não são eficientes pois não lidam com a dependência da nicotina. A nicotina é uma das drogas mais aditivas que existem. Então não me surpreende o fato que a Angela não tenha conseguido parar sem apoio medicamentoso e estou feliz em saber que a bupropiona ajudou. Tanto a bupropiona como o TRN (tratamento de reposição de nicotina) dobram as chances de sucesso em parar de fumar e podem ajudar a maioria dos fumantes que desejam parar.

Um conselho: é preciso cuidado para não se sentir demasiadamente confiante e nunca fique tentada a provar um único cigarro sequer (você provavelmente não precisa deste conselho). A fissura de fumar provavelmente surgirá durante um longo período e você deve se manter plenamente consciente dos motivos que a levaram a parar de fumar e manter o foco nisso nos momentos difíceis.

Parabéns
Martin Raw"

Aproveitamos a oportunidade para anunciar que lançamos uma nova seção no www.tabacozero.net, intitulada tratamento. A Dra. Silvia e a também psicóloga Mônica Andreis elaboraram uma lista de perguntas e respostas sobre tabagismo e, a partir de agora, estamos recebendo indicações de locais que oferecem tratamento em todo Brasil para disponibilizar no site. Envie sua contribuição para tabacozero@redeh.org.br.

E, para finalizar, a RTZ agradece a boa cobertura que o jornalista Mário César Carvalho vem fazendo do tema tabagismo. Coincidência ou não, seu jornal, a Folha de S. Paulo, é a fonte mais usada pela RTZ para divulgar notícias sobre controle do tabagismo e, nesta edição, Mário César virou, praticamente, um ‘colaborador’ nosso, como você pode conferir a seguir.

Boa leitura!

PERFIL
A psicóloga Silvia Maria Cury Ismael, 47 anos, tem o perfil destacado nesta edição dedicada ao tratamento da dependência da nicotina. Presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, é formada em Psicologia Clínica, com especialização em Psicologia Hospitalar, e atuante no controle do tabagismo há 12 anos. É mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e, atualmente, doutoranda, também na USP. Evidentemente, seu tema de pesquisa é o tabagismo. Silvia integra a Rede Tabaco Zero desde sua criação, “a convite da Paula, que é uma amiga muito querida do lado de quem, além de outros colegas, tenho travado grandes e pequenas batalhas contra o fumo”.

Ela começou a trabalhar no Hospital do Coração há 26 anos, estagiária do 3º ano da faculdade e desde logo se apaixonou pelo hospital e pelo trabalho que poderia ser feito. Na área de controle do tabagismo, sua atuação começou em 1992, quando ainda mal se falava em combate ao fumo, no Brasil. Naquela época, saíram os primeiros adesivos de nicotina. O HCor fez um protocolo piloto com os funcionários que queriam parar de fumar e estes foram seus primeiros pacientes nesta área, experiência relembrada com entusiasmo: “A experiência deu certo e, mais tarde, o atendimento se estendeu aos pacientes internos e externos do hospital, tratados individualmente. Há três ou quatro anos, o atendimento passou a ser em grupo”.

Parece inacreditável que faz tão pouco tempo que o tabagismo e os problemas causados à saúde começaram a fazer parte do cotidiano. Como a própria Silvia conta, “em 1995, tínhamos, na Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, uma feira do coração, onde o tabagismo entrou como uma avaliação a mais e foi um sucesso. Aí, fomos ampliando o trabalho de controle para empresas e instituições escolares, demos início às campanhas dos dias Mundial e Nacional, e expandimos a realização de palestras em vários setores”. O tema cresceu tanto que Silvia passou a assumir, a partir de 2001, a direção dos Programas de Combate ao Fumo da Sociedade Brasileira de Cardiologia/Funcor, que visa, prioritariamente, esclarecer o público e fazer ações de prevenção ao fumo: “Conseguimos instituir de volta aos congressos o tema tabagismo e hoje em dia estes mesmos eventos são livres do tabaco”, conta.

