Boletim • Edição nº 106 • Outubro de 2014
ACTBR
 
EDITORIAL

Entre os dias 13 e 18 de outubro foi realizada a sexta Conferência das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, em Moscou, Rússia. Na pauta, além de questões substantivas como a aprovação de diretrizes para o artigo 6 (aumento de preços e impostos), encaminhamentos para o artigo 19 (responsabilidade civil da indústria), vários temas relativos a mecanismos para assistir os países Partes da CQCT foram acordados e discutidos. Dentre eles, algumas propostas para otimizar os relatórios de progresso da implementação, que devem ser submetidos regularmente ao secretariado da COP, de forma em que seja possível auxiliar os países na identificação de obstáculos à implementação, bem como a criação de mecanismos para ultrapassá-los. Por exemplo, muitos países partes expressaram dificuldades na implementação das medidas do tratado em função da interferência da indústria do tabaco, seja em nível nacional, seja em nível internacional, inclusive através de medidas judiciais. Por isso, foi aprovada uma sugestão da Tailândia para apoiar os países na implementação do artigo 5.3 (referente à interferência da indústria).

Como de costume nas últimas COPs, a presença dos representantes da indústria do tabaco, em especial os ligados aos produtores, se fizeram presentes com uma grande “delegação”. Passaram o período todo da negociação demandando reuniões com a delegação brasileira e aproveitando a oportunidade para fazer palanque na região produtora, deixando a entender que, caso eles não estivessem presentes, uma tragédia aconteceria e alguma medida arbitrária poderia ser adotada que proibiria a produção. Ora, se o tratado sequer cogita proibir o consumo, não faria sentido algum proibir a produção, mas o fato é que o discurso inverídico cumpre sua função política na região fumageira.

Há tempos a ACT monitora eventos promovidos pela indústria do tabaco, dos mais diversos portes e temas, e vemos que através deles há uma forma de burlar a legislação, que não permite patrocínios de qualquer tipo de evento por empresas de cigarro. A Folha de S. Paulo publicou uma matéria que mostra que festas universitárias são promovidas constantemente, com patrocínio das fabricantes. A denúncia levou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária a pedir abertura de investigação. Esperamos que isso seja levado adiante e pedimos que quem tiver denúncias sobre esse tipo de evento, nos avise ou encaminhe para a Anvisa ou às Vigilâncias Sanitárias de suas cidades. Essas atividades são ilegais e podemos, juntos, impedi-las. As reportagens estão disponíveis na seção de Notícias desse boletim.

Aproveitamos e, na mesma seção, disponibilizamos entrevista que o diretor da Anvisa, Dirceu Barbano, deu à Folha de S. Paulo. Ele, que deixa o cargo após seis anos, mostra como forças externas à Anvisa impediram que medidas claramente baseadas em evidências científicas fossem postas em prática, como é o caso da proibição dos aditivos nos cigarros. Esperamos que seu cargo seja ocupado por alguém de perfil técnico, que possa continuar o trabalho meritório que ele desenvolveu.

Na seção ACT Legal, o resultado do Grupo de Trabalho da Anvisa sobre os aditivos, que recomendou a proibição das substâncias.

Boa leitura!
 
 
PERFIL

Letícia Casado, coordenadora da Biblioteca Virtual em Saúde Prevenção e Controle de Câncer.

Um grande repositório de conhecimento sobre câncer e seus fatores de risco, diagnóstico e tratamento, com material técnico-científico da melhor qualidade, com acesso gratuito.

Assim pode ser definida a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) Prevenção e Controle do Câncer, coordenada pela pedagoga e sanitarista Letícia Casado, Mestre em Neurociências e Doutoranda em Oncologia. Nesta entrevista, Letícia explica o objetivo de uma biblioteca virtual, seus números de acesso, documentos a expectativa para o futuro.

ACT: O que é uma Biblioteca Virtual?

