monitorACT | Edição 15

12.09.22


ACT Promoção da Saúde

 

 

Editorial

 

Vamos colorir de verdade ou é só para vender mais? Foi assim que Mariana Pinho e Victória Rabetim abriram a 15a edição do MonitorACT, colocando em jogo mais questionamentos a respeito das estratégias de marketing das empresas fabricantes de produtos que causam danos à saúde e ao meio ambiente. O caso levantado por elas envolve a captura de movimentos da sociedade, como já mostramos em outras edições, mas desta vez com a tentativa de empresas de tabaco de envolver a comunidade LGBTQIA+ para vender mais cigarros. Para nós, é uma oportunidade para perguntar se mudanças reais estão em curso e se a inclusão de pessoas identificadas com essa causa está sendo feita mesmo, para valer, no dia-a-dia das empresas. Ou se, como parece, é só marketing para vender mais, e com as cores do arco-íris.

Na mesma linha de questionar, Bruna Kulik Hassan e Vitória Moraes trazem dúvidas em relação à reformulação de produtos. Elas pegam como exemplo os refrigerantes, cujo consumo vem caindo em todo o planeta depois que ficou mais evidente que estão associados a uma série de doenças. Para evitar a perda de mercado, as empresas fabricantes começaram a lançar novos refrigerantes, agora sem açúcar e com edulcorantes, cujos malefícios ainda carecem de mais estudos sobre seus benefícios. Neste caso, haveria uma redução de danos ou só uma troca de prejuízos, elas perguntam.

Já empresas cervejeiras lançam mão de uma estratégia muito usada no passado pelas tabaqueiras: associar o consumo de seus produtos a uma vida saudável e ao esporte. Quem não se lembra de paraquedistas saltando e acendendo um cigarro no final? Ou o escalador que chegava ao topo da montanha e dava uma boa tragada? Laura Cury trata, em seu artigo, de uma nova linha de cervejas propagandeadas como tendo a capacidade de hidratar o organismo de atletas e o caso recente da associação de uma marca a um designer famoso para criar um tênis, cuja sola contém... cerveja, de forma que seja possível andar sobre a bebida. Quem terá coragem de ingerir algo tão inusitado? Pela aposta da empresa, muita gente.

Nesta edição, tivemos a participação especial de Silvana Rubano Turci, coordenadora do Centro de Estudos do Tabaco da Fundação Oswaldo Cruz. Ela explica como dados coletados a respeito da responsabilidade social da indústria do tabaco foram fundamentais para a criação da campanha Diga Não aos Cigarros Eletrônicos. Ao lado de campanhas de outros parceiros, como a da ACT, a ação teve ampla repercussão e ajudou a consolidar a percepção de que os dispositivos eletrônicos para fumar ainda não são seguros para substituírem os cigarros tradicionais.

 

Boa leitura,

Anna Monteiro

Diretora de Comunicação

 


 

Vamos colorir de verdade ou é só para vender mais?

Victória Rabetim e Mariana Pinho

 

Diversidade é substantivo feminino que significa qualidade daquilo que é diverso, diferente;  conjunto variado; multiplicidade. Quando lemos sobre diversidade, nos perguntamos qual o padrão para que algo seja diverso dele. Quando é trazido para o contexto corporativo, é preciso analisar seu uso com cautela, ainda mais num sistema capitalista e dominado por empresas onipresentes no cotidiano das pessoas, como são as de alimentos ultraprocessados, álcool e tabaco. 

Autores sugerem que o tema de diversidade, equidade e inclusão, representado na sigla DE&I, ganhou ainda mais visibilidade com o movimento “Black lives matter”, ou Vidas Negras Importam, surgido em decorrência do assassinato a tiros do adolescente afro-americano Trayvon Martin, em 2013, e da absolvição de seu assassino. A partir do movimento, que se tornou internacional, políticas de diversidade, equidade e inclusão passaram a cada vez mais ser consideradas no meio corporativo e garantiram selos e reconhecimentos de boas práticas. Essas políticas abrangem temas como equidade de gênero, intergeracional, pessoas com deficiência, culturas, territórios e espiritualidades, antirracismo, étnico-racial, e LGBTQIA+. 

