Merenda como política de Estado

09.01.20


Folha de São Paulo

O ano começou com um triste retrato da merenda escolar em São Paulo. Reportagem desta Folha, publicada em 2 de janeiro, mostrou o balanço da Operação Prato Feito, deflagrada pela Polícia Federal em 2018 para apurar desvios em contratos para fornecimento de alimentação para escolas públicas de 50 municípios paulistas. Entre agentes públicos e empresários, 154 pessoas foram indiciadas. Estima-se que R$ 1,6 bilhão tenha sido desviado.

O quadro, para além dos ilícitos praticados, revela o fracasso moral de quem subtrai a merenda de centenas de milhares de crianças e adolescentes e coloca em evidência a necessidade de encarar a alimentação escolar como coisa séria.

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A deputada estadual Maria Izabel Azevedo Noronha, a Professora Bebel (PT) - Bruno Santos - 27.fev.19/Folhapress

Enfrentar esse problema demanda mobilização de diversos atores sociais e institucionais, além do entendimento, pela sociedade, de que a alimentação é um direito social assegurado pela Constituição, corolário do direito à educação, que não se confunde com mero assistencialismo. 

Tratar o assunto com a importância devida envolve promover ações práticas em cinco direções, todas interligadas: assegurar o cumprimento do direito humano à alimentação adequada e saudável, com redução dos gêneros ultraprocessados e industrializados e sua substituição por produtos da agricultura familiar e orgânica; reconhecê-la como parte do direito à educação e como manifestação social, cultural, étnica e regional da população brasileira; estimular a promoção de hábitos alimentares adequados às crianças e adolescentes; entender a escola como espaço propício à formação de hábitos saudáveis e a alimentação escolar como componente transversal da política pedagógica; fortalecer o controle social e a gestão democrática da educação, incrementando a interação de conselhos de escola e de alimentação com órgãos de controle externo, tais como o Ministério Público e os Tribunais de Contas.

 

  1. Cartaz na Escola Estadual Professor Gabriel Orti, na Vila Esperança (zona leste de São Paulo) pede doação de alimentos para merenda

 

Só assim será possível obter avanços significativos e urgentes. O primeiro, reposicionar a alimentação como componente da dignidade da pessoa humana, no momento em que cresce o percentual de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade. Dados do Ministério da Saúde, de 2019, apontam que cerca de 13% dos meninos e 10% das meninas entre 5 e 19 anos estão acima do peso. O segundo, inscrever o direito à alimentação escolar como política de Estado e, portanto, como algo que não dependa da (boa) vontade de governos. O terceiro, institucionalizar mecanismos de controle social e externo que assegurem transparência, eficiência e efetividade ao gasto público nesse campo.

Em estados como São Paulo, que têm sistemas complexos de compras públicas, envolvendo aquisições centralizadas e descentralizadas, cujos investimentos ultrapassam R$ 1 bilhão por ano, e centenas de redes municipais de ensino, essas são medidas indispensáveis. E, acima de tudo, esse é o caminho a se percorrer para que o ato de alimentar, que também evoca amor, cuidado, comunhão e partilha, seja parte de um projeto educacional robusto para o Brasil —e não mais um capítulo triste do descaso e dos desvios em políticas públicas no nosso país.

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/01/merenda-como-politica-de-estado.shtml?origin=folha




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