Letícia Casado: É um tipo de biblioteca disponível na Internet que compila e organiza informações relacionadas a um tema, de forma referencial, bibliográfica e/ou em texto completo. A BVS é um modelo de gestão do fluxo de informação e conhecimento em saúde. A nossa é coordenada e promovida pelo Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME/OPAS/OMS), tendo o Instituto Nacional do Câncer (Inca) como secretaria executiva.

ACT: Quais são os principais objetivos da BVS?
LC: O principal objetivo é que a BVS reúna material técnico-científico de qualidade, dentro dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), e disponibilize conhecimento de forma gratuita. Nela, o usuário pode encontrar todas as áreas de conhecimento, não apenas da Medicina, mas também de outras áreas de saúde. Entre os materiais que disponibilizamos, estão dissertações e teses, publicações, artigos científicos, pôsteres e apresentações, memória técnica, catálogo de sites e material multimídia.

ACT: Como nasceu o projeto da BVS?

LC: Este projeto nasceu a partir das experiências e conteúdos já desenvolvidos na área temática Controle de Câncer da BVS do Ministério da Saúde do Brasil, na BVS Oncologia do Uruguai e alinhado aos objetivos de um Termo de Cooperação entre o Inca e a Opas. Buscamos o fortalecimento das iniciativas nacionais já existentes e a gestão da informação.

Pensamos que, com o portal BVS, podemos facilitar o acesso à informação de qualidade na área, e que ele possa ser um espaço estratégico de discussão e aprimoramento para os profissionais e interessados no tema. As fontes de informação disponibilizadas na BVS Prevenção e Controle de Câncer dão subsídio aos gestores e profissionais da saúde nos processos de tomada de decisão, no processo de capacitação e na formulação de políticas públicas.

ACT: Como você avalia a importância da BVS?

LC: Uma Biblioteca Virtual em prevenção e controle de câncer representa um modelo de cooperação técnica, pois está comprometida em promover de forma descentralizada a produção e operação de informações nesta área. Além disso, ela efetiva a expansão de informações disponíveis em texto completo e o desenvolvimento de novas propostas de parceria, além de fortalecer a criação de redes para a gestão da informação geradas na área de Prevenção e Controle de Câncer.

A BVS também possibilita a convergência da literatura cientifica favorecendo difusão do conhecimento científico, ao adotar uma abordagem multidisciplinar entre as áreas afins, fortalecendo o compromisso social com a comunidade cientifica ao permitir o acesso integral, universal e gratuito de todo o conhecimento gerado em suas bases de dados.

ACT: Como é a atuação na área de prevenção e fatores do risco?

LC: Na BVS, trabalhamos com os principais fatores de risco de câncer e outras doenças crônicas não transmissíveis. No caso do tabagismo, principal fator de risco, ainda disponibilizamos links para o portal Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco, desenvolvido pela Comissão Nacional de Implementação da Convenção Quadro (Conicq), e informações produzidas pela Coordenação de Controle do Tabagismo do Inca. Ambos trabalham com o tema tabagismo há anos e têm uma larga experiência não só nos riscos à saúde, mas também em várias outras áreas relacionadas, como marketing, vendas, economia e legislação sobre tabagismo, que subsidiam ações de controle. Queremos expandir essa experiência para os demais fatores de risco de risco do câncer, como por exemplo a alimentação, e vamos seguir o histórico bem sucedido do tabagismo.

ACT: Como vocês avaliam a busca por informações através da BVS?

LC: Vemos um aumento crescente de interesse e busca de informações, desde que a BVS entrou no ar, há quase dois anos. Até setembro, tivemos quase 32 mil visitas ao portal, de pessoas de 54 países. Acho que a tendência é haver um aumento contínuo de procura por informações qualificadas, tanto da parte de profissionais de saúde quanto para o público leigo.

ACT: E como vocês fazem a informação científica ficar acessível ao público leigo?

LC: Queremos disponibilizar uma parte da BVS para o público leigo, incluindo nela não somente materiais com a linguagem de um artigo científico, mas também textos de fácil leitura para quem não tem a formação científica.

Pensamos em começar com dicas sobre saúde. No nosso Facebook, que tem mais de 1.100 seguidores, apresentamos informações com a linguagem mais facilitada, correta, para esclarecer dúvidas da população em geral.