Sem dúvida, é uma proposta complexa e, por isso, não tem a capacidade de trazer mudanças para o perfil de uma empresa da noite para o dia. Para isso, é preciso tempo de implementação e atitudes abrangentes. As  redes sociais das empresas, no entanto, já estão repletas de campanhas nesse sentido, e muitas delas têm ganhado prêmios por suas políticas. 

Retórica corporativa ou não, é um assunto que precisa ser discutido pela sociedade. Neste artigo focamos em estratégias de empresas de tabaco para afastar do imaginário e do conhecimento do consumidor os prejuízos que o consumo de seus produtos podem resultar para a saúde, sociedade ou meio ambiente. Chamada de “diversity washing”, ou "lavagem da diversidade", foi tema de artigos da Forbes, Insider, Tobacco Tactics, relatório da Universidade de Massachusetts, entre outros.

Limpar a imagem é importante para aumentar o consumo de produtos e vale para cigarros, bebidas alcoólicas, açucaradas ou alimentos ultraprocessados. São todos eles relacionados ao adoecimento e a morte prematura de centenas de milhares de pessoas anualmente, impondo à sociedade inteira uma carga que poderia ser evitada. Assim, alertar quanto ao modus operandi dessas empresas pode despertar um novo olhar sobre esses produtos e, portanto, salvar vidas.

O greenwashing, namewashing, genderwashing foram abordados em outros artigos do MonitorACT. Hoje o recorte será dado à questão do LGBTQIA+ washing, com um sinal de mais (+) para reconhecer as demais orientações sexuais e identidades de gênero, compreendendo que a diversidade de gênero e sexualidade é fluida e pode mudar a qualquer tempo.

O uso das cores do arco-íris para representar a comunidade LGBTQIA+ é muito recorrente. Em sua campanha institucional de 2021, a British American Tobacco iluminou sua sede, no Reino Unido, com cores do arco-íris. A empresa jogou com as palavras: usou a letra “B” de BAT com significado de “be”, em inglês “ser/estar”, que ao lado de “united” forma a mensagem “Somos/estamos unidos”, “Somos BAT”. No nosso português coloquial e das redes sociais, "Tamos juntos".

 

A Philip Morris International já recebeu prêmios no Brasil por sua política de inclusão. A Stripes, por exemplo, é uma estratégia para “atrair e reter talentos LGBTQIA+”, conforme descrito em seu relatório de sustentabilidade de 2020. Frequentemente, são postadas mensagens nas redes sociais reforçando a política institucional de DE&I.

 

 

A Japan Tobacco International (JTI), dona da marca Camel e Winston, promoveu uma campanha institucional sobre o tema, em 2019, passou a incorporar outras políticas para seus colaboradores LGBTQIA+, e coloriu sua logo com o arco-íris, quando celebrou menção à JTI na lista de empresas que contribuíram para promover a inclusão LGBTQIA+. Cabe destacar que o certificado Global Diversity List é oferecido por um grupo de empresas, que têm a Coca-Cola entre seus membros fundadores.

 

Outro ponto muito relevante na discussão sobre DE&I é que estudos mostram que o percentual de tabagismo é maior entre os LGBTQIA+ do que na população geral. Cabe destacar que o contexto social desse público está relacionado à repressão, preconceito, problemas de aceitação, depressão, entre outros, e isso não deve ser ignorado. A comunidade também tem percentual mais elevado de consumo de drogas e taxas de suicídio do que na população geral. No entanto, a disseminação do tabagismo nesse grupo parece não ter sido obra do acaso.

A estratégia da indústria do tabaco para atingir a comunidade LGBTQIA+ foi trazida a público pela primeira vez por meio da revelação de documentos internos da indústria referentes ao “Project Subculture Urban Marketing (SCUM)”, da Universidade da Califórnia em São Francisco. A indústria do tabaco teria se infiltrado nas comunidades LGBTQIA+, financiando organizações vinculadas às questões do HIV e de políticas de gênero, patrocinando paradas de orgulho, feiras de rua e festivais de cinema. Nos Estados Unidos, por exemplo, os cigarros mentolados são mais frequentemente utilizados pela população LGBTQIA+ e negros. E sabe-se que há evidências de prejuízos à saúde exclusivos do consumo de cigarros mentolados.

