Boletim • Edição nº 99 • Março de 2014
ACTBR
 
EDITORIAL

Iniciamos o ano de 2014 com muitos desafios no Brasil. Carnaval, Copa do Mundo e eleições vão dominar o cenário social e político no país. Mas não deveriam ofuscar ou se sobrepor às necessidades prementes e anseios da população. Do ponto de vista da sociedade civil, muitas expectativas continuam frustradas e sem pleno reconhecimento pelo poder público.

No caso do controle do tabaco, permanecemos à espera da regulamentação da lei federal 12.546/2011, e da proibição dos aditivos tal como previsto na Resolução da Diretoria Colegiada  14/2012, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, para falar apenas nas mais evidentes, pois muitas medidas ainda podem e devem ser implementadas. A interferência da indústria do tabaco continua intensa e atinge os Poderes  Executivo, Legislativo e Judiciário.

Nesta última semana, uma pequena nota no jornal ilustra que os representantes de indústrias poderosas não perdem tempo em buscar apoio a seus interesses junto a políticos influentes no país (ver Notícias – Setores Polêmicos). E estes parecem não se constranger em aceitar tais investidas, chegando a recebê-los em sua própria casa para um jantar.

Mais do que nunca o Brasil precisa de pessoas e organizações que desenvolvam um trabalho sério, ético e responsável. E que possam cobrar de seus governantes e representantes uma atitude mais digna e comprometida com o interesse coletivo. Carnaval e Copa podem ser motivo de festa, mas eleições devem ser motivo de profunda reflexão e escolha consciente.

A ACT, como integrante da Framework Convention Alliance (FCA), participou, em fevereiro, da reunião preparatória para a Sexta Conferência das Partes  (COP 6), que será realizada em outubro, na Rússia.  Na pauta do encontro, estavam a implementação do artigo 17, que trata do apoio às atividades alternativas economicamente viáveis à cultura do tabaco, e do artigo 18, sobre saúde e meio ambiente. 

Destacamos também o artigo do médico Dráuzio Varella sobre os cigarros eletrônicos, assunto que tem sido frequente no noticiário e motivo de debate. É notável o interesse da indústria do tabaco em explorar também esse nicho de mercado. Além do artigo, destacamos sobre o mesmo tema a declaração da International Union against Tuberculosis and Lung Disease.

Boa leitura!

Abraços,

Mônica Andreis

 
 
PERFIL

OS DESAFIOS DO CONTROLE DO TABAGISMO NO BRASIL – CRISTINA PEREZ

A epidemia do tabagismo continua forte. O número de fumantes no mundo chega perto de um bilhão de pessoas, segundo artigo publicado no Journal of American Medical Association (JAMA), divulgado no início do ano.

No Brasil, graças às políticas de controle do tabaco, o número de fumantes caiu quase pela metade nos últimos 20 anos, indo de 32%, em 1989, para 17,2%, em 2008, segundo a Pesquisa Especial sobre Tabagismo (PETab), do Ministério da Saúde. Em 2013, de acordo com o Ministério, o percentual de fumantes passou para  12% da população e a meta é chegar a apenas 9% de fumantes. Apesar do sucesso das medidas adotados pelo Brasil, que serve de modelo para vários países nesta área, ainda há muito a ser feito para que a queda seja contínua.

A psicóloga do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e consultora da Fundação do Câncer, Cristina Perez, fala sobre os principais desafios e quais as políticas de saúde eficazes para levar o fumante a parar.

O número de fumantes caiu no Brasil em 20 anos. Quais as principais políticas públicas de saúde que contribuíram para isso?
Cristina Perez: O fator que contribuiu para isso foi a implementação das políticas de controle do tabaco durante este período. Não podemos definir somente uma ação como  responsável, mas um conjunto delas como o aumento do preço dos cigarros, as leis de ambientes livres do fumo, as restrições de propaganda de cigarros, as advertências sanitárias nas embalagens, entre outras.