Além do HCOR, Silvia também atua com dois convênios de saúde que perceberam que, caso fosse feito um trabalho preventivo ao cigarro, haveria menos riscos de adoecimento de seus conveniados. Faz, ainda, capacitações para profissionais de saúde com o objetivo de ter multiplicadores. A psicóloga ajudou, também, a treinar e implantar o serviço de controle do tabagismo no Hospital Dante Pazzanese e na Faculdade de Medicina do ABC, onde é responsável pelo ambulatório. Ela gosta de destacar uma peculiaridade da Faculdade de Medicina: “Damos aulas aos alunos de Medicina também com o intuito de sensibilizá-los em relação ao problema e tentar captar multiplicadores”.

O trabalho tem aumentado para ela, já que mais e mais fumantes têm tentado parar, a cada ano. Mas a relutância é muito grande, como explica: “O fumante ainda é muito resistente. Demora a procurar ajuda, porque tem medo de não conseguir ou porque acha que será mais difícil do que pensa. As pessoas que param por conta do nosso programa às vezes nem acreditam. Os que recaem se sentem à vontade para voltar”.

As recaídas não a preocupam tanto quanto as pessoas que não conseguem parar de fumar: “Estes casos em que a pessoa não consegue parar são os mais graves na minha opinião. O que eu observo é que são pessoas já acometidas de doenças graves, que parecem que já ‘se conformaram’ com a situação. Eles até tentam mas não conseguem mesmo. Procuro sempre demonstrar que pode ter um outro momento de tentativa, que estou aberta para ajudar e coloco-me à disposição para trabalhar a motivação deles. Mas o retorno da parte deles é difícil. Estes pacientes merecem ter um estudo e uma avaliação a mais”, acredita. Silvia acha que o trabalho desenvolvido dá um apoio tão grande ao fumante, que no caso da reincidência eles se sentem tranqüilos para voltar ao grupo e tentar novamente. E, para esta ajuda, o papel do profissional de saúde é fundamental: “A postura do profissional da saúde é não julgar, não cobrar atitudes que eles não dão conta, não criticar. As pontuações devem ser feitas, até mesmos as broncas, na forma certa e no momento exato em que sabemos e podemos fazer”, diz.

Silvia é crítica em relação ao tratamento do fumante na rede pública. Apesar da excelente experiência do Instituto Nacional do Câncer e de sucessos como o Dante Pazzanese e a Faculdade do ABC, a implantação deste processo no SUS foi desastrosa, na opinião dela: “Acho que só a UNIFESP conseguiu implantar o projeto. Este ano eles relançaram este tema, mas não vi o projeto reformulado e ninguém mais falou sobre isto. Sei que muita gente quer se tratar e não tem condições financeiras para o tratamento. O remédio também é muito caro. Acho que o Ministério precisa se mexer, e rápido, para implementar logo e de forma viável”.

Silvia tem no marido, Ibrahim, com quem é casada há 17 anos, seu grande incentivador. Os dois filhos, Mellina, de 14, e Alexandre, de 11 anos, têm horror a cigarro, para satisfação da mãe, que tem como hobby cozinhar para a família, aos domingos. Com tantas atividades de trabalho e estudo, resta pouco tempo para o convívio, como ela própria lamenta: “Minha vida fora do trabalho é, no pouco tempo que me resta, ficar muito com a família, curtir os filhos, sair com eles, cuidar da lição, dos problemas, enfim, tudo o que uma dona de casa comum faz”. As idas a Avaré, no interior de São Paulo, são os bons momentos de prazer: “Antigamente gostava de pintar, hoje não tenho mais tempo. Atualmente, o que eu mais curto é ir para Avaré com minha família e cuidar da casa que tenho lá, especialmente matar as saudades da Toninha, minha vira-lata muito querida, que anda atrás de mim o dia todo querendo comida”.

