A aprovação da reforma tributária em 2023 representou um importante marco na transição para um sistema tributário mais racional e eficiente, e uma oportunidade para garantir que também seja justa e saudável, com produtos nocivos à saúde mais tributados, de modo que se desestimule seu consumo.
Nesse contexto, nós, organizações não governamentais, instituições de pesquisa, associações médicas, economistas, médicos e cientistas, manifestamos nosso apoio para que os produtos ultraprocessados - fabricados com muitos aditivos cosméticos, excesso de açúcar, sal e gordura, como é o caso de refrigerantes, salsichas, salgadinhos de pacote, entre outros - sejam alvo do imposto seletivo, ao lado dos cigarros e das bebidas alcoólicas. Da mesma forma, esses produtos não devem receber qualquer tratamento fiscal favorável com alíquotas reduzidas.
O Brasil vive um momento particularmente delicado no que diz respeito à garantia da alimentação adequada, direito humano previsto em nossa Constituição Federal. Temos um contexto de elevada insegurança alimentar e fome e, ao mesmo tempo, assistimos a um crescimento alarmante dos indicadores de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes e câncer, que têm como uma de suas principais causas a alimentação não saudável.
Para enfrentar esse duplo desafio, é necessário atuar em duas frentes: de um lado, estimular os alimentos saudáveis, essenciais à vida, como arroz, feijão, frutas, legumes e grãos, o que deverá ser feito principalmente por outro instrumento criado pela reforma tributária, a cesta básica nacional de alimentos com alíquota zero. De outro, desincentivar, por meio do imposto seletivo, os produtos ultraprocessados, que têm se tornado cada vez mais baratos e acessíveis à população.
Pesquisas científicas têm demonstrado a associação de produtos ultraprocessados a doenças e mortes. Estudo recente revelou que 57 mil pessoas entre 30 e 69 anos morrem todos os anos, no Brasil, por causa do consumo desses produtos.
Além do sofrimento individual e familiar, as doenças associadas ao consumo de ultraprocessados incapacitam trabalhadoras e trabalhadores, trazendo custos bilionários para o Sistema Único de Saúde (SUS), sobrecarregando a previdência social, e penalizando, sobretudo, as classes sociais mais vulneráveis. Globalmente, a obesidade leva a custos diretos de saúde e perda de produtividade da ordem de 2 trilhões de dólares anuais. O planeta e todos nós também pagamos essa conta por meio dos impactos ambientais: a emissão de gases de efeito estufa oriundos de produtos ultraprocessados aumentou 245% entre 1987 e 2018, enquanto sua pegada hídrica cresceu 233%.
Diversos estudos mostram que a tributação é a política pública mais eficaz para desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde. Mais de 55 países já adotaram uma tributação majorada sobre algum tipo de produto ultraprocessado ou bebidas adoçadas. A tributação de produtos nocivos à saúde conta com apoio de 94% da população, segundo pesquisa Datafolha de 2023.
As evidências científicas, os indicadores de saúde e a experiência internacional nos impelem a agir com urgência. Este ano, em que o Brasil celebra 10 anos do Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, referência internacional para a promoção da alimentação adequada e saudável, devemos prestar-lhe homenagem desincentivando o consumo de ultraprocessados. O Brasil já deu o primeiro passo na regulação desses produtos com a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de 2021, de obrigar os fabricantes a colocar uma advertência na parte frontal das embalagens. Agora, com a regulamentação da reforma tributária, o governo federal e o Congresso Nacional têm a oportunidade de avançar significativamente na garantia do direito à alimentação adequada e saudável ao implementar o imposto seletivo para produtos ultraprocessados.