A adoção de todas essas ações de forma organizada torna o ato de fumar menos natural e aceito. Elas servem para mostrar os reais efeitos prejudiciais para a saúde de todos e possibilitam aumentar o conhecimento da população sobre os riscos de se fumar, conscientizando assim fumantes e não fumantes.

O que o Brasil precisa adotar para reduzir para 9% o número de fumantes, meta anunciada em 2013 pelo Ministério da Saúde?
CP:  O Brasil é modelo no controle do tabaco para vários países, mas pode continuar avançando através da intensificação das ações já adotadas como o aumento ainda maior dos impostos sobre os cigarros, maior vigilância na restrição de acesso aos produtos do tabaco por crianças e adolescentes, expansão da oferta do tratamento do fumante na rede SUS e principalmente a publicação da regulamentação da Lei 12.546/11. Essa lei possibilita a adoção da proibição total de fumar em locais públicos e fechados no Brasil e a propaganda de cigarros nos pontos de venda. Se essas políticas forem intensificadas, a contribuição relativa na queda da prevalência de fumantes pode aumentar de forma significativa.

Quais são os principais desafios para o controle do tabagismo?
CP: Atualmente temos dois grandes desafios no controle do tabaco que precisamos vencer com urgência. O primeiro é a regulamentação da Lei 12.546 que foi publicada em dezembro de 2011 e até o momento não ocorreu. Com esta regulamentação, a proibição total de fumar em locais públicos e fechados no Brasil será estabelecida, assim como a proibição da propaganda de cigarros nos pontos de venda. A publicação desta regulamentação permitirá que a Vigilância Sanitária fiscalize e autue os estabelecimentos que não estivem em conformidade com a Lei.

Outro ponto muito importante é a urgente votação da ação que atualmente tramita no Superior Tribunal Federal com o objetivo de derrubar a resolução publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para proibir os cigarros com aditivos.

Os cigarros com sabores são piores para a saúde?
CP: Estudos científicos comprovam que os cigarros com sabores têm a específica função de mascarar o gosto ruim durante a fase de experimentação, ou seja, melhorar a sensação e o sabor dos primeiros cigarros.

Vale ressaltar que esta experimentação ocorre principalmente entre os jovens, que vêm a ser o público alvo das companhias de cigarros. Dados da pesquisa Global Youth Tobacco Survey – Brazil, conduzida em 10 capitais brasileiras,  com 13.518 estudantes de 13 a 15 anos, mostram que 44% dos estudantes de ambos os grupos estudados disseram fumar cigarros com sabores.

Fica claro que os fabricantes de cigarros querem manter a alta iniciação do tabagismo entre os jovens abrindo o caminho para a dependência à nicotina se instalar e tornar seu público alvo novos consumidores regulares.

Esperamos que os Ministros do STF não permitam que os cigarros brasileiros continuem sendo fabricados com sabores como morango, baunilha ou chocolate e assim seja possível proteger os adolescentes do tabagismo, uma doença que mata um em cada dois fumantes regulares.

O que o fumante deve fazer para parar de fumar? Quem ele deve procurar?
CP: Deixar de fumar não é fácil, pois a dependência da nicotina é composta por um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos. Muito poucos fumantes conseguem parar de fumar com sucesso em sua primeira tentativa, por isso não desistir é fundamental.

Todo profissional de saúde deve perguntar ao paciente se ele fuma e, no caso de ser um fumante, deve estimular a cessação de fumar. Segundo a Organização Mundial da Saúde, mesmo o breve aconselhamento de profissionais de saúde pode aumentar as taxas de abstinência de tabaco em até 30%. Intervenções para a cessação de fumar lideradas por enfermeiros têm mostrado que podem aumentar a chance de parar de fumar com sucesso em até 50%.

