Cigarro ilegal cai nas mãos do tráfico e da milícia

07.10.18


O Globo

Produto contrabandiado movimentou R$ 1 bilhão no estado e é o mais novo filão das quadrilhas bilhão no estado e é o mais novo filão das quadrilhas

RIO - No entorno da Central do Brasil, uma área dominada por traficantes do Morro da Providência, os ambulantes vendem cigarros contrabandeados em barracas improvisadas a poucos metros de uma delegacia e da sede da Secretaria de Segurança. No Recreio dos Bandeirantes, numa região controlada por milicianos, o produto trazido do Paraguai é comercializado em bares, restaurantes e depósitos de bebidas. O mercado ilegal de cigarros, que ano passado movimentou R$ 1 bilhão no estado, é o mais novo filão das quadrilhas, que já exploram o transporte alternativo, a venda de gás e a TV a cabo pirata.

Um levantamento feito pela indústria nacional do tabaco e pela Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM) mostra a extensão do problema: tráfico e milícia já exploram a venda do produto em um terço dos 162 bairros da capital. Na Zona Norte, por exemplo, 34% dos estabelecimentos já vendem o cigarro ilegal. Na área Central, o percentual é de 20%. No Camorim, bairro da Zona Oeste, 89% vendem os produtos trazidos do Paraguai.

- O que está acontecendo com o Rio é muito preocupante. O crime organizado está sufocando o comércio legal. Em algumas regiões, eles criaram zonas de exclusão de cigarros legais, coagindo comerciantes a só venderem produtos contrabandeados sob pena de sofrerem represália. Uma atividade que está crescendo este ano como nunca se viu antes - afirmou Edson Vismona, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial e representante do setor do tabaco.

Os números impressionam. Empresários do mercado formal dizem que cinco em cada dez maços vendidos no estado são produtos ilegais. Nos últimos três anos, o volume de vendas da indústria nacional do tabaco teve uma queda de 27% no Rio. Com essa perda, o estado viu descer pelo ralo R$ 401 milhões em impostos só no ano passado.

Apenas na cidade do Rio, cigarros do Paraguai podem ser comprados em 530 estabelecimentos legalizados, que têm alvará de funcionamento e CNPJ registrado na Receita Federal. O número passa 900 se forem incluídas as outras cidades da Região Metropolitana. Policiais da DRCPIM estão fazendo um mapa para apontar os bairros em que os comerciantes só vendem os produtos contrabandeados.

- Apenas este ano, nós já apreendemos cerca seis milhões de cigarros em operações contra o contrabando - afirmou o delegado Maurício Demétrio, que assumiu o comando da delegacia em março.

Demétrio explicou que, como a entrada da milícia e do tráfico no novo negócio, a polícia decidiu que vai intensificar as operações e enquadrar os comerciantes flagrados comercializando cigarros do Paraguai no crime de contrabando, que tem pena de dois a cinco anos de prisão.

- O comerciante que for flagrado será preso e enquadrado por contrabando. Além disso vamos encaminhar à prefeitura um pedido para que o alvará seja cassado. O mesmo será feito com relação ao CNPJ. Vamos pedir o cancelamento da inscrição à Receita Federal - explicou o delegado.

Na semana passada, um comerciante foi preso pela Polícia Civil no Recreio vendendo cigarros do Paraguai num depósito de bebidas. Segundo o delegado, os maços tinham estampadas inscrições em guarani, língua indígena do sul da América do Sul.

Também estava impresso um alerta: "Para venta exclusiva en el Paraguay". A polícia vai investigar se o comerciante foi obrigado a vender apenas o cigarro paraguaio da marca Gift por milicianos que atuam na região.

MAIOR TAXAÇÃO PARA REDUZIR O CONSUMO

Empresários do ramo de cigarros reivindicam junto ao governo federal a mudança da política de aumento de impostos, como medida para reduzir o consumo do tabaco. Presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, Edson Vismona disse que a taxação elevada do produto no Brasil não tem provocado o efeito esperado, pois o cigarro do Paraguai vem tomando o mercado nacional por ser mais barato (cerca de R$ 3). Enquanto os impostos sobre o produto no país vizinho ficam em 18%, aqui chegam a 90%.

Segundo o Ministério da Saúde, a redução do consumo de tabaco no Brasil é resultado de uma série de medidas. Uma delas, recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é o aumento de impostos. A política de preços mínimos também está ligada a essa redução. No Brasil, nenhum cigarro pode custar menos de R$ 5. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), uma pesquisa mostrou que 62% dos fumantes pensaram em parar de fumar devido ao preço do produto. Outro estudo mostrou ainda que o cigarro paraguaio faz ainda mais mal à saúde, pois tem bactérias e fungos.

AMEAÇAS E MORTES

O comerciante português Fernando Taboada da Veiga, de 65 anos, foi executado mês passado quando abria seu bar, por volta das 6h, na Praça Jauru, na Taquara. O crime está sendo investigado pela Divisão de Homicídios (DH). Uma das linhas seguidas é que a vítima teria desafiado a milícia ao parar de vender cigarros contrabandeados do Paraguai e, por isso, foi morta.

— Ele disse para amigos que não aguentava mais. Se vendia os cigarro paraguaios, policiais militares exigiam dinheiro. Se não vendia, a milícia pressionava. Acabou chutando o balde e foi assassinado — disse um amigo de Veiga, que pediu para não ser identificado.

Comerciantes legalizados vêm sendo ameaçados quando não aceitam vender os cigarros contrabandeados do Paraguai. A principal marca oferecida é a Gift, que abocanhou 38% do mercado do Estado do Rio em 2017. Ela já aparece como o cigarro mais vendido, superando todas as marcas legais.

Na semana passada, uma equipe do GLOBO percorreu bares em diversos bairros da capital. O Gift é vendido por preços variados e encontrado tanto no comércio legal como no ilegal. No Terreirão, no Recreio, onde a milícia dá as cartas, o maço custa R$ 4 — enquanto os legais têm preços de R$ 5 a R$ 11. Na Central do Brasil, próximo à Secretaria de Segurança, o produto contrabandeado é vendido a R$ 3 em bancas de camelôs e até no comércio legal na estação de trem. No bairro da Cacuia, na Ilha, o maço era vendido pelo mesmo preço.

Funcionários de empresas legais que distribuem cigarros no Rio dizem que também sofrem ameaças.

— Tem lugar em que o vendedor está proibido de entrar. Foi expulso. Se volta, morre — afirmou um representante do mercado formal.

https://oglobo.globo.com/rio/cigarro-ilegal-cai-nas-maos-do-trafico-da-milicia-23135123




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