Escândalo internacional da Nestlé expõe a desfaçatez da indústria de alimentos
02.06.21Folha de São Paulo
Fez algum barulho –embora menos do que deveria, devido ao caos pandêmico-político– a divulgação de documentos internos da Nestlé que vazaram para o jornal britânico Financial Times. Neles, os executivos do conglomerado admitem que 63% dos portfólio de alimentos e bebidas Nestlé não são saudáveis.
São chocolates e achocolatados, biscoitos, doces, refrigerantes, pratos prontos, sorvetes e todas as categorias de alimentos ultraprocessados –produtos industriais em que nenhum ingrediente in natura prevalece, com o uso de substâncias químicas alheias ao receituário das cozinhas domésticas.
Não há surpresa alguma quanto à proporção em si. O espanto vem da revelação da desfaçatez dos funcionários da corporação: eles sabem que vendem alimentos sem valor nutritivo, mas mantêm o discurso de que a adição de vitaminas e quetais faz bem ao consumidor (crianças, em muitos casos).
O exemplo mais gritante que a reportagem exibe é o Nesquik de morango – um pó para ser misturado ao leite, de óbvio apelo infantil. Na versão inglesado produto, 14 gramas de pó contêm 14 gramas de açúcar (corante e aromatizante aparecem em fração desprezível). O Nesquik brasileiro de morango, segundo tabela exibida na embalagem, oferece 11 gramas de açúcar em 14 gramas, algo como 79% da massa total.
Segundo os documentos internos, 99% dos doces da Nestlé e 96% das bebidas (exceto o café puro, categoria à parte) não podem ser considerados saudáveis.
Nem a água embalada pela corporação atinge 100% de salubilidade – 18% dos produtos, provavelmente as bebidas saborizadas, tomaram bomba no teste da saúde.
Em defesa própria, a Nestlé publicou nota com a seguinte declaração: “Acreditamos que uma dieta saudável significa encontrar um equilíbrio entre bem-estar e prazer. Isso inclui ter algum espaço para alimentos indulgentes, consumidos com moderação. Nossa rota de viagem não mudou, e é clara: continuaremos tornando nosso portfólio mais saboroso e saudável”.
A empresa, de origem suíça, tem faturamento global anual de 2,6 bilhões de francos suíços (R$ 533,38 bilhões).