Não precisamos de mais uma epidemia
04.02.20Folha de São Paulo, Paula Johns
Mais de 2.500 casos de intoxicação e 55 mortes foram registrados nos EUA, no ano passado, entre pessoas que usavam dispositivos eletrônicos para fumar, especialmente jovens.
Esses produtos, que incluem os cigarros eletrônicos ou de tabaco aquecido, produzem um aerossol inalado pelo usuário, e a maioria contêm nicotina e outras substâncias tóxicas. Seus usuários se denominam “vapers”, um novo nome para um novo modismo, mas uma dependência bem antiga: a da nicotina, responsável por incluir o tabagismo como doença na Classificação Internacional de Doenças (CID 10).
Não há ainda evidências conclusivas de pesquisas sem conflito de interesse, ou seja, que não sejam financiadas pelas empresas de tabaco, de que esses produtos têm risco reduzido. Por isso, especialistas vêm questionando o uso desses dispositivos para a cessação ao fumo.
Há consenso na área de saúde de que sua liberação no mercado brasileiro colocaria em risco o bem-sucedido programa de controle do tabagismo, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde, e que conseguiu reduzir o número de fumantes no país, de 15,6%, em 2006, para 9,3%, em 2018, segundo o Ministério da Saúde. A regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que proíbe a comercialização e propaganda desses produtos, foi correta e dificultou o acesso a eles, evitando uma epidemia, como se vê no caso norte-americano.
Esse fato foi confirmado pelo terceiro levantamento sobre o uso de drogas pela população brasileira, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz, que mostrou que os cigarros eletrônicos foram utilizados por apenas 0,43% das pessoas entrevistadas, de 12 a 64 anos.
Ou seja, não temos uma demanda que justifique a liberação de um produto cujos efeitos, em médio e longo prazo, são desconhecidos, e que está causando intoxicações e doenças pulmonares graves.
Em países onde a comercialização é liberada, como foi o caso dos EUA, houve um aumento de 78% no uso de cigarro eletrônicos entre adolescentes do ensino médio apenas em 2018, segundo o Surgeon General, o que se atribui em grande parte à intensa publicidade.
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Cigarro eletrônico
Cigarros eletrônicos, que não queimam tabaco nem geram fumaça, estão cada vez mais presentes no dia a dia em nos EUA e em países da Europa; os governos se preocupam com a o interesse que os produtos despertam nos jovens Brendan McDermid/REUTERS
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A saída da indústria do cigarro para se manter no mercado e continuar com seu negócio é apostar em novas tecnologias e vendê-las como menos arriscadas. A estratégia foi adotada na década de 1990, quando lançaram produtos “light” e “suave”, que acabaram por ser proibidos porque não representavam perigo menor.
Nesta quarta-feira (4), Dia Mundial do Câncer, vale lembrar que o Brasil já vive uma tragédia, com gastos de cerca de R$ 57 bilhões ao ano com despesas médicas e de perda de produtividade relacionados a doenças provocadas pelo cigarro.
A indústria paga apenas R$ 13 bilhões ao ano em tributos, o que deixa um rombo de pelo menos R$ 44 bilhões para o sistema de saúde brasileiro. São 428 mortes por dia relacionadas ao tabagismo.
Não precisamos de mais uma epidemia.
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/02/nao-precisamos-de-mais-uma-epidemia.shtml