Um caso de captura da causa serve como exemplo. Um artigo científico publicado na Tobacco Control descreve como, na década de 1990, a Philip Morris usou, em seu próprio benefício, um boicote feito contra um político contrário à política para financiamento de pesquisas sobre Aids. O boicote foi proposto pela AIDS Coalition to Unleash Power, comunidade que trabalha para melhorar a vida das pessoas com a doença. A empresa explorou as diferenças dentro da comunidade LGBTQIA+ e resolveu a questão prometendo grandes doações para combater a doença. Por meio da filantropia corporativa, a Philip Morris ganhou acesso ao mercado LGBTQIA+ sem parecer gay friendly. Muitas organizações, sedentas de reconhecimento e financiamento de grandes corporações, acolheram as propostas da Philip Morris sem considerar os perigos do tabaco para a saúde.

  

 

Com relação às empresas de alimentação e bebidas alcoólicas, as estratégias são parecidas e a captura de causas para melhorar a imagem corporativa delas e promover ainda mais seus produtos é muito frequente, como mostramos nos exemplos a seguir. 

Os departamentos de marketing são hábeis em estampar cores do arco-íris em embalagens, pontos de venda e propagandas de seus produtos.  Pensamos no quanto é importante e significativo que as cores saiam do papel, ganhem vida de verdade para além desses setores, e que as políticas inclusivas realmente levem ao fim da desigualdade da sociedade brasileira como um todo. 

É por isso que convidamos a população e gestores a pensarem no uso e abuso quando se apropriam da causa LGBTQIA+ e de outras, as mais variadas, para vender mais produtos que provocam adoecimento e mortes precoces. Assim, numa provocação, repetimos o título: Vamos colorir de verdade ou é só para vender mais? 

 

 

Reformulação de produtos não saudáveis: redução de danos ou troca de prejuízos?

Bruna Kulik Hassan e Vitória Moraes

 

Não é de hoje que indústrias que comercializam produtos não saudáveis se utilizam da reformulação de seus reconhecidos líderes de vendas ou da inclusão de novos produtos em seu portfólio com o argumento de oferecer outros menos danosos a seus consumidores. Essa famosa estratégia pautada numa narrativa de redução de danos é um argumento que viemos questionar. 

O caso das bebidas açucaradas serve como exemplo. Em todo o mundo, medidas regulatórias com foco em reduzir especificamente o seu consumo atingem novo patamar de adeptos, seja por meio de aumento do preço de tais produtos a partir da tributação mais gravosa, de proibição da sua comercialização em ambientes escolares ou pela inserção, na parte frontal de rótulos, de avisos a respeito do produto ser rico em açúcar. As evidências científicas de que o consumo dessas bebidas promove, entre outros problemas de saúde, obesidade, diabetes tipo 2 e cáries são bastante consistentes e fundamentam a agenda regulatória, por exemplo. 

Acontece que refrigerantes açucarados são produtos líderes mundiais de vendas das principais corporações de bebidas, movimentando cifras anuais bilionárias. Mesmo com tentativas de empresas ligadas ao setor em desvincular as associações causais verificadas em pesquisas sem conflitos de interesses, através de relações espúrias, financiamento de pesquisas e apagamento de evidências contrárias, como apurado por O Joio e o Trigo, há um momento em que não há mais como fugir quando se sobressai o consenso científico, sobretudo quando o público-alvo incorpora a mensagem e irremediavelmente se movimenta para parar de consumir bebidas açucaradas. Resultado: caem as vendas e o setor também se movimenta para evitar perdas. Neste caso, já chegamos neste ponto faz algum tempo e a narrativa da redução de danos é um prato cheio para as fabricantes se colocarem como preocupadas em diminuir malefícios relacionados aos seus produtos. 

