"Caminho diante do descaminho"

03.12.18


Gazeta do Povo - Mônica Andreis

Para reduzir o problema do comércio ilegal de tabaco é fundamental que o Estado brasileiro procure negociar com os vizinhos da região e controle melhor suas fronteiras.

 | Albari Rosa

O mercado ilegal de cigarros no Brasil em 2017 correspondeu a 38,5% do consumo total, segundo estimativa do Instituto Nacional de Câncer, podendo ser considerado uma ameaça ao controle do tabagismo e às finanças públicas. O estudo utilizou dados públicos e representativos do consumo e das vendas legais de cigarros, e sua metodologia foi referendada por pares e publicada no renomado American Journal of Public Health.

O Inca mostra que a quantidade de cigarros ilegais consumidos no Brasil caiu de 42,8%, em 2016, para 38,5% em 2017, revertendo tendência observada entre 2014 e 2016, quando a proporção de consumo de cigarros ilegais cresceu e a de cigarros legais diminuiu.

Organizações ligadas à indústria do tabaco usam metodologia diferente, porém desconhecida, e apresentam porcentuais mais altos em 2017 e 2018. Para haver transparência e intercâmbio de ideias sobre tamanho e tendências desse mercado, seria importante que estas organizações disponibilizassem na íntegra a metodologia de seus estudos.

Essas organizações colocam a culpa do contrabando na alta carga tributária no Brasil. A diferença de preço entre o produto legal e o ilegal pode ser um estímulo para a procura do cigarro ilegal. No entanto, outros países da região, com cargas tributárias semelhantes ou até maiores que a do Brasil e com diferenças substanciais de preço com o Paraguai, têm níveis de contrabando inferiores aos do nosso país.

É preciso olhar para outros fatores, como o controle da extensa fronteira terrestre brasileira e a participação do crime organizado na introdução e distribuição dos produtos no território nacional, a consideração do contrabando e descaminho como um crime menor por parte do sistema judiciário, e o relaxamento recente da repressão no varejo. Há uma ampla produção de cigarros sem controles impositivos ou governamentais no Paraguai e com custos de produção muito inferiores aos da região. Todos estes fatores precisam ser apontados e discutidos para um efetivo enfrentamento do mercado ilegal de tabaco.

Dados do Relatório Global de Tabaco da Organização Mundial da Saúde mostram que, mesmo sem nenhum tipo de impostos em ambos os lados da fronteira, o custo de produzir um maço de cigarro (preço de fábrica) é substancialmente mais baixo no Paraguai. Assim, a situação não se resolveria ao se baixar os impostos sobre o cigarro no Brasil. É bom lembrar que a política de impostos mais baixos já foi tentada pela Receita Federal entre 1999 e 2007, sem resultados em termos de diminuição do contrabando.

A prevalência e a intensidade do consumo dos fumantes diários têm diminuído desde 2006, segundo o Vigitel: a porcentagem de fumantes passou de 25,7% da população, em 2006, para 10,1%, em 2017. Uma das bem-sucedidas políticas responsáveis por esta queda foi a reforma do IPI-cigarro de 2011, que simplificou a estrutura tributária e aumentou o valor do imposto. O Banco Mundial e a Organização Mundial da Saúde consideram o aumento de preços e impostos a medida mais efetiva para o desestímulo ao consumo de produtos de tabaco.

Em maio, o governo brasileiro adotou o Protocolo para a Eliminação do Comercio Ilícito de Produtos de Tabaco (ITP), um instrumento da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, e em outubro ocorreu a primeira reunião das partes do Protocolo. Neste, estão especificadas as boas práticas para o controle fiscal, para reforçar a implementação da lei e alcançar a cooperação internacional no combate às operações ilícitas. É preciso preservar as políticas públicas da interferência da indústria do tabaco, de acordo com o artigo 5.3 da Convenção-Quadro, mas a discussão pública do diagnóstico e das propostas para enfrentamento dessa questão é bem-vinda, desde que com argumentos sólidos e baseados em evidências.

Para reduzir o problema do comércio ilegal de tabaco é fundamental que o Estado brasileiro procure negociar com o Paraguai e vizinhos da região para sua adesão ao Protocolo e adoção das boas práticas de controle da produção do cigarros. A nova administração paraguaia, do presidente Mario Abdo Benitez, mostrou alguns sinais positivos nesse sentido. É preciso insistir nessa cooperação e avançar.

Mônica Andreis, diretora-executiva da ACT Promoção da Saúde."


https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/caminho-diante-do-descaminho-312gu4gtdkfpp7ox0hevj52i9/




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