No Brasil, algumas unidades de saúde do SUS foram capacitadas para oferecer tratamento para deixar de fumar e medicamento quando necessário. Os fumantes interessados podem se informar sobre os locais para tratamento nas Secretarias de Saúde do seu estado.

Outra ferramenta disponível é o Disque Pare de Fumar, serviço que oferece informações gerais sobre tabagismo e apoio para a cessação de fumar através do telefone 136.

 
 
AGENDA

• CURSO ONLINE DE TABAGISMO
O globaltobaccocontrol.org é um recurso on-line que disponibiliza, gratuitamente, treinamentos on-line, relatórios baseados em pesquisa e guias, além de informações sobre os programas de capacitação do Institute for Global Tobacco Control (IGTC) da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health
http://hp.globaltobaccocontrol.org/pt-br/home

• REVISTA BRASILEIRA DE CANCEROLOGIA
Data: de 29/1/2014 a 14/3/2014 Local: Brasil
A equipe da Revista Brasileira de Cancerologia convida autores a participar da edição de volume 60, no. 3, que terá como tema o câncer e exposição ocupacional. Os artigos devem ser elaborados segundo normas da RBC, disponíveis no site www.inca.gov.br/rbc. O prazo para submissão de artigos é 14 de março.

 
 
NOTÍCIAS

• UNION DIVULGA POSIÇÃO SOBRE CIGARROS ELETRÔNICOS
Union, 27/2/2014
A União Internacional Contra a Tuberculose e Doenças do Pulmão – Union divulgou um posicionamento sobre os cigarros eletrônicos, no qual mostra que não há níveis de segurança no dispositivo e que seus benefícios não foram demonstrados.

• SETORES POLÊMICOS
O Globo, Ancelmo Góis, 23/2/2014
Um gaiato encontrou, terça passada, no Hotel Meliá, em Brasília, três executivos das indústrias de arma, bebidas e cigarros, vindos de um jantar na casa do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves.

• LEI ANTIFUMO É CONSTITUCIONAL
ACT e Tribunal de Justiça do Pará, 20/2/2014
O Tribunal de Justiça do Pará julgou constitucional a lei antifumo de Belém, por unanimidade. A ação foi impetrada pelo Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Estado do Pará (SHRBS), alegando que já havia normas estabelecidas sobre o tema.

• TABAGISMO MATA UM MILHÃO DE PESSOAS NO CONTINENTE AMERICANO POR ANO, ALERTA RELATÓRIO DA OMS
UOL, 19/2/2014
O tabagismo mata 6 milhões de pessoas no mundo anualmente, um milhão delas no continente americano. Ele é o fator de risco mais importante para doenças crônicas comuns, como o câncer, doenças cardiovasculares, diabetes e doenças respiratórias.

• ANVISA QUER DEIXAR CAIXAS DE CIGARROS MENOS ATRAENTES PARA REDUZIR FUMANTES
Correio Braziliense, 12/2/2014
Assim como já é feito na Austrália, órgão propõe a adoção das carteiras genéricas para que as embalagens sejam menos atraentes, principalmente aos jovens. Especialistas preveem resistência no Congresso.

• LOBBY DO TABACO NA JUSTIÇA É NEFASTO E ATRASA O PAÍS
Folha de S. Paulo, 7/2/2014
A partir de junho, uma brasileira terá a tarefa de organizar as discussões e práticas mundiais relacionadas às políticas antitabagistas.

 
 

ARTIGO DO MÊS

O CIGARRO ELETRÔNICO (8/2/2014)
Dráuzio Varella, Folha de S. Paulo

O cigarro eletrônico pode ser uma forma menos maligna de lidar com a dependência de nicotina.

Inalar a fumaça liberada na combustão do cigarro é o mais mortal dos comportamentos de risco, no Brasil.

Não é de hoje que os fabricantes procuram uma forma de administrar nicotina, sem causar os malefícios da queima do fumo nem tirar o prazer que o dependente sente ao fumar. E, acima de tudo, sem abrir mão do lucro obtido com a droga que provoca a mais escravizadora das dependências químicas conhecidas pela medicina.