No caso das bebidas açucaradas, a estratégia que vem ganhando espaço no mercado é a inclusão parcial ou total de edulcorantes nas bebidas para substituir o açúcar. A Coca-Cola Brasil, por exemplo, vem usando esses argumentos em suas novas campanhas de publicidade para estimular o consumo de nova versão de refrigerante sem açúcar, apenas um refrigerante dietético, embora isso não apareça explícito nos seus rótulos ou em suas propagandas.

 

Estratégias e campanhas da Coca-Cola veiculadas nas redes sociais em 2022

 

Apesar da tendência de aumento no consumo de alimentos e bebidas com edulcorantes  estimado de 36% globalmente, as conclusões de recente revisão sistemática publicada pela Organização Mundial de Saúde sobre seus efeitos à saúde apontam a necessidade de mais estudos para avaliar os potenciais malefícios resultantes do consumo de longo prazo, bem como o efeito sobre crianças e gestantes, para os quais ainda faltam muitas pesquisas sobre a segurança do seu consumo acumulado. 

As agências regulatórias internacionais e a Agência Nacional de Vigilância Santiária, no Brasil, consideram um patamar de Ingestões Diárias Aceitáveis ​​(ADIs) de edulcorantes para consumo seguro. No entanto, os estudos científicos que são a base dessas evidências geralmente são realizados considerando os efeitos de edulcorantes específicos, sem avaliar os impactos da ingestão cumulativa em longo prazo de um ou mais edulcorantes em alimentos e bebidas por dia, o que se tem denominado de “efeito coquetel”, quando se consome esses produtos em combinação com uma série de aditivos cujos malefícios acumulados não fazemos ideia, uma vez que poucos estudos analisaram seus riscos. Entre crianças, o limite das ADIs pode ser ainda menor, pois são mais suscetíveis aos seus potenciais efeitos tóxicos devido ao menor peso corporal em comparação com os adultos, a base utilizada para a definição das ADIs

A estratégia de redução de danos sempre parecerá lógica. Se cigarro faz mal para a saúde, sugere-se a troca por um cigarro eletrônico, que teoricamente faria menos mal pois não há evidências tão contundentes de seus malefícios pela literatura científica disponível até o momento. Logo, seus danos serão reduzidos até que consiga eliminar qualquer tipo de produto fumígeno. É fácil de convencer, e o que se tem feito com a redução de danos é, na verdade, um câmbio de danos já conhecidos por danos desconhecidos. A construção de evidências científicas caminha de forma mais lenta do que as pressões e o lobby das indústrias que se beneficiarão dessas trocas. Mas fica uma pergunta: quantas vidas precisam ser perdidas até que as evidências desconhecidas se tornem conhecidas? Por que o princípio da precaução não é levado a sério? No caso dos cigarros eletrónicos, as evidências a respeito dos danos da nicotina e de doenças causadas por seu uso se acumulam, enquanto faltam as que deixem explícitos os benefícios da troca do cigarro convencional por esses dispositivos.

Outro caso interessante de mencionar é a substituição do consumo de carne por alimentos plant-based ultraprocessados. Com a crescente pressão de diferentes camadas da sociedade por práticas mais sustentáveis mediante a crise climática que atravessamos, as gigantes do setor de alimentos passaram a anunciar o lançamento de produtos “eco-friendly”, ou ecologicamente corretos, como é o caso das proteínas à base de vegetais, apresentadas como substitutas da carne animal, cujo processo de produção é extremamente danoso ao meio ambiente. O debate vem tomando forma à medida que a nova categoria de produtos ganha expressão no mercado. São múltiplas variedades de produtos que buscam mimetizar cortes de carne, frango e pescados, e que tem como base os preparados de soja, milho e açúcar, produzidos com práticas nada sustentáveis: latifúndio e desigualdade no acesso à terra, trabalho escravo e redução da biodiversidade, vendidos em embalagens altamente poluentes. As mesmas empresas que lucram com o desmatamento e a desigualdade, enchem seus cofres colocando novas roupas em produtos antigos. 

