EDITORIAL | ||||
Houve um tempo em que era normal guiar sem uso de cinto de segurança carros que não possuíam sistemas de airbags. Era também perfeitamente aceitável fumar em ambientes fechados, na companhia de crianças e até mesmo dentro de aviões. Lembramos destes fatos nem tão distantes para mostrar o quanto comportamentos ditos normais podem ser mudados por meio de políticas públicas de saúde que estabelecem ambientes mais saudáveis, à luz das evidências que cada época tem. É sobre esse tema o artigo que conseguimos publicar na Gazeta do Povo, traçando paralelos entre a política de controle do tabagismo com a que está sendo empreendida atualmente, em termos mundiais, para estabelecer taxação a bebidas adoçadas. Escrito pela nutricionista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec, Ana Paula Bortoletto, e pela diretora-geral da ACT Promoção da Saúde, Paula Johns, o texto aborda a questão da obesidade e a relação do consumo de açúcar ao desenvolvimento de câncer. A questão do aumento de impostos de produtos que fazem mal à saúde, como cigarros, álcool e bebidas adoçadas, é também uma preocupação de uma nova Força-Tarefa, criada recentemente pelo ex-prefeito de Nova York e embaixador da Organização Mundial da Saúde, Michael Bloomberg, em parceria com o economista Lawrence Summers, e que reúne vários líderes globais. Seu objetivo primordial é o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis por meio de políticas fiscais, com o desenvolvimento de estratégias para que países possam usar medidas desse tipo para melhorar a saúde de sua população. Em outubro, a OMS recomendou um aumento de 20% do preço dos refrigerantes para frear a epidemia da obesidade. A taxação desses produtos segue a lógica aplicada nos cigarros. No Brasil, os aumentos sucessivos de impostos sobre produtos de tabaco foram decisivos para levar à queda na prevalência do tabagismo, como várias pesquisas já mostraram. Falando em controle do tabagismo, outra medida que se mostra eficaz é a proibição da exposição de cigarros nos pontos de venda. No dia 16, em reunião da diretoria colegiada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária decidiu que os estabelecimentos que vendem cigarros deverão manter a maior distância possível entre os maços dos produtos destinados ao consumo do público infanto-juvenil, como balas e chocolates. Também foi decidido que não podem mais usar nenhum recurso de marketing adicional, como cores, sons, iluminação direcionada, entre outros, nos mostruários ou vitrines que expõem as embalagens de cigarros. A decisão acaba de ser publicada no Diário Oficial, mas é claro que representantes da indústria do tabaco, como a Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), já alegaram dificuldades para cumprir a determinação. Esta é a tática usada pelas empresas de tabaco sempre que alguma medida eficaz de controle do tabagismo é apresentada: negá-la, tentar atrasá-la, dizer que vai gerar desemprego na cadeia produtiva e levá-la aos tribunais. Por isso e pelo histórico dessas companhias, é praticamente impossível acreditar nas boas intenções da Philip Morris, que anunciou recentemente a criação da “Fundação para um Mundo Livre de Fumo”, com o objetivo de apoiar pesquisas supostamente independentes. Este anúncio parece ser parte da campanha da empresa para tentar se colocar como parte da solução da epidemia mundial de tabagismo, que mata mais de sete milhões de pessoas em todo o mundo, anualmente. Mas, longe de ser parte da solução, a Philip Morris continua sendo a causa deste enorme problema de saúde pública, junto com as outras empresas de tabaco, e o principal obstáculo para um maior progresso na redução do tabagismo em nível mundial. Por fim, em 1o de