A conta salgada do açúcar
09.07.19Cláudia Collucci, Folha de São Paulo
SÃO PAULO
No momento em que o Brasil enfrenta epidemia de obesidade, com quase 59% das crianças e 52% dos adultos acima do peso, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) assina decreto que eleva o benefício fiscal para a indústria de refrigerante. A medida vem na contramão de ao menos 40 países que já aumentaram impostos sobre bebidas açucaradas para prevenir e controlar doenças, a exemplo das políticas antitabaco.
O consumo dessas bebidas está entre as principais causas de obesidade, diabetes e cáries em todo o mundo. Uma lata média de refrigerante pode conter o equivalente a dez colheres de chá de açúcar (40 gramas).
Vários estudos demonstram que maior taxação sobre esses produtos causa redução do consumo, queda das doenças associadas a ele e aumento de receita para os governos. Um deles nos EUA diz que imposto sobre bebidas açucaradas de US$ 0,01 geraria economia de US$ 23 bilhões nos custos de saúde em dez anos.
O México, que já foi líder mundial na ingestão de bebidas açucaradas, introduziu em 2014 imposto de um peso por litro. Com isso, reduziu o consumo em 9%, aumentou a compra de água em 4% e não registrou queda na taxa de emprego do setor.
França e Reino Unido têm impostos de escalas variáveis proporcionais ao teor de açúcar contido na bebida. Em resposta, os fabricantes estão reduzindo a quantidade.
Na Hungria, novo imposto sobre produtos com elevados níveis de açúcar, sal e gordura gerou recursos de US$ 436 milhões entre 2011 e 2016, com parte revertida em aumento salarial a médicos e enfermeiros.
A indústria e aliados alegam que mais imposto traz queda em receitas e emprego e aumenta o comércio ilícito. Mas esses argumentos são falsos. A política fiscal é altamente eficaz para reduzir consumo de tabaco, álcool e bebidas açucaradas e há enormes benefícios para a saúde. Nada justifica a inação.
Ao mesmo tempo, ela não tolhe a liberdade do consumidor. Basta que o ônus das escolhas individuais continue recaindo sobre toda a sociedade.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/claudiacollucci/2019/07/a-conta-salgada-do-acucar.shtml