No mesmo embalo, startups e food techs vem desenvolvendo versões de preparações bem conhecidas pelo público na forma de cápsulas em pó, com a premissa da saúde, sustentabilidade e praticidade. Todas essas alternativas têm como base o nutricionismo, visão que limita a alimentação única e exclusivamente aos nutrientes, que não só deixa de lado outros sentidos do comer, como contribui para a despolitização em torno do alimento e do ato de se alimentar. Afinal de contas, um sistema complexo que demanda tanto tempo das pessoas em prol da produtividade e exploração, que deveria ser destinado a tarefas como o preparo e realização de refeições e a prática de atividades físicas, primordiais para a saúde dos indivíduos, não pode ter como solução uma versão encapsulada de alimentos normalmente consumidos pela população. É preciso questionar: por que as pessoas não conseguem ter acesso aos alimentos de maneira integral? Por que não conseguem fazer suas refeições? Vamos continuar insistindo na mimetização de problemas complexos em situações simples e superficiais? Vale retomar a necessidade de se manter o princípio da precaução, fundamental para proteger a saúde pública, o meio ambiente e o futuro das novas gerações.

 

 


 

Heinekicks e cervejas de atleta

Laura Cury

 

Sabe a expressão viajar na maionese, significando que alguém disse uma bobagem sem lógica? Ou pirar na batatinha, que tem mais ou menos com o mesmo sentido? Pois agora uma cervejaria atualiza a expressão e oferece a oportunidade de “rolê na cerveja”.  Parece loucura ou bobagem?

A Heineken, em colaboração com Dominic Ciambrone, designer de sapatos, lançou, para um grupo seleto de consumidores da Ásia, a linha Heinekicks, uma edição limitada de tênis que vem com a cerveja Heineken Silver na sola, adicionada por meio de uma injeção especializada. O tênis é verde, com detalhes em prata e vermelho, remetendo às cores da marca. Na  lingueta, ele traz um providencial abridor de garrafas removível.

Segundo a Heineken, em entrevista, a coleção é inspirada e voltada para a Geração Z, de nascidos entre 1995 e 2015, “com o desejo de escapar de situações estressantes e restritivas para navegar por sua própria diversão, e seu objetivo é fazer com que esse consumidor, uma vez na vida, experimente a sensação de ‘surfar na cerveja’, que é leve, mas ousada.”

 

A associação promovida entre álcool e atividade física não é nova, e repete a fórmula usada por décadas pela indústria do tabaco para promover seus produtos. Todo mundo já viu patrocínio de bebidas em estádios e em carros de corrida. Não é à toa, já que o esporte é visto pelas marcas como um trampolim - ou devemos dizer um “kick”? – para promover e popularizar produtos, associando-os a grandes nomes, celebridades, à ideia de vitalidade, competição e mesmo saúde por meio do chamado consumo moderado, ou responsável.

Há mais de uma década, o cardiologista e ex-jogador de basquete da seleção espanhola, Juan Antonio Corbalán, medalha de prata na Olimpíada de Los Angeles, em 1984, defendeu a tese de que os componentes da cerveja ajudariam na recuperação do metabolismo hormonal e imunológico depois da prática desportiva de alto rendimento e favoreceriam a prevenção de dores musculares. O estudo, que foi apresentado ao Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) da Espanha, defende, assim, o consumo moderado da cerveja para atletas como fonte de hidratação. Ele foi realizado num período de dois anos, recomendando o consumo de três tulipas de 200 ml de cerveja (ou de 20g a 24g de álcool) para homens e duas para mulheres (10g a 12g) por dia. A conclusão do estudo foi de que a cerveja permite recuperar as perdas hídricas e as alterações do metabolismo tão bem quanto a água.

Ricardo Brandão de Oliveira, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do Laboratório de Vida Ativa (LaVA UERJ), adverte que esses estudos sobre os benefícios do consumo de cerveja após a prática de exercício “ainda são inconclusivos, especialmente quando considerados seus efeitos em longo prazo. Não revelam superioridade sobre o consumo de água e precisam ser também avaliados para além dos efeitos fisiológicos, considerando, neste caso, os possíveis impactos sociais do consumo de álcool".