fevereiro, esperamos que o Supremo Tribunal Federal dê prosseguimento ao julgamento da restrição de aditivos nos cigarros, iniciado em 9 de novembro do ano passado, depois de vários adiamentos. A ACT, amicus curiae no caso, argumenta que a agência tem poderes legais para retirar do mercado produtos que causem risco iminente à saúde, como é o caso de agrotóxicos, medicamentos e alimentos. Estamos com quase 50 mil assinaturas na nossa petição online , que pretendemos entregar aos ministros do STF. No passado, naquele tempo em que era possível fumar até em aviões, a indústria do tabaco negava os riscos do tabagismo e do tabagismo passivo. Depois criou termos como light e suave, para apresentar ao mercado cigarros aparentemente mais seguros. Agora, quer financiar pesquisas ditas independentes. Enquanto isso, promove novas formas de fumar, como cigarros eletrônicos e tabaco aquecido, e continua vendendo seus cigarros tradicionais usando táticas de marketing agressivas, explorando novos mercados e investindo em nichos. Portanto, a dúvida que fica é esta: é possível acreditar em suas boas intenções? Boa leitura e, em nome da equipe da ACT, desejamos um ótimo 2018. Anna Monteiro |
ACT ENTREVISTA | ||||
A pesquisadora Cristina Perez, do Projeto Internacional de Avaliação das Políticas de Controle do Tabaco (ITC), esteve na audiência da Anvisa que determinou novas regras para exposição de produtos de tabaco nos pontos de venda. Ela apresentou uma pesquisa que mostra que nos 77 países onde atualmente as propagandas de cigarro já foram banidas nos pontos de venda, houve redução média de 7% na prevalência do tabagismo entre adultos. Outro estudo apresentado pela pesquisadora mostra que 71% dos jovens que já viram cigarros em supermercados, padarias, ou bancas de jornais se sentem influenciados a consumir o produto. Aqui, ela fala sobre o projeto ITC, suas metas e principais desafios. Qual é o objetivo do projeto ITC? Como são feitos os levantamentos? Quantas ondas já foram realizadas? Nesta 3a onda, quais os pontos de destaque? Sobre publicidade, promoção e patrocínio de tabaco, a proibição da propaganda nos pontos de venda (PDV) do Brasil em 2014 não reduziu a exposição dos fumantes à publicidade de cigarros. Na verdade, houve um aumento na porcentagem de fumantes que notaram coisas que promovem o tabagismo entre 2012-13 e 2016-17. O Brasil tem, de longe, a maior porcentagem de fumantes (32%) entre os 23 países do ITC que notaram coisas que promovem o tabagismo nos últimos 6 meses. Com relação à cessação de fumar, verificamos que os fumantes brasileiros são altamente motivados a deixar de fumar. Entre os 25 países participantes de ITC, Brasil tem a maior porcentagem (49%) de fumantes que planejam deixar de fumar nos próximos 6 meses. Como está o suporte à cessação do fumo? Por fim, no que diz respeito ao apoio às políticas de controle do tabaco, os brasileiros fumantes apoiam fortemente a implementação de políticas fortes como advertências sanitárias, PPPT e cessação, ou seja, aproximadamente metade dos fumantes (48%) consideram que as embalagens de cigarros deveriam ter mais informações do que tem atualmente, ¾ dos fumantes (72%) apoiam o banimento dos displays de cigarros dentro das lojas e metade (49%) apoia a adoção da embalagem padronizada. Aproximadamente dois terços (68%) dos fumantes brasileiros apoiam ou apoiam fortemente o total banimento dos produtos de tabaco nos próximos 10 anos, desde que o governo forneça tratamento para ajudar os fumantes na cessação. Como o ITC avalia o atual estágio do Brasil em relação às medidas de controle do tabagismo? Na sua opinião, como pesquisadora na área de controle do tabagismo, quais os principais desafios que o país tem para 2018?
