Obesidade, desnutrição e mudanças climáticas são maiores ameaças à saúde humana e do planeta, afirmam especialistas

29.01.19


O Globo

Comissão da ‘Lancet’ aponta interesses comerciais, falta de vontade política de governantes e descaso da sociedade como principais impulsionadores do que chama de ‘sindemia global’


Consumidora junto à seção de pães em supermercado no Rio: pesquisadores defendem criação de convenção-quadro das Nações Unidas similar à adotada contra o tabaco para controlar indústria alimentar
Foto: Urbano Erbiste/03-05-2016

Consumidora junto à seção de pães em supermercado no Rio: pesquisadores defendem criação de convenção-quadro das Nações Unidas similar à adotada contra o tabaco para controlar indústria alimentar Foto: Urbano Erbiste/03-05-2016

RIO – O mundo enfrenta epidemias simultâneas de obesidade e desnutrição em meio a um cenário de mudanças climáticas, numa conjunção de problemas que constitui a maior ameaça à saúde humana e do planeta hoje e no futuro próximo, aponta relatório de comissão internacional de especialistas de diversas áreas reunida pelo prestigiado periódico médico-científico “The Lancet” publicado neste domingo.

Denominada como uma “sindemia global” pelos integrantes do grupo, esta ameaça tem interesses comerciais escusos, falta de vontade das lideranças políticas e o descaso e omissão da sociedade em geral como seus principais impulsionadores, demandando assim uma ação multilateral e multifacetada, na forma de uma convenção-quadro das Nações Unidas similar à adotada contra o tabaco, para seu combate, defendem.

- Até agora, a desnutrição e a obesidade têm sido vistas como polos opostos (da ingestão) de ou poucas ou muitas calorias, mas na realidade elas são ambas resultados do mesmo sistema alimentar desigual e insalubre, sustentado pela mesma economia política focada exclusivamente no crescimento e que ignora seus efeitos negativos na saúde e justiça – afirma Boyd Swinburn, professor da Universidade de Auckland, Nova Zelândia, e copresidente da comissão do “Lancet”, batizada EAT (“comer” em inglês). - E as mudanças climáticas têm a mesma história de lucros e poder que ignoram os danos ambientais causados pelos atuais sistemas alimentares, de transporte, urbanismo e uso da terra. Unir essas três epidemias em uma “sindemia global” nos permite considerar causas comuns e soluções compartilhadas com o objetivo de quebrar décadas de inércia política.

A comissão EAT é a mesma que no último dia 17 publicou estudo que elaborou o que foi apelidado de “dieta planetária”, capaz de salvar vidas e ao mesmo tempo ser sustentável em termos ambientais para alimentar uma população mundial que espera-se chegar a 10 bilhões de pessoas em 2050. Nela, os especialistas recomendam, entre outras coisas, concentrar a ingestão de proteínas em leguminosas como feijão, grão-de-bico e lentilhas e reduzir drasticamente o consumo de carnes a uma média de apenas 14 gramas por dia no caso de bovinos, o que dá um bife pequeno por semana. Com isso, afirmam os especialistas, seria possível evitar 11 milhões de mortes precoces anuais e minimizar o impacto do sistema alimentar no meio ambiente.

E não são pequenos estes problemas. Segundo os dados da comissão, o excesso de peso afeta 2 bilhões de pessoas em todo mundo, causando 4 milhões de mortes anuais e prejuízos que chegam a US$ 2 trilhões, ou 2,8% do PIB global, entre custos ao sistema de saúde e por perda de produtividade. Ao mesmo tempo, 155 milhões de crianças enfrentam atrasos no seu desenvolvimento devido à má nutrição, com 52 milhões severamente desnutridas, enquanto 2 bilhões de pessoas sofrem com deficiência de micronutrientes como vitaminas e minerais e 815 milhões são cronicamente desnutridas, gerando perdas que chegam a 11% do PIB em países da África e Ásia.

Já no campo das mudanças climáticas, estimativas apontam que seus custos econômicos ficarão entre 5% e 10% do PIB mundial no futuro próximo, com a conta mais alta sendo paga justamente pelos países mais pobres do planeta, em níveis que ultrapassarão 10% de seus PIBs. Reflexo da ação dos atuais sistemas de produção de alimentos, nos quais a agricultura contribui com 15% a 23% das emissões de gases do efeito estufa, o equivalente ao setor de transportes, e que se somadas às provenientes das mudanças no uso da terra – basicamente por desmatamento para a produção agropecuária – e do lixo chegam a 29% das emissões globais.

- O modelo de negócios prevalente das grandes empresas alimentícias e de bebidas focado em maximizar os lucros de curto prazo leva a um sobreconsumo de alimentos e bebidas pobres em nutrientes nos países de alta renda e cada vez mais nos países de baixa e média renda – destaca Richard Horton, editor-chefe do “Lancet”. - A coexistência de obesidade e atrasos no desenvolvimento nas mesmas crianças em alguns países são um sinal de alerta urgente, e ambos problemas serão exacerbados pelas mudanças climáticas. Atacar a “sindemia global” requer repensar urgentemente como comemos, vivemos, consumimos e nos movemos, incluindo uma mudança radical rumo a modelos de negócios sustentáveis e que promovam a saúde frente aos desafios que enfrentamos hoje.

Para tanto, os especialistas da comissão recomendam o estabelecimento de uma “Convenção-Quadro das Nações Unidas para os Sistemas Alimentares” que, como as existentes para controle do tabaco e para as mudanças climáticas, restrinja a influência da indústria alimentícia na criação de políticas públicas e mobilize governos e sociedade em torno de ações por uma alimentação mais saudável, igualitária e sustentável. Além disso, eles pedem um redirecionamento das US$ 5 trilhões em subsídios dados anualmente pelos governos mundiais para os setores de combustíveis fósseis e agricultura em grande escala para atividades mais sustentáveis, entre outras ações.

- Com o poder de mercado vem o poder político, e mesmo governos dispostos lutam para implementar políticas que vão contra a pressão das indústrias – lembra Tim Lobstein, pesquisador da Federação Mundial de Obesidade, sediada em Londres, Reino Unido, e um dos integrantes da comissão EAT. - Precisamos de uma nova dinâmica de governança para quebrar a inércia política que impede a ação. Os governos precisam retomar o poder de agir no interesse das pessoas e do planeta e tratados globais ajudam que isso aconteça. Interesses comerciais escusos devem ser excluídos das mesas de negociação, e a sociedade civil deve ter uma voz mais forte na criação das políticas públicas. Sem mudanças disruptivas como essas veremos a manutenção do status quo que tem alimentado esta “sindemia global”.

https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/obesidade-desnutricao-mudancas-climaticas-sao-maiores-ameacas-saude-humana-do-planeta-afirmam-especialistas-23402220




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