Impactos da possível redução da tributação de cigarros

27.03.19


Valor Econômico - Tatiane Piscitelli

O Ministério da Justiça publicou ontem a Portaria nº 263/2019 instituindo grupo de trabalho para avaliar a “conveniência e oportunidade” de reduzir a tributação sobre cigarros fabricados no Brasil.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2016, a carga tributária média total incidente sobre cigarros no Brasil era de 67,95%. Esse percentual que coloca o país em patamar intermediário em escala mundial - como destaquei em um texto recente nesta coluna, diversos países vizinhos ao Brasil tributam produtos de tabaco na casa dos 70% (Equador), 80% (Argentina) ou até 90% (Chile). Naquela ocasião, conclui que, em termos nominais e comparativos, teríamos, inclusive, margem para crescimento da tributação.

A incidência tributária mais gravosa sobre cigarros está consolidada mundialmente e tem sido um instrumento relevante na redução do consumo e, especialmente, para refrear a iniciação ao fumo. Como o cigarro não apresenta níveis seguros de utilização, o emprego da tributação para esse fim é ainda menos controverso. A ideia geral da portaria, no entanto, seria avaliar a possibilidade de redução da tributação dos cigarros nacionais, como medida de proteção da indústria e mitigação do contrabando. Há muitos equívocos aqui.

Em primeiro lugar, essa não é uma indústria que precisa ser protegida, mas sim desestimulada. Um estudo de 2015 divulgado pelo Instituto Nacional do Câncer - e, portanto, já defasado, mas suficiente para ilustrar a questão - mostrou que o Brasil gasta R$ 56,9 bilhões com o tabagismo por ano. Desse valor, R$ 34,9 bilhões correspondem a despesas médicas e R$ 17,5 bilhões a custos indiretos relacionados à incapacitação de trabalhadores ou morte prematura. Além disso, ainda em 2015, a arrecadação tributária com a venda de cigarros somou, apenas, R$ 12,9 bilhões. Considerando as despesas impostas pelo consumo de cigarros, o saldo negativo é de R$ 44 bilhões por ano.

Além disso, segundo a OMS, o uso de tabaco mata metade de seus usuários. São cerca de sete milhões de pessoas por ano, sendo que mais de seis milhões dessas mortes são resultantes do uso direto da substância. Ainda conforme a organização, o uso de tabaco é responsável por 12% da mortalidade adulta mundial: seguindo-se no atual modelo de consumo, em 2020, serão dez milhões de mortes ao ano e 70% dessas perdas ocorrerão nos países em desenvolvimento.

A redução da carga tributária incidente sobre cigarros fabricados no Brasil, a pretexto de estimular a indústria nacional e combater o contrabando, irá piorar esse quadro, com consequente agravamento das finanças públicas: mais despesas para os sistemas de saúde e assistência social.

Some-se a isso o fato de que o controle e combate do contrabando não depende de medidas tributárias. O Brasil é signatário da Convenção-Quadro da Organização Mundial de Saúde para Controle do Tabaco (CQCT/OMS), cujo artigo 15 prevê medidas concretas a serem tomadas pelas jurisdições no sentido da eliminação do comércio ilícito. Ademais, recentemente o Brasil aprovou e promulgou o texto do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos do Tabaco, pela publicação do Decreto nº 9.516/2018.

O objetivo do protocolo, nos termos de seu artigo 3º, é eliminar o comércio ilícito de produtos de tabaco, justamente pela regulamentação do artigo 15 da CQCT-OMS.

Por fim, para a assegurar o cumprimento dos deveres assumidos pelo Protocolo, o Decreto nº 9.517/2018 criou o Comitê para Implementação do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos do Tabaco para “articular a organização e a implementação de agenda governamental intersetorial para o cumprimento das obrigações previstas no Protocolo” (artigo 2 (1)). Suas atribuições, de maneira geral, estão fixadas no artigo 2º, e envolvem diversas frentes, desde assessoria para coordenação internacional de governos, até a realização de estudos e pesquisas sobre assuntos de interesse.

Portanto, o combate ao contrabando pode e deve ser feito, mas pelo uso dos instrumentos jurídicos adequados para tanto, evitando-se medidas que arrisquem facilitar o acesso ao cigarro, pelo barateamento do produto.

Deslocar essa discussão para o direto tributário não apenas desvirtua a natureza extrafiscal dos ônus incidentes sobre o cigarro como é medida contraditória com o saneamento das despesas públicas. A redução no preço dos cigarros nacionais vai resultar em maior consumo, aumento na incidência de doenças crônicas e, como consequência, maiores gastos sociais. A única a ganhar, nessa conta, é a indústria de cigarros, com o aumento de seus lucros.

https://www.valor.com.br/legislacao/fio-da-meada/6182815/impactos-da-possivel-reducao-da-tributacao-de-cigarros




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