 
ACT EM AÇÃO

I Congresso Mundial de Tabagismo e Doenças Não Transmissíveis

A coordenadora de Relações Institucionais da ACT, Daniela Guedes, participa de evento promovido no Panamá, em 17 e 18 de novembro. Ela vai fazer uma apresentação sobre a experiência do Brasil no painel sobre controle do tabagismo sob a perspectiva das organizações da sociedade civil.

Daniela também vai participar, dia 11, de evento organizado pela secretaria de saúde do estado do Rio de Janeiro. Ela irá fazer uma apresentação sobre tabagismo em geral e a legislação atual, entre outros temas.



balaoCurso ensina como promover políticas públicas

A ACT+, em parceria com a Diálogo Social, promove curso sobre Advocacy e Políticas Públicas em 18 de novembro, em São Paulo.

Trata-se de um tema de interesse para organizações do terceiro setor, pesquisadores, ativistas e profissionais que atuam na área social e que visam provocar mudanças na sociedade a partir de políticas públicas nas áreas da saúde, meio ambiente, direitos humanos, crianças e adolescentes, educação, direito do consumidor, trabalho, entre outras.

O curso será ministrado pela psicóloga Mônica Andreis, a jornalista Anna Monteiro e a advogada Adriana Carvalho, respectivamente vice-diretora, diretora de comunicação e coordenadora jurídica da ACT.

Os interessados podem fazer as inscrições pelo site http://www.dialogosocial.com.br/advocacy-s351-1.html#.VEVEpUstX9A

 
 
NOTÍCIAS

ANVISA VAI INVESTIGAR PROPAGANDA DE CIGARRO EM FESTAS UNIVERSITÁRIAS
Agência Brasil, 22/10/2014
A Anvisa vai instaurar procedimento investigativo sobre denúncias de que promotores de eventos e fabricantes de cigarro estão realizando atividade promocional de produtos derivados do tabaco.
http://www.actbr.org.br/comunicacao/noticias-conteudo.asp?cod=2559

FESTAS UNIVERSITÁRIAS FAZEM PUBLICIDADE DE CIGARRO EM SP
Folha de S. Paulo, 19/10/2014
Festas universitárias fazem publicidade de cigarro em SP e pagam até R$ 10 mil. Philip Morris confirma patrocínio a evento; Souza Cruz diz que não faz propagandas do tipo desde o ano 2000.
http://www.actbr.org.br/comunicacao/noticias-conteudo.asp?cod=2547

OMS PEDE MEDIDAS MAIS RESTRITIVAS CONTRA O TABACO
O Globo, 21/10/2014
Reunião da Convenção-Quadro termina com documento que prevê maior taxação e controle da venda de cigarro, além da regulação de cigarro eletrônico e narguilé.
http://www.actbr.org.br/comunicacao/noticias-conteudo.asp?cod=2554

TENTATIVA DO CONGRESSO DE LIBERAR EMAGRECEDOR NÃO ATINGIU A ANVISA
Folha de S. Paulo, 18/10/2014
De saída da Anvisa, Dirceu Barbano, 48, avalia que a tentativa de parlamentares de suspender o veto a emagrecedores e as ações da indústria tabagista contra o veto aos aditivos que dão sabor ao cigarro geraram um "aprendizado”. http://www.actbr.org.br/comunicacao/noticias-conteudo.asp?cod=2557

 
 
 

ACT LEGAL

Aditivos nos cigarros – relatório do grupo de trabalho (GT) da ANVISA

A ACT obteve cópia1 do relatório do grupo de trabalho que avaliou os aditivos específicos que a Associação Brasileira de Fumo (ABIFUMO) requereu que fossem liberados na composição de produtos de tabaco. O relatório concluiu pela não liberação dos mesmos, o que foi acolhido pela Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), revogando-se a Instrução Normativa 6/20132.