NOTÍCIAS - Livro ensina métodos para parar de fumar
Fonte: Folha de S. Paulo, 11/08/2004
Mário César Carvalho

O que você prefere: ficar preso 20 meses numa prisão em que é proibido fumar ou passar 24 meses numa penitenciária que não restringe o fumo? Um canadense de 73 anos escolheu a prisão com cigarros. O psicólogo inglês Martin Raw costuma contar essa história para ilustrar um caso extremo da dependência do cigarro.
Raw lançou no dia 11 de agosto em São Paulo o livro "Pare de Fumar Para Sempre", uma versão para o livro editado no Reino Unido pela BBC. Raw já defendeu duas teses na Universidade de Londres sobre métodos para deixar de fumar. Ele ajudou a criar a mais famosa da clínicas britânicas para tratamento de fumantes -a Maudsley Smokers Clinic. É conferencista honorário da Universidade de Londres e professor visitante da Escola Paulista de Medicina.
A vontade é uma das mais poderosas forças para deixar o cigarro, mas Raw diz que o ato de pedir ajuda a médicos não pode ser encarado como amolação. Ele recomenda dois tratamentos, com a ressalva de que não existe método 100% eficiente: a terapia de reposição de nicotina e o uso de um antidepressivo, a bupropiona, vendido com o nome de Zyban. Em ambos os casos, prescreve, é obrigatório o acompanhamento médico.
Raw não descarta a hipnose e a acupuntura, mas ressalva que não há comprovação científica.

Trinta famílias de Santa Cruz do Sul (RS), epicentro da indústria do cigarro no país, buscam vida sem agrotóxico
Fonte: Folha de S. Paulo, 09/08/2004
Mário César Carvalho – enviado especial a Santa Cruz do Sul (RS)

"Não quero mais produzir veneno com veneno". O agricultor Maiquel André Kloh diz isso não com a fúria dos panfletários, mas com um sorriso de quem descobriu uma alternativa de vida. O primeiro veneno da frase é modo como Maiquel, 23, chama o fumo, que seu pai, Lauro, 50, cultiva há 42 anos. O segundo são os agrotóxicos usados nesse tipo de lavoura. "Este é o último ano em que planto fumo. Só vou plantar coisas que vão para a mesa. E sem agrotóxico", avisa o agricultor.

Os Kloh integram um grupo de 30 famílias de produtores que já trocou ou está trocando o fumo por hortas onde não entram agrotóxicos -30 mil famílias vivem dessa cultura na região. Os motivos da troca envolvem ética, preocupações ambientais e sociais:
1- Não querem produzir algo que faça mal à saúde do consumidor e do produtor, como dizem;
2- Não querem degradar o solo com agrotóxicos e com a monocultura;
3- E não querem que o agricultor fique à mercê de um só cultivo e de um só comprador.

"A nossa idéia é mudar a escala de valores do agricultor", afirma o engenheiro agrônomo Sighard Hermany, 52, coordenador do Capa (Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor) em Santa Cruz do Sul (Rio Grande do Sul), entidade ligada à igreja luterana.

A cidade, a 155 km de Porto Alegre, é o epicentro da indústria do cigarro no país e abriga o maior complexo de beneficiamento de fumo do mundo, da Souza Cruz. O Vale do Rio Pardo, onde fica a cidade de Santa Cruz, é responsável por um quinto do fumo produzido no Brasil.

Rentabilidade
O economista Marco Antonio Vargas, 38, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) que pesquisa a economia do tabaco, considera a experiência de Santa Cruz a mais importante do país no gênero. "Os agricultores conseguiram mostrar que é possível encontrar alternativas ao fumo no maior pólo da indústria do cigarro. Há dez anos isso seria impensável", afirma o professor da UFRJ. Vargas prepara para a OMS (Organização Mundial da Saúde) um estudo sobre os resultados de Santa Cruz. A OMS tem interesse por essa experiência por causa da Convenção-Quadro. Esse acordo, aprovado por 193 países no ano passado com o objetivo de reduzir o tabagismo, prevê a substituição do fumo por outros cultivos para diminuir a oferta de cigarros.

