“As táticas da indústria do tabaco e da indústria de ultraprocessados são assustadoremente parecidas”, diz diretora da ACT

01.03.18


Parágrafo 2

Paula Johns é diretora presidente da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) Promoção da Saúde. É mestre em estudos de desenvolvimento internacional pela Universidade de Roskilde, Dinamarca. Acompanha as reuniões de negociação da Convenção-Quadro e de seus protocolos desde 2000. Atua no terceiro setor desde 1998 coordenando projetos voltados à promoção dos direitos humanos, equidade de gênero, preservação do meio ambiente e saúde pública. Ex-presidente do conselho diretor da Framework Convention Alliance (FCA), empreendedora social Ashoka, Conselheira Nacional de Saúde. Membro do Conselhor do GAPA – Global Alcohol Policy Alliance, da Fundação Interamericana do Coração e da NCD Alliance. Compõe ainda o Comitê gestor da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.

Em entrevista ao Parágrafo 2 Paula Johns fala sobre a recente decisão do Supremo Tribunal Federal em favor da proibição de aditivos de sabor e aroma em cigarros. A diretora da ACT Promoção da Saúde também destaca a relação entre mercado e Congresso Nacional nas decisões relativas a controle de tabaco, alimentos ultraprocessados e produtos com alto teor de açúcar. Paula também revela ainda quais são os grandes desafios do Brasil na promoção de políticas públicas voltadas a alimentação saudável. Confira.

Parágrafo 2:  O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, no início de fevereiro, a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proíbe aditivos de sabor e aroma em cigarros. Podemos mensurar o tamanho desta decisão para a saúde no Brasil?

Paula Johns: A confirmação da competência da Anvisa para regular produtos de tabaco e, consequentemente, de outros produtos que possam causar riscos à saúde é uma grande vitória da saúde pública. A decisão representa ainda um precedente importante para outros temas de saúde pública em especial no campo da regulação de produtos diretamente associados ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, responsáveis por mais de 70% das mortes no Brasil.

Parágrafo 2: Foram muitos os avanços obtidos por institutos, órgãos e organizações de saúde no controle e no alerta sobre os malefícios do cigarro nas últimas décadas. Quais são, a seu ver, os grandes desafios que o Brasil tem para manter tais avanços (e aqui nos referimos ao campo legal) e para tentar incentivar uma diminuição maior ainda no consumo de tabaco no país?

Paula Johns: A redução na prevalência do tabagismo decorrente da adoção de um conjunto de medidas regulatórias de base populacional é sem sombra de dúvida um exemplo para outros temas de saúde pública. No entanto, isso não significa que possamos baixar a guarda, pois o risco da redução da prevalência se estagnar e/ou de sofrermos retrocessos nas políticas conquistadas existe. Para que possamos continuar avançando é necessário implementar integralmente todas as políticas já adotadas, fiscalizar e monitorar o cumprimento das mesmas. No caso da proibição da publicidade nos pontos de venda os casos de violação são muitos e não há fiscalização ou penalização. A própria resolução da Anvisa que proibiu os aditivos precisa agora ser implementada e ainda não sabemos quando isso vai ocorrer na prática. Com a judicialização da resolução, perdemos cinco preciosos anos em que poderíamos ter prevenido a iniciação no tabagismo de milhares de jovens. Este é um dos exemplos de como a indústria do tabaco e seus aliados atuam para evitar e protelar medidas que possam afetar a venda dos seus produtos. Outro tema importante é a questão do mercado ilegal: precisamos ratificar e implementar o Protocolo do Mercado Ilícito no país, assim como necessitamos manter atualizada a política de aumento de preços e impostos para que não se torne defasada.

Parágrafo 2:  Como a ACT vê a popularização e a consequente proliferação de produtos como o cigarro eletrônico e o narguilé? Já existem projetos que visem um controle maior destes produtos ou mesmo campanhas de conscientização sobre os riscos que eles podem representar para a saúde de seus consumidores?

Paula Johns: Vemos com preocupação a proliferação de uma gama de produtos cujas consequências no nível populacional podem ser desastrosas. Cada novo produto é uma tentativa de banalizar e renormalizar o consumo de tabaco. Nos países onde os novos produtos são comercializados livremente, a propaganda deles lembra a introdução do tabagismo através dos filmes de Hollywood. Esse impacto populacional da introdução de novidades precisa ser mensurado e é preciso ter cautela. Há um grande debate sobre qual seria a melhor forma de regular esses novos produtos, se como produto de tabaco sujeito às mesmas regras dos cigarros convencionais, se como produtos para ajudar a parar de fumar ou de alguma outra maneira. O fato concreto é que ainda não existe evidência que possa garantir qual será a melhor maneira de lidar com os novos produtos, ainda sabe-se pouco sobre seu impacto. Se existem algumas vantagens em relação ao impacto na saúde ao comparar com os cigarros convencionais, existem também incertezas, pois os produtos contém substâncias que não estão presentes no cigarro convencional e ainda não se sabe o impacto destas substâncias na saúde. Em outras palavras, do ponto de vista da estratégia de mercado das empresas, é natural que estejam buscando formas de manter seus negócios; e do ponto de vista da saúde pública é importante ter cautela, uma vez que existem motivos mais do que suficientes para não confiar na indústria do tabaco e seus aliados. Afinal, são décadas de estratégias deliberadas de promover dúvida e desinformação para evitar a redução do consumo de cigarros.

Parágrafo 2: Há alguns anos a ACT se engajou também na luta por uma alimentação mais saudável e por medidas de controle e advertência para produtos industrializados, a exemplo do que aconteceu com os cigarros. Quais são os principais focos e as principais ações exercidas pela ACT nesse nicho?