Este requerimento da Abifumo deu-se em virtude da Resolução 14/2012, da ANVISA – RDC 14/12, que proibiu o uso de aditivos em produtos fumígenos derivados do tabaco, como substâncias sintéticas e naturais, com propriedades flavorizantes ou aromatizantes que possam intensificar, modificar ou realçar sabor ou aroma do produto; aditivos com propriedades nutricionais, como vitaminas; e amônia e todos os seus compostos e derivados.

O requerimento da Abifumo era para a liberação de 180 substâncias, como a amônia. Em resposta, a Anvisa decidiu pela liberação de 121 dessas substâncias em caráter excepcional pelo prazo de 12 meses, por meio da Instrução Normativa 6/2013, e pela formação de um grupo de trabalho (GT) para análise destas substâncias. Este GT foi formado por 8 membros, com um colaborador da própria agência.

As principais conclusões do relatório são:

1. A segurança do uso de aditivos em produtos de tabaco não é a mesma de quando se trata de alimentos. É a forma que a substância é consumida e não ela mesma que deve ser levada em conta na avaliação de segurança.

2. Os estudos apresentados pela indústria falham por não comprovar suas conclusões de não toxicidade dos aditivos de tabaco.

3. Os membros do GT não conseguiram aferir, na documentação da indústria, que os aditivos não contribuem para a dependência de produtos do tabaco.

4. Para aferir o impacto dos aditivos na saúde, deve-se levar em conta o critério de atratividade, além do critério da toxicidade e do poder de dependência dos mesmos.

5. Estudos apresentados pela própria indústria demonstram que aditivos melhoram o gosto, reduzem a irritação e incrementam a experiência sensorial de produtos de tabaco para aumentar sua atratividade. O GT conclui que há ampla evidência para justificar a proibição do uso de aditivos, pelo comprovado aumento da atratividade nos produtos de tabaco.

6. O GT conclui que a implementação integral da RDC 14/2012 tem potencial significativo de reduzir o consumo de tabaco, e consequentemente de doenças e mortes tabaco-relacionadas.

7. O GT recomenda que o açúcar seja incluído na RDC 14. Há suficientes evidências científicas que o açúcar aumenta a atratividade de produtos de tabaco, o que está comprovado também por documentos da Abifumo. Além disso, quando em combustão, o açúcar produz aldeídos, como o formaldeído, que é identificado pela Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC) como cancerígeno Classe 1A.

Com previsão para entrar em vigor em setembro de 2013, a RDC 14/12 foi suspensa por uma liminar concedida naquele mesmo mês pela Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, em ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional da Indústria (ADI 4874). Aguarda-se o julgamento desta ação. Assim, mesmo com excelente relatório do GT e com a revogação da IN 6/2013, a indústria do tabaco não está obrigada a cumprir a RDC 14/12, por conta da referida liminar.

A ACT parabeniza os membros do GT pelo relatório, assim como a Diretoria e o corpo técnico da Anvisa, pela manutenção integral da RDC 14/12, e espera ansiosamente que os ministros e ministras do STF julguem a ADI 4874 improcedente, e o mais breve possível.

¹ Por meio da lei de acesso à informação. A versão disponibilizada está em inglês, e a ANVISA informou que em breve disponibilizará a versão em português. Para acesso ao relatório: http://www.acessoainformacao.gov.br/sistema/site/index.html

² http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=27/08/2013&jornal=1&pagina=81&totalArquivos=128

 
Lei federal antifumo a caminho da implementação

A lei 12.546, que altera a lei 9.294/96, foi aprovada em dezembro de 2011 e regulamentada somente em abril de 2014, pelo Decreto 8.262.

A norma, que entrará em vigor em dezembro de 2014, cento e oitenta dias após a publicação no Diário Oficial da União, estabelece a proibição da propaganda comercial de produtos fumígenos, derivados ou não de tabaco, com exceção da exposição dos maços nos pontos de venda, além do aumento de tributos até 2015, aumento de 30% das advertências sanitárias nos maços a partir de janeiro de 2016 e o fim dos fumódromos.

 
 
actbr.org.br

Desenvolvimento: FW2 Agência Digital