A dúvida que persegue toda experiência de alternativa ao fumo é uma só: será que dá para manter os ganhos com outra plantação? O fumo é uma das culturas mais rentáveis do país, segundo a Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil), entidade que reúne os produtores: um hectare rende R$ 7.275 ao ano, enquanto milho e feijão propiciam ganhos de R$ 1.130 e R$ 810, respectivamente. Daí a sensação entre agricultores de que o fumo é um caminho sem saída. "Aqui no Sul não tem nenhuma cultura com uma rentabilidade maior do que o fumo", diz Claudino Francisco Vaz, 53, que diz ter começado a trabalhar com essa cultura aos sete anos.

A versão integral desta matéria pode ser acessada na seção notícias do site da RTZ.

Philip Morris usou jornalistas em defesa própria
Fonte: Folha de S. Paulo, 10/08/2004
Mário César Carvalho

A Philip Morris dos Estados Unidos usou jornalistas para colocar em dúvida as conclusões de uma agência americana sobre os efeitos letais do fumo passivo. A informação aparece em documentos do próprio fabricante de cigarros, reproduzidos em artigo publicado na edição deste mês do "American Journal of Preventive Medicine". O alvo da campanha foi um relatório de 1992. A Agência de Proteção Ambiental dos EUA tentou editar um documento que concluíra que o fumo passivo era responsável por um tipo de câncer que causava 3.000 mortes de não-fumantes por ano naquele país (no Brasil, não há estimativas). Estudos sobre fumo passivo existiam desde a década de 60, mas era o primeiro documento público que associava a fumaça no ar à morte de não-fumantes. A Philip Morris fez de tudo para adiar a publicação desse documento e desacreditá-lo, segundo Richard Hurt, autor do artigo e diretor do Centro de Dependência de Nicotina da
Clínica Mayo, uma das mais famosas dos EUA.

Uma das primeiras providências da Philip Morris foi contratar uma empresa de relações públicas, a Burson Marsteller, para colocar em dúvida as conclusões do documento. Segundo um documento da Philip Morris, a Burson Marsteller devia "criar dúvidas consideradas razoáveis" sobre as "fraquezas científicas" do relatório sobre o fumo passivo. (Em 1953, quando surgiram as primeiras pesquisas associando o cigarro ao câncer, a indústria adotou a mesma estratégia - contratou uma empresa de relações públicas e propagou o discurso de que havia "controvérsia científica" sobre os efeitos do cigarro. Àquela época, a indústria já sabia que cigarro provocava câncer.) Outro documento da Philip Morris mostra que a empresa contratou um consultor político e de mídia, chamado Richard Hines, para influenciar jornalistas.

Em 1993, Steve Parrish, vice-presidente da Philip Morris à época, escreveu que o trabalho do consultor foi "responsável por numerosos artigos que apareceram (...) nos principais jornais" sobre fumo passivo e o relatório da agência. Parrish é vice-presidente de assuntos corporativos da Altria, grupo criado em 2002 pela junção da Philip Morris e Kraft Foods. A Philip Morris, segundo o artigo de Hurt, também influenciou a imprensa por meio do Centro Nacional de Jornalismo, uma entidade que era financiada pela fábrica de cigarros. O pesquisador encontrou os documentos em arquivos que a indústria do cigarro foi obrigada a criar depois que fez um acordo, em 1998, pelo qual pagará uma indenização aos Estados americanos de US$ 246 bilhões até 2018. Só em um dos arquivos, em Minnesota, Hurt diz que foram examinadas 2.500 caixas, cada uma com 2.000 páginas. Ele restringiu o levantamento aos papéis de abril de 1998 a fevereiro de 2002. Outro documento
mostra que a Philip Morris planejava usar o Centro Nacional de Jornalismo para divulgar a posição da empresa sobre fumo passivo por meio de programas de educação para políticos e para jornalistas. O artigo relata que os financiamentos a centros de discussão e pesquisa (chamados de "think tank") resultaram em artigos de jornalistas a eles associados com críticas à agência que havia feito o relatório sobre fumo passivo.