Paula Johns: As políticas públicas que podem ser adotadas para promover uma alimentação mais adequada e saudável são muito similares às adotadas para redução do tabagismo. Podemos traçar um paralelo entre os produtos comestíveis ultraprocessados (desnecessários, nocivos à saúde e supérfluos) e os cigarros.

De acordo com a Guia Alimentar para População Brasileira, para garantir uma alimentação adequada e saudável é importante termos uma alimentação baseada em produtos in natura e minimamente processados, diversificada, que leve em consideração aspectos culturais e ambientais e evitar os ultraprocessados (refrigerantes, bolachas recheadas, embutidos que tem excesso de nutrientes críticos, corantes e aditivos). Estes são produtos comestíveis que imitam comida e que causam uma série de danos à saúde. Nosso slogan é que ambientes saudáveis promovem escolhas saudáveis, e para tal necessitamos de uma rotulagem adequada, medidas fiscais que encareçam os ultraprocessados e facilitem o acesso à comida de verdade e restringir o marketing e a publicidade de produtos que fazem mal à saúde. Assim como fazemos com o tabaco, atuamos junto com uma rede de organizações das mais diversas áreas de atuação que tem como objetivo comum garantir o direito humano à Alimentação Adequada e Saudável, através de uma Aliança com o mesmo nome (www.alimentacaosaudavel.org.br ).

No momento estamos apoiando uma campanha de melhoria da rotulagem nutricional que está em discussão na Anvisa. A Aliança e outros parceiros apoiam a proposta apresentada pelo Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFRP). Outros temas que estão na agenda são expor as distorções no atual modelo de tributação de bebidas adoçadas, a melhoria da qualidade da alimentação em escolas e outros ambientes institucionais e a restrição do marketing de produtos nocivos à saúde.

Em outras palavras, não só podemos continuar a comer, como podemos redescobrir o prazer de comer alimentos saudáveis, de valorizar o comer junto com outras pessoas, de criar preparações culinárias extremamente saborosas.

Parágrafo 2: No final de 2017, pesquisadores da Universidade da Califórnia trouxeram à tona documentos que comprovam que a  Sugar Research Foundation (SRF), conhecida agora como Sugar Association, financiou em 1965 uma revisão no New England Journal of Medicine na qual eram descartados indícios que relacionavam o consumo de açúcar, aos aumento dos níveis de gordura no sangue e doenças cardíacas. Os documentos também revelam que a empresa encomendou outras pesquisas que comprovavam os malefícios do açúcar e quando a SRF conheceu os dados, que indicavam uma relação entre o consumo de açúcar e as doenças cardíacas, e até um maior risco de câncer de bexiga, interrompeu as pesquisas e nunca publicou seus resultados. Como atua a indústria do açúcar no Brasil em relação a estudos que tentam (ou que já tenham comprovado) os malefícios que esse alimento causam os podem causar?

Paula Johns: As táticas da indústria do tabaco e das indústrias de produtos comestíveis ultraprocessados são assustadoramente parecidas. Portanto, uma das áreas importantes de atuação é o monitoramento das táticas de interferência promovida por estas grandes corporações para evitar medidas regulatórias que possam diminuir a venda de seus produtos. Algumas das estratégias podem ser encontradas no trabalho de jornalismo investigativo O Joio e o Trigo dos jornalistas Moriti Neto e João Peres (www.ojoioeotrigo.com.br )

Parágrafo 2: A batalha pelo aumento nos impostos sobre produtos como refrigerantes e sucos industrializados, comprovadamente possuidores de altos teores de açúcar, é uma tarefa que demanda muita coragem e persistência, já que instituições, ongs e órgãos do poder público enfrentam gigantes como Coca Cola e Danone, por exemplo. Essa luta, a seu ver, é ainda maior do que a travada para aumentar os impostos sobre os cigarros?

Paula Johns: Numa primeira leitura, o enfrentamento na área da alimentação e nutrição parece muito maior e mais complexo do que o enfrentamento com a indústria do tabaco, por outro lado a possibilidade de mobilização da sociedade em torno do tema alimentação é muito maior, uma vez que é um tema que diz respeito a todos nós. No caso do cigarro era uma agenda via de regra negativa, no sentido de não consumir sem exatamente termos um substituto. No caso dos ultraprocessados, temos a vantagem de poder promover o lado bom do prazer de comer.

Em outras palavras, não só podemos continuar a comer, como podemos redescobrir o prazer de comer alimentos saudáveis, de valorizar o comer junto com outras pessoas, de criar preparações culinárias extremamente saborosas.

Parágrafo 2:  Grandes indústrias como as fumageiras e fabricantes de alimentos e bebidas sempre investiram alto no financiamento de campanhas eleitorais de candidatos a deputado, senador e a presidente da República. Tais financiamentos sempre foram “moeda de troca” corrente no Congresso Nacional e representavam, muitas vezes, o engavetamento ou a aprovação de projetos de lei que favoreciam estas empresas de alguma maneira. Entretanto, para a campanha eleitoral de 2018, estão proibidas as doações feitas por pessoas jurídicas. Como você acredita que as grandes empresas agirão para continuar influenciando nas decisões do Congresso Nacional?

Paula Johns: Continuarão fazendo forte incidência no Congresso Nacional e nos Poderes Executivo e Judiciário para evitar toda e qualquer medida regulatória que possa reduzir a venda dos seus produtos. A incidência e influência também se dá através da mídia e do financiamento de think tanks, buscando formar opinião e vendendo a falsa ideia de que é tudo uma questão de moderação, que regular o mercado é um ataque à liberdade de escolha individual, etc.. etc… Nesse aspecto também a prática da indústria de ultraprocessados e do tabaco é absolutamente idêntica.




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