VERA LUIZA DA COSTA E SILVA, CHEFE DO SECRETARIADO DA CONVENÇÃO QUADRO PARA O CONTROLE DO TABACO DA OMS
A entrevista que inaugura o Boletim é com a nova chefe do Secretariado da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde, Vera Luiza da Costa e Silva.
Coordenadora do Centro de Estudos de Tabaco e Saúde (Cetab) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), a epidemiologista foi diretora da Iniciativa Livre de Tabaco, da OMS, e chefe da equipe responsável pela implantação do programa nacional de controle do tabagismo, reconhecido internacionalmente por seu sucesso.
ACT - O que foi preciso para concorrer à vaga? De quem a sra. recebeu apoio, no Brasil e internacionalmente?
Vera Luiza da Costa e Silva: No site da OMS, estavam os pré-requisitos e o tipo de atividades que a pessoa deve desenvolver. Submeti meu currículo como uma história pessoal bastante detalhada e precisava de várias referências. Ressaltei minha experiência na área e também dentro da própria Organização Mundial da Saúde, mostrando que tinha muita familiaridade com o sistema das Nações Unidas.
Recebi referências do Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que escreveu uma carta de apoio, do Secretário Nacional de Vigilância à Saúde, Jarbas Barbosa, e do ex-Ministro José Serra. Outras referências no Brasil foram do embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa e do Ministro da Defesa Celso Amorim, com quem trabalhei no meu período à frente da Tobacco Free Initiative.
Também recebi apoio internacional, da Ministra da Saúde do Equador, Carina Vance, dos ex-presidentes das Conferência das Partes, Hatai Chitanondh, da Tailândia, e Juan Martabit, do Chile.
Acho que tive muitos simpatizantes à minha candidatura, mas a gente entra num processo seletivo muito complexo e difícil. Este cargo é escolhido pelo bureau, formado pelos representantes das seis regiões da OMS, e mais dois representantes da diretoria geral da organização. Passei por uma pré-seleção e fui entrevistada junto com os outros cinco concorrentes finalistas.
ACT- Qual é o principal ponto deste novo trabalho?
VLCS: O secretariado é um órgão que tem suas funções definidas nos procedimentos adotados na primeira Conferência das Partes, ocorrida em 2006, e aprovados por 113 países.
A função é apoiar os países na implementação do tratado, apoiar a Conferência das Partes em seu processo decisório, preparar a documentação e ajudar na implementação dos protocolos.
ACT - Globalmente, como está a situação dos países em relação ao tabaco? No começo do mês, artigo do Journal of the American Medical Association (JAMA) mostrou que são quase 1 bilhão de fumantes no mundo.
VLCS: Exato, em números absolutos continua muito alto. Recentemente, o New England Journal of Medicine publicou um artigo do dr. Prabaht Jha mostrando que, no padrão atual de tabagismo, com a média de 50% dos homens jovens e 10% das mulheres se tornando fumantes, e poucos fumantes parando de fumar, a previsão de mortes em consequência do fumo sobe dos cinco milhões de 2010 para mais de 10 milhões em poucas décadas. Segundo ele, esse fato se dá pelo próprio crescimento da população e porque, em algumas culturas, as gerações seguintes também estão fumando. Ou seja, não está havendo cessação.
Dois terços dos fumantes vivem em países como China, Índia, União Europeia, Indonésia, Estados Unidos, Rússia, Japão, Brasil, Bangladesh e Paquistão. Uma forma de ver o sucesso de políticas de controle do tabaco é a razão entre ex-fumantes e fumantes atuais na meia idade. Nos Estados Unidos e na Europa, atualmente há mais ex-fumantes do que fumantes, entre 45 e 64 anos. Já nos países de baixa e média rendas, há muito menos ex-fumantes do que fumantes. A exceção notável, o dr. Prabaht ressalta, é o Brasil.
A cessação e as medidas previstas na Convenção-Quadro são fundamentais para reverter esse quadro.
Acho que nós temos grandes desafios de reverter a epidemia do tabagismo. Há ainda o fato de ter países, como a Índia, que é grande produtor de tabaco, ou a China, que é grande produtor e monopólio estatal, fazendo que se mantenha em um padrão econômico que deve ser perseguido. Um terço dos fumantes do mundo estão na China. Você tem que ter uma política de controle do tabagismo que tenha um firewall, um paredão separando a saúde do monopólio estatal do tabaco.
Eu acho extremamente importante ter uma plataforma de discussão entre os setores de economia e de saúde dos países. Atualmente não se tem o setor saúde discutindo as políticas econômicas, de tabaco.
ACT: Nem aqui no Brasil?