Com essa finalidade, foram lançados no comércio os cigarros eletrônicos, uma coleção heterogênea de dispositivos movidos a bateria que vaporizam nicotina, para ser fumada num tubo que imita o cigarro.

Em menos de dez anos, as vendas na Europa atingiram 650 milhões de dólares, e 1,7 bilhão nos Estados Unidos. O sucesso tem sido tão grande que alguns especialistas ousam predizer que o cigarro convencional estaria com os dias contados.

Na literatura médica, entretanto, as opiniões são divergentes.

1) Os detratores
A demonstração de que fumantes passivos correm mais risco de morrer por ataque cardíaco, derrame cerebral, câncer e doenças respiratórias deu origem à legislação que proibiu o fumo em lugares fechados, providência que beneficiou fumantes e abstêmios.
Especialistas temem que esse esforço da sociedade seja perdido, quando os cigarros eletrônicos forem anunciados em larga escala pelos meios de comunicação.

Comerciais exibidos recentemente nas TVs americanas justificam a preocupação: "Finalmente, os fumantes têm uma alternativa real" ou "Somos todos adultos aqui. É tempo de tomarmos nossa liberdade de volta". Mensagens como essas não seduzirão as crianças, como aconteceu com as campanhas de cigarros anos atrás?

Os Centers for Diseases Control, nos Estados Unidos, revelaram que embora o consumo de cigarros comuns entre adolescentes americanos tenha caído, entre 2011 e 2012, o de eletrônicos duplicou.

Não existe padronização na quantidade de nicotina vaporizada pelas diferentes marcas de eletrônicos; nem controle de qualidade. Os testes mostram que alguns conseguem liberar o dobro ou o triplo de nicotina, em cada tragada.

Ainda não há comprovação científica de que o cigarro eletrônico substitua os convencionais. O uso concomitante pode levar ao consumo de doses exageradas de nicotina, eventualmente próximas de limites perigosos.

2) Os defensores

Consideram que o cigarro eletrônico se enquadra nas chamadas estratégias de redução de riscos, semelhantes às de distribuição de seringas para usuários de drogas injetáveis, adotadas como medida de prevenção à Aids.

Há quem acredite que ao lado de outras formas de administrar nicotina sem utilizar combustão (chicletes, pastilhas e adesivos), os dispositivos eletrônicos têm potencial para se tornar um dos maiores avanços na história da saúde pública.

Para eles, o vapor de nicotina inalado através do cigarro eletrônico mimetiza as experiências prévias do fumante, sem deixar de estigmatizar o cigarro comum.

Lembram que no mundo ocorrem 6 milhões de óbitos por ano, por causa do fumo, e que as previsões para o século 21 não poderiam ser mais sombrias: um bilhão de mortes, predominantemente entre os mais pobres e menos instruídos.

Defendem que a estratégia de reduzir, mesmo sem eliminar, o risco de morte associado ao cigarro, é um imperativo moral.

Difícil não reconhecer que os dois lados apresentam argumentos consistentes. Minha opinião é de que os cigarros eletrônicos devem obedecer leis que os obriguem a passar por controle de qualidade, que proíbam fumá-los em bares, restaurantes, escritórios e outros espaços públicos fechados, e que vedem a publicidade pelos meios de comunicação de massa.

Seria fundamental, ainda, proibir que os fabricantes adicionassem mentol, essências de morango, baunilha ou chocolate para torná-los mais palatáveis às crianças, prática criminosa que a Anvisa não consegue impedir que a indústria do fumo continue utilizando no cigarro comum.

Na falta de melhor alternativa, o cigarro eletrônico pode ser uma forma menos maligna de lidar com a dependência de nicotina. Mas, é preciso criar com urgência uma legislação para lidar com ele.

 
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