Tributação da renda da indústria tabagista e planejamento tributário

03.05.19


Valor Econômico - Tathiane Piscitelli

Esta semana, a Tax Justice Network (TJN) publicou um relatório apontando que as práticas societárias adotadas nos últimos anos pela British American Tobacco, empresa que detém a Souza Cruz no Brasil e é a maior empresa de tabaco do mundo, resultam em severa redução dos tributos devidos pela empresa, em prejuízo de países de menor renda – mercado nos quais a companhia tem crescido e investido.

Segundo o estudo, cujo foco é a tributação da renda, se entre 2019 e 2030 essas mesmas práticas se mantiverem, serão US$ 700 milhões em tributos que deixarão de ser pagos, em países como Bangladesh, Indonésia, Quênia, Guiana, Brasil e Trinidad e Tobago.

O relatório divide a análise do cenário brasileiro em dois períodos distintos: 2009 e 2011 e 2007 e 2014. Não há avaliações posteriores a 2014, em razão do fechamento do capital da Souza Cruz em 2015 e, assim, da ausência de dados públicos quanto às operações societárias e de remessas de recursos para o exterior.

Conforme apurou a TJN, a Souza Cruz teria deixado de recolher US$ 79,9 milhões em tributos para o Brasil, entre 2009 e 2011, em razão de alocação (indevida, segundo o relatório alega) de lucros em sua subsidiária na ilha da Madeira (Souza Cruz Overseas S.A.), em vez que transferir esses mesmos valores para a empresa nacional.

Já a redução de tributos entre 2007 e 2014 seria decorrente de empréstimos entre a Souza Cruz e Yolanda Netherlands B.V. De acordo com a TJN, essa empresa seria uma holding utilizada apenas para a realização de operações financeiras, já que não possuía nenhum empregado. Além disso, era subsidiária de Yolanda Participações S.A. que, por sua vez, era integralmente detida pela Souza Cruz.

Os empréstimos entre Yolanda Netherlands B.V. e a Souza Cruz, entre 2007 e 2013, resultaram no pagamento de US$ 255 milhões em juros. O objetivo do empréstimo era o financiamento das operações de exportação de produtos de tabaco. A tributação reduzida se dava pelo fato de as remessas para a Holanda serem tributadas à alíquota de 15%, além de deduzidas da base de cálculo do imposto de renda e contribuição social sobre o lucro.

A alegação sobre a indedutibilidade – e eventual redução indevida da carga tributária – decorre da percepção que se tratava de um empréstimo circular: como a única fonte de recursos da Yolanda Netherlands B.V. era a participação societária de Yolanda Participações S.A., cuja detentora integral era a Souza Cruz, haveria elementos para afirmar que “a Souza Cruz estaria emprestando seu próprio dinheiro para ela mesma”, via empresa holandesa – nas palavras do relatório. A perda de receitas tributárias, nesse caso, seria de US$ 48,4 milhões.

Em contraposição a esses dados, a TJN aponta os custos decorrentes do consumo de cigarro: no Brasil, são US$ 19,7 bilhões ao ano, seja em razão de despesas públicas com saúde, seja pela perda de produtividade na força de trabalho. Além disso, em torno de 12% dos fumantes morrem ao ano, devido ao consumo de cigarros, com impacto na força de trabalho disponível e nas despesas públicas com o sistema de saúde.

O argumento central do relatório se resume em apontar que a indústria tabagista não tem logrado êxito em contribuir de forma justa com as despesas públicas, em face dos grandes danos sociais e econômicos que causa. A análise é interessante porque vai além da tributação mais onerosa do cigarro em si – providência que, comprovadamente, desestimula o consumo – e avalia a tributação da renda dessas empresas.

Por fim, a discussão se volta a um tema que já não é novo: quais os limites do planejamento tributário? Nesse caso concreto, é possível afirmar que as condutas e escolhas da British American Tobacco – única empresa cujas práticas foram avaliadas no relatório, em razão de sua importância econômica global – realizam o princípio da capacidade contributiva?

São questões em aberto, cuja solução demanda reflexão teórica consistente e alinhada com o papel do direito tributário. Ainda que não seja aceitável o uso do direito tributário para coibir atividades econômicas, o reverso é verdadeiro: a tributação e a autonomia negocial não podem ser um estímulo a atividades notoriamente danosas à sociedade e às contas públicas.

https://www.valor.com.br/legislacao/fio-da-meada/6236167/tributacao-da-renda-da-industria-tabagista-e-planejamento-tributario




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