VLCS: Nem aqui. Temos um trabalho sendo realizado pela CONICQ (Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro), mas ainda com muitos entraves. Os Ministérios da Agricultora e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, por exemplo, apesar de fazerem parte da CONICQ, ainda têm uma visão das políticas de controle do tabagismo distantes da saúde, como se elas fossem contrárias às políticas econômicas, contrárias às políticas desses ministérios. Na verdade, deveriam se articular de forma que os plantadores de fumo tenham seus direitos preservados, sejam respeitados, mas ao mesmo tempo não se posicione de forma cega ao que está acontecendo, que é a redução de consumo.
Há uma tendência mundial de redução e a demanda por tabaco vai diminuir. Tem de haver uma política de governo pensando nessa situação a médio e longo prazo. Os governos não podem se furtar.
ACT: A área plantada vem crescendo no Brasil, não?
VLCS: A área plantada vem crescendo e o consumo caindo, porque o tabaco é para exportação. Aí tem um engodo muito grande. Existe uma tendência de se vender para os plantadores um cenário no qual a política de controle do tabagismo gera problemas para o trabalho deles, quando na verdade o que gera problemas é a balança comercial internacional de produção do fumo. A grande demanda do fumo brasileiro é externo. Japão e União Europeia são os grandes compradores de fumo brasileiro.
ACT: Muitas medidas da CQCT mostraram-se eficazes porém não foram adotadas integralmente pelos países parte. Após 9 anos de vigência do tratado, o que considera que deva ser feito para estimular/cobrar sua plena implementação?
VLCS: Acho que a implementação do tratado está avançando nos países. Sempre podemos promover buscando financiamento. Ainda existe, em vários países, pouca informação sobre a implementação do tratado. Em muitos países, a sociedade civil ainda está engatinhando nesse processo. Ela tem se desenvolvido muito, especialmente com o financiamento feito pelas grandes filantropias, mas em alguns países ainda é fraca.
Há também pouca informação sobre como a redução do consumo impacta na economia. Há muitos países produtores, o comércio internacional do tabaco é muito grande. As multinacionais do tabaco influenciam demais esse processo. Existe muito lobby da indústria contra o controle do tabagismo.
Eu diria que, atualmente, é preciso haver um esforço muito grande para que os países ratifiquem o Protocolo sobre Comércio Ilícito.
ACT: O Protocolo sobre comércio ilícito não foi assinado pelo Brasil, e pouco se fez sobre as alternativas à fumicultura no país. A lei 12.546/11 não foi regulamentada e a proibição dos aditivos aguarda julgamento do STF. Acredita que sua nomeação possa ajudar nessas questões?
VLCS: Apenas um país assinou o Protocolo sobre sobre comércio ilícito. Parece que o processo brasileiro para assinar está a caminho.
Espero que a minha nomeação influencie o Brasil positivamente. Quando o Itamaraty vem a público divulgar a minha nomeação e o apoio do governo brasileiro a ela, espero que o governo brasileiro assine o quanto antes o protocolo do comércio ilícito, como um país de vanguarda nessa área.
Tudo que estiver ao meu alcance, do ponto de vista de apoiar o governo brasileiro, certamente terei todo o interesse em fazer. Vou estar sempre às ordens. E também a sociedade civil, sem ela não se avança. Temos que trabalhar em conjunto, de forma articulada. A missão é oferecer ao brasileiro mais saúde. O mais importante para os brasileiros que estão envelhecendo é ter acesso à informação sobre fatores de risco para poder fazer escolhas mais informados. E para as crianças e adolescentes, o fundamental é não serem bombardeados por propagandas enganosas.
ACT: E quais são os grandes desafios que a sra. enxerga?
VLCS: A questão da pobreza é preocupante. As medidas de controle, aqui no Brasil, não estão atingindo a população de baixa renda, que é fragilizada por outros problemas de saúde. Pesquisa recente do Cetab/Fiocruz com a Universidade Federal Fluminense e a ACT mostrou que a população pobre percebe menos a advertência nos maços de cigarro e as peças de campanha, fuma mais e morre mais de doenças tabaco-relacionadas. O pobre é perversamente afetado por fatores de risco. É mais afetado pela obesidade, é mais afetado pela propaganda de consumo de refrigerantes e álcool.
Sou partidária da proibição total de propaganda de álcool. Acho que temos que nos engajar num processo cada vez maior, e acho que o Ministério da Saúde está fazendo isso, de insistir num mercado mais regulado para a promoção de comidas para criança, da publicidade enganosa, de fast food com brinquedinhos, o que estimula de forma bárbara a criança a querer aquilo.
ACT: O enfrentamento ao álcool e à alimentação estão na declaração das Nações Unidas sobre doenças crônicas não transmissíveis, as DCNTs. Como a sra. vê essa questão?
VLCS: Entrei para esse cargo num momento em que o mundo está cada vez mais informado e tendo um maior conhecimento sobre as DCNTs, de forma estruturada, discutindo a busca de recursos para implementar programas para o enfrentamento dessas doenças.
Como chefe do secretariado, espero dar contribuição não só de apoiar o trabalho de outras áreas, mas também de organizar toda a experiência que se tem de controle do tabagismo para os outros programas de fatores de risco. |