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O JOIO E O TRIGO | ||||
Em pouco mais de dois meses desde que foi lançado, o blog O joio e o trigo , que vem cobrindo a área de alimentação e questões de conflito de interesse entre empresas de alimentos e saúde pública, acumula reconhecimento: mensagens de leitores, avaliações máximas no Facebook e conteúdo usado em aulas das maiores universidades públicas do país. Houve até menção em tese de doutorado. Nesse período, as reportagens mostraram um esquema que permite à Coca-Cola e Ambev ganharem ao menos R$ 7 bilhões por ano em créditos de impostos que jamais foram pagos, como as empresas de alimentos têm pego a cadeira de universidades dentro da Anvisa, a transformação da América Latina no terror da indústria de ultraprocessados e a briga para eliminar conflitos de interesses na área científica. Entretanto, com a nova métrica anunciada pelo Facebook, cada vez fica mais difícil difundir essas matérias. Uma das sugestões é que o leitor passe a entrar diretamente na página. Basta digitar http://outraspalavras.net/ojoioeotrigo/ Assine a newsletter, convide amigos a assinar, compartilhe o conteúdo em grupos de WhatsApp e afins e, claro, em seu perfil pessoal do Facebook. |
PROTOCOLO DO MERCADO ILEGAL DE PRODUTOS DE TABACO AGUARDA SANÇÃO PRESIDENCIAL | ||||
A ACT Promoção da Saúde, em parceria com outras organizações, enviou uma carta ao Ministro Chefe da Casa Civil, pedindo pela sanção presidencial do Protocolo para Eliminação do Mercado Ilegal de Produtos de Tabaco. O texto foi aprovado no Senado, no fim do ano, e aguarda sanção presidencial. O Protocolo é um instrumento legal e de cooperação internacional para o enfrentamento de todas as formas de comércio ilícito de produtos de tabaco – como o contrabando, a fabricação ilícita e a falsificação. Além dos riscos à saúde, como nos demais cigarros, o contrabando de produtos de tabaco causa perdas à arrecadação fiscal e contribui para a criminalidade. |
EMPRESA ÉTICA? | ||||
A Souza Cruz ficou entre 23 ganhadoras do prêmio Pró-Ética, dado pela Controladoria Geral da União a empresas comprometidas em adotar medidas de integridade relacionadas a prevenção, detecção, interrupção e mediação de atos de fraude e corrupção. A premiação causou indignação à ACT Promoção da Saúde, que enviou uma carta à CGU, com cópia à Comissão Interministerial para Implementação da Convenção-Quadro (Conicq). Para a ACT, a Souza Cruz é uma empresa que sobrevive e lucra com a promoção e venda de um produto que sabe ser, há mais de 50 anos, altamente viciante, que causa doenças e milhares de mortes no Brasil, provocando uma quantia imensurável de sofrimento e perdas econômicas ao país, e que traz um enorme fardo para o sistema de saúde nacional. O texto da carta cita a sentença norte-americana que condenou várias empresas de tabaco por atuarem, de forma fraudulenta, para omitir os riscos à saúde associados ao tabagismo e fazer marketing de seus produtos para crianças, em um massivo esquema durante 50 anos, em nível global, para enganar a opinião pública, governo, comunidade de saúde e consumidores. |
No Mundo do Tabaco | ||||
No Mundo do Tabaco é o título de uma série de reportagens veiculadas em rádios comunitárias, produzidas pela ACT em parceria com a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária do Estado de Santa Catarina (Abracosc), que estreou em janeiro. O objetivo é mostrar os diversos aspectos envolvidos na produção do fumo e a necessidade que o país tem de investir na política de diversificação de áreas cultivadas pelo tabaco. As duas primeiras entrevistas foram com a secretária executiva da Comissão Interministerial para a Implementação da Convenção Quadro (Conicq), Tânia Cavalcante, abordando o tratado internacional e a diretriz que determina alternativas ao plantio do fumo. O programa vai ao ar toda quinta-feira e pode ser acompanhado no Facebook da ACT. |
Fundação para um Mundo Livre de Fumo | ||||
