Entrevista – Relatório Luz 

02.09.21


Entrevista – Relatório Luz 

O Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 no Brasil, lançado em julho, evidencia as crises sanitária, social, econômica e ambiental que vivemos, e que aumentam nossas imensas desigualdades. A perda de direitos sociais, econômicos e ambientais, arduamente construídos nas últimas décadas, fica patente nas 92 metas em retrocesso, que representam 54,4% do total, nas 27 estagnadas, ou 16%, e nas 21 ameaçadas, ou 12,4%. É possível observar que apenas 13 delas, ou 7,7%, têm algum progresso, embora insuficiente. Sobre 15, ou 8,9% do total, não há informação, o que, mais uma vez, marcou a produção deste documento. O chamado apagão de dados em curso é um fato que não consegue ocultar as enormes dificuldades enfrentadas pela população brasileira, principalmente pela maioria mais vulnerável.  

Conversamos com Yumna Ghani, Débora Lima e Raísa Cetra, da Artigo 19, organização envolvida na produção dos dados do Relatório Luz.

Em que áreas temos os retrocessos mais evidentes?

Estamos vivenciando um momento de ascensão de um projeto político-econômico autoritário, baseado numa lógica de desenvolvimento predatória e arcaica, que enfraquece os pilares de um regime democratico, como o direito à liberdade de expressão e de informação. São constantes os ataques a esses direitos e as instituições públicas. 

A pandemia de Covid-19 intensificou problemas socioambientais já presentes no contexto brasileiro. O arcabouço legal para a seguridade social e a preservação ambiental já vinham sendo enfraquecidas. A Emenda Constitucional 95/2016, por exemplo, ao impor um teto de gastos públicos por 20 anos em áreas sociais, afetou substancialmente os setores de educação, saúde e proteção social, que viram seus investimentos - que já eram aquém do necessário - diminuir. 

Vivemos um período de falta de dados e de transparência em estatísticas para traçar políticas públicas. O Censo foi adiado, o Vigitel não apresentou ainda os dados referentes a 2020. Há problemas reais na questão do enfrentamento da Covid-19 e da vacinação. Podemos considerar que a ameaça do apagão de dados se concretizou?

As tentativas de enfraquecimento da democracia brasileira perpassa pela deslegitimação de dados científicos e pelo não financiamento e produção de dados públicos. Assistimos também a um movimento constante de minar o acesso à informação de qualidade e a transparência desde o início do governo Bolsonaro, por meio de medidas provisórias e pela imposição de sigilo que não estão de acordo com a Lei de Acesso à Informação (LAI), em assuntos de interesse público. Um exemplo foi a Medida Provisória 928, publicada em março do ano passado, que suspendia os prazos de respostas a pedidos de informação e a suspensão do direito de enviar recurso em caso de negativa do pedido. A MP, que caiu após movimentação de diversos setores da sociedade civil.

Como apontado pelo Relatório Luz 2021, o atraso na publicação de dados, os cortes de verbas de órgãos que produzem dados e de universidades públicas, o constrangimentos público e retaliação de pesquisadores e pesquisadoras que trabalham com dados, o negacionismo e as fake news difundidos pelas redes sociais e por autoridades públicas ameaçam a tomada de decisões e avaliação, formulação e implementação de políticas públicas. 

Quais os principais pontos que podemos destacar em relação à saúde e às questões sobre pobreza, fome, alimentação?

O Relatório Luz 2021 atesta uma realidade que já temos visto há alguns anos, como o aumento da pobreza e da desigualdade aprofundando a fome e também fazendo retroceder questões relacionadas à saúde. Como mostrado nos relatórios  anteriores, esses retrocessos são resultado das escolhas econômicas dos últimos anos que colocam os mais pobres como principais atingidos pela crise econômica. O relatório atesta que hoje são ao menos 19 milhões de pessoas que vivenciaram situação de fome em 2020, aumentando em 28% o índice de pessoas que vivem em insegurança alimentar, em contrapartida dos 66 novos bilionários que surgiram no país no último ano, o  que demonstra um aprofundamento da extrema pobreza e o aumento da desigualdade. Além disso, o corte de gastos com a  saúde deixou mais de  150 milhões de pessoas que dependem exclusivamente do sistema de saúde pública, mais vulneráveis.

Ainda no âmbito da saúde, o Brasil enfrenta um momento muito difícil com relação à pandemia, muito disso causado pela postura negacionista e anticientífica do alto escalão do governo e do próprio presidente da república. Em relação ao orçamento do ministério da Saúde para o combate a Covid-19, o executivo deixou de gastar 23,3% dos recursos que foram destinados para o enfrentamento da pandemia. 

As metas relacionadas a esses quatro temas se encontram quase todas em retrocessos. São 28 metas que cobrem os temas nos ODS 1, 2 e 3 e 16 estão em retrocesso, enquanto outras 5 estão ameaçadas. 

Em relação às doenças crônicas não transmissíveis, como estão as metas de diminuir o consumo de cigarros e de álcool? E em relação à atividade física e à alimentação mais saudável, com menos ingestão de produtos ultraprocesados?

Com relação ao ODS 3 )Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades), que é composto por 13 metas, temos um cenário de piora com relação ao ano anterior, pois ainda havia metas em progresso satisfatório e, neste, quase metade delas estão em retrocesso. Com relação à meta que diz respeito às doenças crônicas não transmissíveis (3.4) constatou-se estagnação, principalmente devido à falta de dados atualizados do último ano, mas ainda assim traz dados preocupantes de 2019, onde as mortes por essas doenças correspondiam a 72% das mortes no Brasil. A pandemia também traz um grau a mais de preocupação a essa meta, uma vez que o isolamento pode aumentar o consumo de alimentos ultraprocessados, de bebidas alcoólicas e a falta de atividade física. 

Com relação à meta específica ao uso de substâncias nocivas como álcool e cigarro, vimos um aumento, mais uma vez, como resultado do isolamento social causado pela pandemia. O consumo regular de bebidas alcoólicas subiu 17,6% entre as pessoas de 30 e 39 anos e isso se soma a falta de qualquer política pública em favor da redução desse número. Já o número de fumante aumentou em 29% no último ano, durante a pandemia.  




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