Empresa diz que mensagem é igual para todos
DA REPORTAGEM LOCAL
Porta-voz da Philip Morris dos EUA, Jennifer Golisch disse à Folha que não há mensagem diferente para jornalistas. "Nossa comunicação é dirigida ao público em geral, entre o qual os jornalistas. Seguimos as autoridades de saúde. Informamos que elas concluíram que o fumo passivo causa várias doenças em não-fumantes." A política da empresa, no www.philipmorrisusa.com (em inglês), diz que as autoridades de saúde concluíram que o fumo passivo causa ao não-fumante várias doenças. "Também acreditamos que as conclusões sobre a fumaça do cigarro no ambiente são suficientes para justificar medidas que regulamentem o fumo em lugares públicos", afirma o texto.

Projeto de classificação do fumo cria impasse
Proposta altera processo de avaliação das fumageiras
Fonte: Correio do Povo, 10/08/2004

Um problema que preocupa fumicultores nos três estados do Sul - a classificação do fumo - esteve em discussão ontem numa audiência pública na Assembléia Legislativa, em Porto Alegre. A nova proposta é que o processo seja realizado em estruturas municipais, permitindo ao produtor acompanhar a definição do preço oferecido pelas fumageiras. O projeto de Lei de Classificação do Fumo, aguarda votação na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados desde maio. O autor, deputado Adão Pretto (PT/RS), garante que a avaliação por parte da indústria chega a 50% em caso de safra cheia.
O texto original aprovado na Comissão do Trabalho da Câmara, no ano passado, previa classificação na propriedade, mas foi rejeitado na Comissão de Indústria e Comércio. “As fumageiras avaliam e pronto. Assim não. O produtor teria como negociar preço mais justo”, ponderou o parlamentar. O presidente do Sindifumo, Cláudio Henn, considera o projeto inviável. Argumenta que são feitas um milhão de operações de compra durante a safra, considerando cinco entregas de 200 mil pequenos produtores em 750 municípios de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. “Mesmo que passe, o projeto não tem como ser implementado pelo alto custo, pela infra-estrutura necessária e quadro técnico”. Desde maio, a proposta já foi retirada da pauta seis vezes. A próxima audiência pública ocorre dia 29, no Paraná.

Comentário da RTZ: Temos nessa notícia mais um exemplo do lobby que defende o interesse das fumageiras no Congresso Nacional. Pode-se traçar um paralelo com a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, embora tenhamos parlamentares sensíveis à saúde pública e às condições de vida dos fumicultores, na hora H sempre aparecem os grupos apoiados pela indústria, como SINDIFUMO, ABIFUMO e AFUBRA para paralizar o processo.

Não dê moleza ao cigarro
Fonte: Folha de S. Paulo, 05/08/2004

Mais um motivo para largar o cigarro: quem fuma pode perder os dentes. Isso porque o tabagismo contribui para o agravamento da periodontite, doença dos tecidos que dão suporte aos dentes.

Ao longo do tempo, o organismo vai reabsorvendo o osso alveolar -que sustenta o dente, deixando a dentição "mole" até que ocorra sua perda definitiva. Placa bacteriana, gravidez e diabetes estão entre os fatores desencadeantes da doença. "O cigarro agrava, mas não a provoca", diz a dentista Cristiane Yumi Koga-Ito, da Unesp de São José dos Campos (SP). Para evitar a perda da dentição, afirma, é preciso eliminar os fatores de risco, como fumar, "além de manter uma melhor higienização bucal".

REDE TABACO ZERO EM AÇÃO
I Jornada paulista de Tabagismo: A Funcor programou, para 21 de agosto, a I Jornada Paulista de Tabagismo do Hospital do Coração, que vai acontecer no Hospital do Coração (R. Rua Desembargador Eliseu Guilherme, 147, 2° andar – Auditório I).

