Renata Munhoz
A entrevistada deste mês da coluna Perfil é a professora de Direito Civil e Empresarial da Faculdade de Direito Mackenzie, Renata Munhoz. Em fevereiro deste ano, defendeu a tese de doutorado intitulada “Cidadania e Dirigismo Estatal. O Paradigma do Tabaco” aprovada com louvor e distinção. Renata é doutora e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, coordenadora do grupo de estudo Direito e Tabaco, além de membro efetivo da Comissão de Assistência à Saúde da OAB/SP.
Na entrevista, a professora conta como surgiu o interesse pelo tema do tabaco, comenta quais os caminhos a saúde pública pode adotar para minimizar a interferência da indústria e judicialização das políticas e fala do grupo que está criando para tratar deste tema na faculdade. Para ler a entrevista na íntegra e conhecer mais sobre sua tese de doutorado, acesse: http://actbr.org.br/uploads/conteudo/939_Entrevista_ACT_completa.pdf
ACT: Como e quando surgiu o interesse pelo tema do tabagismo?
Em 2007, quando fundei como professora o grupo de estudo “Princípios de Direito Contratual”, na Faculdade de Direito Mackenzie, um dos temas abordados já era a responsabilidade civil decorrente do tabagismo. Tratava-se de um grupo que se valia de estudos doutrinários e jurisprudenciais a respeito de novos temas de direito privado, ainda não enfrentados na sua integralidade e importância pelo direito. No entanto, naquela época, ao analisarmos os casos julgados pelos Tribunais Brasileiros, constatamos que os argumentos trazidos pelos fumantes não eram acolhidos, prevalecendo a posição da indústria. Desde então, munida de um inconformismo, passei a me debruçar mais sobre o tema. Comecei o doutorado em 2010, apresentando um projeto de pesquisa voltado à questão do tabagismo como grave problema de saúde pública, responsável pela morte de milhões de pessoas no mundo.
Nesse projeto inicial, a novidade da abordagem não estava em reconhecer que o consumo de cigarro e a fumaça decorrente de seu uso causavam danos à saúde, o que já vinha sendo objeto de discussão e estudos pela área médica e de saúde pública mundial, mas sim reconhecer que o direito poderia servir de instrumento para atenuar as consequências da utilização do tabaco, responsabilizando a indústria fumígena pelos danos causados aos consumidores de seu produto.
Como você vê a interferência da indústria do tabaco nas questões que envolvem o direito fundamental à saúde do cidadão?
Para justificar a não adoção de medidas restritivas ao uso do cigarro, a indústria criou um mito de que o tabaco gera riquezas e vive desse mito. Embora o tabaco tenha papel de destaque na economia brasileira, já que o país é um dos maiores produtores e exportadores do produto e é um produto altamente tributado, há um grande equívoco nessa consideração – o tabaco não se constitui em fonte de riqueza para o ser humano, pelo contrário, seus custos para a saúde das pessoas são desastrosos e os custos para o Estado são reais.
Na tese de doutorado, abordei outras estratégias usadas pela indústria durante o século XX, como as conclusões apresentadas na obra “Merchants of Doubt – How a Handful of Scientists Obscured the Truth on Issues from Tobacco Smoke to Global Warming”, que demonstra que o objetivo da indústria do cigarro era patrocinar pesquisas científicas a seu favor para lançar a dúvida na ligação tabaco-câncer.
A liberdade de escolha da indústria do tabaco é bem sintetizada pelo cientista Robert Proctor, da Universidade de Stanford, na Califórnia, quando defende que seria errado colocar ênfase demais no conhecimento ou na sua ausência. A soberania do consumidor tão frequentemente santificada pelos economistas coloca toda a responsabilidade pela morte – ou o abandono do tabaco – na escolha do consumidor, dando a indústria um passe livre. Nós temos a tendência de esquecer que os fabricantes de cigarro também têm escolhas, que são as de manter a nicotina no tabaco fomentando o vício, tirando os fumantes a sua capacidade de fazer uma livre escolha.
Qual o caminho para a saúde pública avançar nos temas que envolvem a judicialização das políticas de controle do tabaco?
Como a informação é o pressuposto da escolha livre e consciente do consumidor, não basta informar, é preciso informar claramente, informar todas as características do produto e os efeitos decorrentes do consumo, bem como, ao informar, passar a confiança de que a informação corresponde à veracidade, ou seja, passar credibilidade. Isso é o que eu chamo de “tripé informacional”.
Para que a saúde pública possa avançar nesse tema há a necessidade de conscientização da população, em todas as esferas, pelo Executivo, pelo Legislativo, pelo Judiciário, mas também pelo próprio fabricante e pela sociedade civil. Essa conscientização deve passar pela ideia de que o consumo de tabaco é um assunto que exige conhecimento específico e que não pode prevalecer o “senso comum” ou a mera crença de que “faz mal à saúde” e de que se trata de um assunto que todos nós já conhecemos! Gosto muito da frase de Robert Proctor, que diz: “A ignorância é a semente, a morte é a colheita”. Não deixemos mais que essa semente seja plantada pela indústria de cigarros!
Quais os objetivos do grupo de estudo que está sendo criado no Mackenzie para tratar do tema e quem pode participar?
O objetivo é promover pesquisas e debates no campo do Direito Político e Econômico e disciplinas afins, numa proposta de reflexão crítica a respeito dos instrumentos políticos e jurídicos de controle do tabagismo e dos direitos fundamentais dos cidadãos. A ideia é alcançar como resultado a publicação e concretização das pesquisas realizadas, seja sob a forma de artigos científicos, seja sob a forma de monografias ou livros, de forma interdisciplinar, estabelecendo parcerias com outras unidades da Mackenzie, além da organização de seminários e simpósios sobre o tema.
Podem participar alunos da Faculdade de Direito do Mackenzie, que estejam, no mínimo, no 4º semestre do curso, até alunos de 9ª etapa, ou seja, último ano. Além desses alunos, poderão participar alunos de outras unidades do Mackenzie, como alunos da área da psicologia e saúde. A Universidade é o espaço ideal para o crescimento das discussões e projetos a respeito de assuntos, que, como o tabagismo, demandam uma atuação conjunta da sociedade civil e do Estado.
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