A Philip Morris International, maior empresa de cigarros do mundo e fabricante da marca Marlboro, anunciou recentemente a criação de sua Fundação para um Mundo Livre de Fumo. Segundo informa, seu objetivo é apoiar pesquisas supostamente independentes. A Philip Morris vem investindo de forma paulatina em novos dispositivos para fumar, como cigarro eletrônico e iQOS, para os quais não há evidências científicas suficientes para afirmar que seriam menos nocivos que os cigarros convencionais. Entretanto, também continua a vender cigarros convencionais normalmente e ampliar o mercado, especialmente nos países em desenvolvimento, e com táticas para incentivar jovens a começarem a fumar. Para a ACT Promoção da Saúde, este anúncio da fundação é mais uma estratégia de marketing, como já houve diversas vezes no passado, e uma tentativa de melhorar sua imagem corporativa, pois a empresa continua atuando de forma incansável para expandir o mercado global de cigarros, a forma mais letal de consumo do tabaco. As companhias de tabaco trabalham em todo o mundo para minar as políticas de saúde que têm se demonstrado eficazes para reduzir o tabagismo, como o aumento de preços e impostos de produtos de tabaco, proibição de propaganda, publicidade e promoção de cigarros, embalagens padronizadas, advertências sanitárias e ambientes livres de fumo. Uma das táticas usadas é apresentar processos contra as medidas, tanto em tribunais nacionais como em internacionais. Já foram processados pela Philip Morris, pela adoção de medidas de controle do tabagismo, Austrália, Canadá, França, Noruega, Panamá, Uruguai e Reino Unido. Uma das táticas favoritas da empresa tem sido alegar que leis de controle do tabagismo são violações de acordos internacionais de comércio e investimento. |
Força-Tarefa para Políticas Fiscais para a Saúde | ||||
Em 18 de janeiro, Michael Bloomberg (embaixador global da Organização Mundial da Saúde para doenças crônicas não transmissíveis) e Lawrence Summers (economista e ex-Secretário do Tesouro dos Estados Unidos) anunciaram a criação de uma Força-Tarefa para Políticas Fiscais para a Saúde, grupo que reúne líderes em saúde, desenvolvimento e economia para analisar como as políticas fiscais podem contribuir para o enfrentamento das DCNTs e fazer recomendações sobre como os países podem usar essas políticas para melhorar a saúde da sua população. A Força-Tarefa inclui membros de diversos países e continentes, incluindo a ex-Diretora Geral da OMS, Margaret Chan (Hong Kong), o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, e a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon. Sobre a nova iniciativa, Summers afirma: “Temos fortes evidências vindas de todo o mundo de que aumentar os impostos de produtos como tabaco, bebidas adoçadas e bebidas alcóolicas é muito eficaz para reduzir consumos prejudiciais e salvar vidas”. Essas discussões vêm em um momento muito propício também para o Brasil, já que estamos debatendo políticas fiscais como a criação da CIDE Tabaco e o aumento de impostos sobre bebidas adoçadas. Esses dois tópicos foram temas de audiências públicas no final do ano passado, das quais a ACT e a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável participaram defendendo o aumento da tributação desses produtos não saudáveis para custear gastos com saúde pública, a mesma bandeira levantada pela nova Força-Tarefa. |
NOTÍCIAS | ||||
Um cigarro por dia traz riscos ao coração, diz estudo 9% dos idosos do país consomem álcool diariamente, diz Datafolha Anvisa proíbe cigarro em expositores luminosos e perto de doces Sugartax: o gosto amargo do açúcar Para especialista, conceito de alimentos ultraprocessados confronta a indústria, que insiste em negar seus malefícios à saúde |
ACT LEGAL | ||||
Julgamento da proibição dos aditivos no STFO Supremo Tribunal Federal (STF) remarcou a continuação do julgamento da proibição dos aditivos de sabor em produtos de tabaco para 1o de fevereiro. A proibição foi determinada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2012 mas, antes de entrar em vigor, foi suspensa por uma liminar obtida pela Confederação Nacional da Indústria até que o STF julgue a questão em definitivo. O assunto já entrou na pauta do tribunal diversas vezes nos últimos anos, mas foi seguidamente adiado até 9 de novembro do ano passado, quando o julgamento finalmente começou com as sustentações orais de advogados das partes e dos amici curiae (“amigos da corte”), como é o caso da ACT e da Associação Mundial de Antitabagismo (AMATA). Agora, o julgamento deverá prosseguir com os votos da relatora do processo, Rosa Weber, e dos demais ministros. Os aditivos de sabor são usados pela indústria do tabaco para deixar seus produtos mais viciantes e atrativos, especialmente para os jovens. Nossa petição para que o STF confirme a legitimidade da Anvisa e efetive a proibição já conta com quase 50.000 assinaturas. |
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