Nova regulação da rotulagem nutricional: resumo das mudanças propostas

15.07.18


Do Campo à Mesa - Francine Lima

 

Por que a rotulagem atual não funciona

De acordo com o Relatório Preliminar da AIR, o principal motivo para mudar a linguagem darotulagem nutricional é que os consumidores brasileiros têm grande dificuldade de utilizá-la. Se as pessoas não conseguem usar, então ela não serve.

Os fatos cientificamente comprovados que sustentam essa afirmação são os seguintes:

1. A população brasileira tem baixo nível de educação e conhecimento nutricional.

2. O modelo derotulagem nutricional atual gera confusões sobre a qualidade nutricional dos alimentos.

3. A informação nutricional na forma de tabela é frequentemente organizada e impressa nos rótulos de um jeito que gera dificuldade de visualização, leitura, processamento e entendimento.

4. As informações nutricionais declaradas frequentemente são inconsistentes ou falsas.

5. Nem todos os alimentos são embalados com informações nutricionais.

A Anvisa reconhece que esses problemas são culpa dela, pois a legislação vigente não é suficientemente precisa ao impor regras para a entrega da informação nutricional.

(Palmas para a Anvisa nesse reconhecimento. Eu bati muito na tecla da precisão nas minhas contribuições no grupo de trabalho do qual participei em 2015.)

Eis alguns dos problemas que a legislação em vigor permite:

1. A tabela é poluída. Há nutrientes demais sendo declarados: o número pode variar de oito até mais de 30! Para o consumidor, que não fez curso técnico nem superior em nutrição, essa numeralha mais atrapalha do que ajuda. Fica difícil identificar na tabela, em pouco tempo, quais números são realmente relevantes para a saúde. De acordo com as autoridades em saúde, como a OMS, o que interessa mesmo são os nutrientes que contribuem para manter e aumentar nossos índices deobesidade e doenças crônicas não transmissíveis.

2. As regras para alegações de propriedades funcionais ou de saúde contêm lacunas e inconsistências. É por causa delas que temos uma proliferação de alegações que levam o consumidor a engano. O marketing nutricional desonesto adora e abusa.

3. Fornecedores de ingredientes e alimentos destinados exclusivamente ao uso industrial ainda não são obrigados a informar o perfil nutricional de seus produtos aos seus clientes B2B, o que dificulta alcançar a precisão na informação que chega ao consumidor final.

4. Não há regras precisas nem suficientemente rígidas para garantir a imprescindível legibilidade na impressão da informação nutricional nos rótulos. Fontes miúdas e espremidas, baixo contraste de cores, brilho, posicionamento não horizontal de texto e falhas no processo gráfico impedem muita gente de ler a informação obrigatória.

5. Mensagens publicitárias impressas no painel principal dos rótulos chamam muito mais atenção e interferem no aproveitamento da informação nutricional obrigatória.

6. A hierarquia informacional nos rótulos está invertida. As alegações ocupam muito mais espaço, chamam muito mais atenção e são muito mais fáceis de entender e assimilar (ainda que errado, quando enganosas) do que a tabela nutricional.

7. Assim, pra entender a tabela nutricional, o consumidor precisa fazer um maior esforço cognitivo e gastar mais tempo examinando a numeralha, na comparação com o aproveitamento das alegações.

Eu adorei que a Anvisa tenha usado a palavra "hierarquia" para dizer que a informação nutricional correta, clara e confiável precisa ser elevada à condição de manchete mais importante do dia no rótulo, desbancando as notícias sensacionalistas. Afinal, foi isso que eu escrevi na minha dissertação de mestrado, defendida em 2014 e entregue à Anvisa logo que entrei para o grupo de trabalho. Eis aí o que diz o resumo da minha dissertação:

Resultados e discussão: A revisão traz estudos de recepção que apontam um mau aproveitamento dosrótulos pelos consumidores devido à linguagem excessivamente técnica; poucos estudos de emissão exploram o efeito de elementos visuais e verbais com apelo emocional na comunicação. A análise empírica do corpus, delimitado por quatro ethe (imagens de si criadas pelas marcas), mostra que o design das embalagens modula a geração dos sentidos, criando uma hierarquia para as mensagens capaz de reduzir o efeito das informações obrigatórias. Propõem-se novos caminhos para melhorar a comunicação sobre alimentação saudável e sustentável nos rótulos.

Essas falhas na legislação perpetuam a assimetria de informações (condição em que o fabricante tem muito mais informação que o consumidor), prejudicam as escolhas alimentares conscientes, reduzem a utilidade da rotulagem nutricional e lesam o direito dos consumidores à informação.




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