A abertura está programada para as 8:15. Entre os temas que serão discutidos, estão a contextualização do tabagismo no Brasil e no mundo, as dependências química e psicológica e o tratamento do fumante.

Mais informações pelo telefone (11) 30536611, ramal: 2209, com Sheila.


VII Simpósio Internacional sobre Tratamento deTabagismo: Será dias 18, 19 e 20 de novembro o VII Simpósio Internacional, que vem sendo realizado anualmente há oito anos e conta com a participação e presença de convidados nacionais e internacionais de renome no tema. Este anos, o evento conta com a participação de Scott Leischow, Chefe da Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos, de Mitchel Nides, presidente do Los Angeles Clinical Trials, órgão responsável por vários dos mais importantes ensaios clínicos feitos recentemente na área de tratamento do tabagismo e de Brian Rush, chefe da Divisão de Abuso de Substâncias da Universidade de Toronto, no Canadá.

Entre os convidados nacionais, estão Analice Gigliotti, Ana Cecília Marques, Joaquim Melo e Ronaldo Laranjeira, entre outros.

Mais informações e inscrições com C&M Congresses and Meetings, tel/fax: (21) 2539 1214, e-mail: cm@cmeventos.com.br

Pós-Graduação em Dependência Química: Estão abertas as inscrições para o curso de Pós-Graduação (Lato Senso) em Dependência Química, da Uniad, Unifesp, Escola Paulista de Medicina e Santa Casa da Misericórdia. Os professores são os mesmos que ministram o curso em São Paulo, sob a coordenação de Analice Giglioti e Ronaldo Laranjeira. As aulas serão quinzenais, aos sábados, a partir de fevereiro de 2005, na Santa Casa, no centro da cidade. As vagas são limitadas e os interessados devem entrar em contato com Marta, pelos telefones (21) 3181-1295 e 2210-5564, ou pelo e-mail psiquiatriascmrj@uol.com.br

ADESF: Foi instaurado Inquérito Policial (no. 762/04) contra o painel "Livre para Fumar ou Parar", da Souza Cruz, com base no artigo 68 do Código de Defesa do Consumidor (Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa). O representante da Adesf, Silvio Tonieto, solicitou a abertura do Boletim de Ocorrência como cidadão e também participante de um grupo de pessoas que se interessam em coibir a expansão da epidemia tabagista. Segundo a Adesf, caso a polícia civil aja rápido e o Ministério Público cumpra seu dever, a Souza Cruz pode voltar atrás com essa “publicidade canhestra”.

Vigilância Sanitária do Distrito Federal: Está em fase de conclusão o relatório sobre as ações de fiscalização nas universidades de Brasília. Segundo informações preliminares, mais de 40 foram intimadas à implantação da lei que estabelece ambientes livres de fumo.

É também da Visa/DF o fato curioso deste boletim: um promotor de Justiça aposentado de Brasília entrou com ação na Justiça para que pudesse fumar onde quisesse. Através da Intranet do Ministério Público, ensinou outros fumantes a entrarem com a mesma ação. A Visa derrubou a liminar, mas o promotor ganhou a ação que permite que ele fume em ambientes abertos. O pitoresco: ele deixou de fumar! Como diz Mônica Musser, da Visa, “nesta história saímos todos vencedores e quem perdeu foi o verdadeiro vilão: o cigarro!”

STATUS DA CQCT
Parabéns ao Panamá por ter ratificado a Convenção-Quadro em 16 de agosto. 27 países já ratificaram, faltam apenas 23 para que a CQCT entre em vigor. Cadê a liderança do governo brasileiro na área?

IRRESPONSABILIDADE SOCIAL
Esta edição destaca o prêmio dado à Souza Cruz pela revista Valor 1000, de Valor Econômico, com as 1000 maiores empresas brasileiras. São 27 campeãs setoriais e a Souza Cruz foi a campeã em seu setor, Fumo e Bebidas.

