O que a PNS aponta sobre os desafios no controle do tabagismo?

MPOWER

O Brasil é reconhecido internacionalmente pelos esforços no controle do tabaco. Nos últimos 30 anos, um conjunto de políticas públicas defendidas e conduzidas por diversos atores contribuiu para que a prevalência do tabagismo reduzisse de 34,8%, em 1989, para 12,6%, em 2019. Essas ações, coordenadas pela Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq), têm se norteado no pacote de medidas proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS), organizadas nos eixos MPOWER (em inglês, Monitor, Protect, Offer, Warn, Enforce, Raise):

M : Monitoramento por meio de sistemas de vigilância e pesquisas;

P : Proteção à saúde das pessoas, especialmente relativa às questões de ambientes livres da fumaça e tabagismo passivo;

O : Oferta de tratamento para deixar de fumar;

W : Alerta à população quanto aos prejuízos à saúde, em especial por meio das advertências sanitárias;

E : Cumprimento das normas relativas à promoção e propaganda de produtos de tabaco;

R : Aumento de preços e impostos de produtos de tabaco.

As principais pesquisas que apoiam os pesquisadores e tomadores de decisão sobre as políticas de tabagismo são o Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco para doenças crônicas não transmissíveis por inquérito telefônico), que é anual, a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense/IBGE) e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada com frequência menor. Lançada no ano passado com dados de 2019, seis anos depois da edição anterior, a pesquisa populacional PNS sugere melhoria em alguns indicadores, conforme avalia o pesquisador do Instituto Nacional de Câncer, André Szklo. 

Veja alguns destaques da análise do membro da Divisão de Pesquisa Populacional do Inca.

Prevalência de tabagismo ao longo do tempo

Os números da Vigitel indicam que o aumento de impostos entre 2012 e 2017 reduziu o percentual de fumantes no Brasil neste período. No entanto, a partir de 2016 – quando a política deixou de ser atualizada – ­­, o cigarro legal ficou mais acessível, o que foi seguido de uma estabilidade no índice de prevalência do tabagismo até 2018. No ano seguinte, o Vigitel acenou para um alerta: um aumento de meio ponto no percentual de fumantes entre 2018 e 2019, passando de 9,3% para 9,8%. Partindo-se de uma projeção feita pela OMS, o Brasil está aquém da estimativa de redução desse indicador.

Diferente da Vigitel, que entrevistou apenas brasileiros com 18 anos ou mais, a PNS 2019 incluiu pessoas de 15 anos de idade ou mais. De acordo com a pesquisa, o país tinha 20,5 milhões de fumantes, equivalente a 12,2% da população desse grupo etário. Entre 2013 e 2019, a prevalência de fumantes na população de 18 a 24 anos de idade permaneceu estável, assim como indica o Vigitel. 

No entanto, a Pesquisa Nacional do Escolar entre 2012 e 2015 sinalizou que a proporção de fumantes de cigarros entre escolares de 13 e 15 anos de idade aumentou de 5,1% para 5,6%. Uma das hipóteses para esse achado seria a baixa efetividade da implementação da lei que proíbe venda de tabaco a menores de idade. Em relação aos fumantes jovens (18-24 anos) em comparação com a população de fumantes em geral, os dados mostram que a proporção de usuários de cigarro industrializado caiu ao longo do tempo, ao passo que, aparentemente, o consumo de cigarro de palha aumentou.

Fumantes estão tentando parar de fumar menos que nos anos anteriores

Os dados da PNS mostram que o indicador “tentativa de parar de fumar” caiu entre 2013 e 2019, o que significa que o fumante está deixando de tentar abandonar o tabagismo. Essa queda foi mais forte, do ponto de vista estatístico, entre as mulheres de baixa escolaridade. Os dados do período de 2008 e 2013 registaram uma tendência diferente, com aumento das tentativas, independentemente da faixa etária, escolaridade e gênero. Isso se confirmaria com a queda do percentual de ex-fumantes entre 2013 e 2019 e o aumento da iniciação.  A PNS sugere que as mulheres teriam mais dificuldade em parar de fumar que os homens, considerando a percepção do seu estado de saúde, percepção de depressão e sedentarismo.

Em relação à abordagem médica, mesmo após a recomendação da Associação Médica Brasileira em 2018 para que os profissionais perguntassem e orientassem os pacientes, os indicadores não mostraram muita alteração entre 2013 e 2019: perguntou-se mais, porém aconselha-se menos. Em termos absolutos, cerca de 10 milhões de brasileiros fumantes que visitaram médicos para consultas regulares não foram aconselhados a deixar de fumar.

Os dados permitem análises sobre uma taxa de cessação e, com base nisso, identificou-se que 21% dos fumantes tentaram parar de fumar usando algum recurso e 79% sem nenhum. A taxa de cessação é menor do que entre os que não lançaram mão de apoio. O índice também é maior entre quem usou abordagem cognitivo comportamental do que entre quem usa apenas medicamento ou até mesmo aconselhamento e medicamento. Essa taxa é muito semelhante à de quem não usou suporte nenhum. 

Tabagismo passivo

Entre não fumantes, a exposição passiva no trabalho foi de 8,4% em 2019, 5 pontos percentuais a menos que em 2013, evidenciando o sucesso da regulamentação trazida em 2014 da lei que dispõe sobre ambientes livres de tabaco. Entre os fumantes, também houve redução da exposição passiva em ambientes de trabalho. Mesmo assim, cabe destacar que, a perspectiva é que esse índice seja zero, uma vez que é proibido fumar em ambientes total ou parcialmente fechados.

Propaganda

Tanto entre não fumantes quanto entre fumantes, houve uma queda de percepção de propaganda no ponto de venda, sugerindo um efeito da Lei Antifumo (Lei 12.546 de 2011) e a regulamentação sobre esse assunto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em 2018. No entanto, essa percepção é maior entre os mais jovens, reforçando que esse tipo de influência ainda existe e é mais direcionada a esse público. Além disso, caiu o percentual de fumantes que disseram que as advertências sanitárias os levaram a pensar em deixar de fumar, passando de 52,7% para 45,2%, entre 2013 e 2019.

Mercado ilegal

A PNS identificou que 34,7% dos fumantes com mais de 18 anos de idade consumiram cigarros de marca classificada como ilegal, semelhante à estimativa de mercado ilegal no Brasil, que é 39%.  Estados brasileiros que fazem fronteira com o Paraguai apresentam uma proporção mais elevada de consumo de cigarros ilegais, como é o caso do Paraná (63%), Rio Grande do Sul (27%) e Mato Grosso do Sul (74%). Quando se amplia a faixa etária, incluindo fumantes de 15 a 17 anos, essa proporção de consumo de cigarros ilegais aumenta para 66%.

Com base nas informações, percebe-se que quando a acessibilidade aumenta no país a partir de 2016, o consumo de cigarros ilegais começa a cair, chegando aos 39% em 2019. O dado disseminado pela indústria do tabaco é baseado em metodologia desconhecida e tem uma diferença muito grande entre os dados oficiais, mas pressionam a política de preços impostos. O preço real já está caindo desde 2017 e a indústria está utilizando esses dados para pressionar o governo.

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