Abaixo, reproduzimos trechos da matéria:

A Souza Cruz faz milagres de eficiência para superar o comércio ilegal de cigarros e as restrições ao marketing

O volume de vendas externas deve crescer em 2004 pelo menos 6%. No mercado interno, a aposta está na segmentação

por Marta Barcellos

A era da eficiência parece ter substituído a supremacia do marketing na Souza Cruz. E, de sobra, tirou força da concorrência desleal do comércio ilegal de cigarros. Nos últimos anos, a líder de cigarros no Brasil transformou em desafio interno o dilema de ser uma empresa de consumo de massa que não pode fazer propaganda de seus produtos. Acuada pelas restrições à publicidade de cigarros e pelo cerco antitabagista, aplicou-se numa operação tão eficaz que se transformou em benchmark do retraído setor de consumo – e é tricampeã setorial de Valor 1000.

(...) No mercado global, no entanto, a subsidiária do grupo British American Tobacco (BAT) ainda detém uma modesta fatia das exportações, de apenas 8%. “Se conseguirmos apenas dobrar a nossa participação, estaremos falando de um crescimento de 30% da empresa”, calcula Durante. Se em 2003 as previsões de aumento das exportações foram frustradas pela quebra da safra, que atingiu de 25% a 30% da produção, neste ano os números do primeiro semestre são animadores. “Devemos ter um volume de 6% a 12% maior”, prevê o presidente da empresa, que no primeiro semestre compra de 70% a 80% do fumo que será embarcado.

(...) Até no marketing, com todas as restrições impostas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Souza Cruz vem ousando fazer lançamentos. Trata-se, na verdade, de extensões de linha das marcas Carlton e Free, com blends e embalagens especiais. “Apostamos na segmentação do mercado”, diz o presidente. “Lançar novas marcas, hoje, é algo complicado.”

(...) “O programa da racionalização de custos na companhia começou em 1996, antes das restrições na propaganda”, diz o presidente (Nicandro Duarte). “Foi o crescimento do mercado ilegal de cigarros que nos levou à necessidade brutal de eficiência.”

A fabricante de Hollywood, Free e Derby, marcas construídas ao longo de anos de milionários investimentos de marketing, concorre com nomes obscuros de cigarros vendidos em camelôs a R$ 1,00 o maço. “Fizemos promoções de preço localizadas, mas é impossível vender por menos de R$ 1,60 pagando os impostos”, diz Durante. No ano passado, a companhia teve de enfrentar ainda o aumento no preço de insumos e da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – que levou a um reajuste de preços. No final, a receita bruta consolidada atingiu R$ 6,8 bilhões, com crescimento de 11% sobre o ano anterior.

Enfrentar adversidades já parece ser rotina na Souza Cruz, brinca o presidente. “Esse é o nosso dia -a- dia nos últimos anos.” A capacidade de superar problemas ironicamente potencializa o crescimento dos negócios. Quando um acionista, por exemplo, questiona o futuro da empresa – focada em um produto cada vez mais atacado pela sociedade e controlado pelos governos –, a resposta está na ponta do lápis: mesmo admitindo as taxas de queda no consumo de cigarros dos países desenvolvidos, há espaço para crescer, tanto no mercado interno como nas exportações.

”Se considerarmos o mercado ilegal, que representa um terço das vendas no Brasil, temos apenas 60% de participação”, diz ele. Pelos números da ACNielsen, que não contabiliza as vendas informais, a participação da companhia fechou 2003 com um pedaço de 77% do mercado. “Na prática, temos os outros 40% para crescer”, calcula o presidente, somando o espaço da americana Philip Morris (dona do Marlboro) e das marcas baratas do mercado. Da mesma forma, o boom de consumo do início do Plano Real provou que o setor é extremamente sensível ao aumento do poder aquisitivo. Ou seja, na medida em que o Brasil voltar a crescer, os fumantes que diminuíram o consumo ou trocaram de marca por causa da renda devem voltar aos antigos hábitos. “Temos as marcas aspiracionais”, lembra Durante.

Comentário da RTZ

O prêmio dado por uma publicação econômica como Valor à Souza Cruz é digno de uma série de comentários.

Um deles é o próprio teor, focado na produtividade e crescimento do negócio, sem qualquer vinculação aos problemas à saúde causados pelo cigarro. Quando a reportagem trata o controle do tabagismo como uma adversidade ao negócio, sequer menciona os custos do país com tratamento ou morte de fumantes, assim como não enfoca a questão do contrabando pela ótica que, acreditamos, deveria ser enfocada: a do lucro obtido pela empresa com a venda das folhas do tabaco para o mercado externo. Reforça a imagem negativa do controle do tabagismo quando diz que é uma empresa de consumo de massa “que não pode fazer propaganda de seus produtos e é acuada pelo cerco antitabagista”.

É curioso também que, ao folhear a revista, na página 31, existe um “Publieditorial”, que seria uma publicidade editorial. Na imprensa, existem dois lados: o comercial, onde os anúncios são vendidos, e o editorial, a redação, entendida como à parte do processo comercial. Ou seja, teoricamente, a publicação de um anúncio pago não obriga o veículo a fazer uma matéria editorial sobre a empresa, o produto ou o que quer que seja. Uma seção “Publieditorial” seria, tecnicamente, uma deformação destes dois departamentos. Ou é anúncio ou é reportagem. No Valor 1000, são 8 páginas de “Publieditorial”, com cara de matéria e cheiro de anúncio, que abordam tudo, inclusive os três pilares éticos: benefício mútuo, gestão responsável do produto, e boa conduta empresarial. Sabendo o que sabemos sobre o tabaco e só de lermos os dois depoimentos deste Boletim, sobre as pessoas que sofrem a dependência da nicotina, vemos que estes três pilares caem como um castelo de areia.

Outra parte muito interessante é um box sobre ações jurídicas: “Indústria” indenizatória, é o título. A Souza Cruz diz que a Justiça tem rejeitado ações, entendendo que os riscos associados ao cigarro são de conhecimento público e que a atividade é lícita e regulamentada. E segue dizendo que no mundo inteiro, inclusive nos EUA, a Justiça tem agido da mesma forma. O que obviamente é mentiroso. A Souza Cruz diz que o aumento das ações – calcada na cultura norte-americana – criou uma “indústria “ indenizatória cujos custos são subsidiados pela sociedade.

Evidentemente, é uma afirmação mentirosa. Os riscos associados ao cigarro são, hoje, de conhecimento público graças aos inúmeros processos abertos, nos EUA, contra a indústria. E que foram perdidos por ela, obrigando-a a pagar indenizações milionárias e a abrir seus arquivos, onde estavam seus documentos internos que, só então, passaram a ser de conhecimento público.

Faltou, também, dizer que não são os processos que criam uma indústria indenizatória cujos custos são subsidiados pela sociedade. A sociedade subsidia, sim, através do pagamento de impostos, tratamentos, pensões por mortes e invalidez, causados pela dependência de seus produtos. Sem falar na dor e no sofrimento de famílias, que não são mensuráveis em forma monetária.

OPORTUNIDADES
A UICC - União Internacional de Combate ao Câncer anunciou que estão abertas, até 1 de dezembro de 2004, as inscrições para pedido de bolsas para pesquisa em duas categorias.

Clique nos links
Translational Cancer Research Fellowships (TCRF)
e ACS Beginning Investigators (ACSBI) para maiores informações.

Todas as informações estão em inglês.

Ficha Técnica
Realização: Rede Tabaco Zero
Coordenação: Paula Johns
Secretaria Executiva: Mônica Andreis e Paulo César Rodrigues Corrêa
Edição: Anna Monteiro
Colaboração: Angela Maria Mazzucco, Martin Raw, Silvia Ismael Cury