Apesar da falta de evidências mais robustas, observa-se que o marketing das chamadas “cervejas de atleta” bebe na fonte do de energéticos e o produto, cada vez mais, ganha mercado. A Associação de Produtores de Cerveja estima que as cervejas de alto desempenho representem 1% do mercado de cerveja artesanal, que equivale a 13% do mercado total. E os cervejeiros afirmam que há sinais de crescimento, de acordo com reportagem da revista Exame.

Ao explorar os dados disponível na literatura, Ricardo levanta o questionamento para aqueles que pretendem entrar nessa nova onda: vocês precisam realmente tomar cerveja para se reidratar? A água não tem efeitos colaterais e cumpre muito bem este papel. Que mensagem queremos passar para as pessoas? O questionamento é mais do que razoável, já que a associação do consumo de bebidas alcóolicas à prática saudável não é apoiada por sociedades científicas de esportes e exercícios.

Especialistas em tratamento de dependência química concordam que não precisamos de mais estímulos para as pessoas beberem, principalmente numa sociedade que já trata de forma normal e natural o consumo de um produto que pode causar mais de 200 doenças e lesões e para o qual não há nível seguro de ingestão.

Aqui também vale retomar a campanha “Cerveja também é álcool”, que propõe a alteração da Lei Federal 9.294, de 1996, sobre a propaganda de bebidas alcoólicas no país, considerando bebidas alcoólicas apenas aquelas com teor alcoólico superior a 13 graus Gay Lussac (GL). Assim, a cerveja fica de fora da regra, uma vez que a publicidade das bebidas de baixo teor alcoólico é regulada somente pelo Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária. Essa norma infralegal e voluntária não tem sido eficaz em evitar abusos na propaganda de cervejas, com grande audiência entre o público adolescente.

Segundo Maristela Monteiro, assessora sênior em consumo de álcool e substâncias psicoativas da Organização Pan-Americana de Saúde, em entrevista à BBC, "temos um problema grave com o consumo de álcool no Brasil (...), mas a principal bebida consumida pelos brasileiros [a cerveja] não sofre restrições publicitárias puramente por uma combinação de lobby da indústria e falta de vontade política, quando até a legislação de trânsito brasileira estabelece uma tolerância baixíssima com o álcool".

Especialistas concordam que seria mais adequado adotar um sistema não baseado na gradação alcoólica acima dos 13 graus GL, como é o caso da França, que, desde 1991, regula e limita a publicidade de álcool de forma rigorosa a partir de 1,2% de teor alcoólico.

De toda forma, parece um abuso e contrassenso lançar no mercado produtos nocivos, com capacidade de criar dependência química, trabalhados num marketing para serem vendidos como saudáveis, sem evidências suficientemente capazes de comprovar estas relações. Temos exemplos variados e os cigarros eletrônicos ou de tabaco aquecido estão aí, a criar uma geração de dependentes crentes que estão consumindo um produto mais saudável.

 


 

O uso prático das investigação de atividades de responsabilidade social corporativa da indústria do tabaco no Brasil

 

Silvana Rubano Turci

 

O termo responsabilidade social corporativa foi definido como sendo a adoção de medidas, atitudes, posturas e valores que algumas empresas utilizam para valorizar sua imagem perante a sociedade. No entanto, é muito tênue a linha que divide essas atitudes do comprometimento de conceitos éticos.

Não é raro encontrar empresas que adotam voluntariamente normas para eliminar ou reduzir a regulação de governos sobre seus produtos e, agindo assim, driblam o controle de seus produtos.

A indústria do tabaco tem percorrido esse caminho em vários países e não seria diferente no Brasil, considerando que somos o principal exportador e o segundo maior produtor de folhas de tabaco do mundo. Tem sido bastante frequente encontrar essas empresas desenvolvendo ações de responsabilidade social para que sua imagem seja relacionada com a de empresas preocupadas com a população e/ou meio ambiente.

 

Pode ser uma imagem de uma ou mais pessoas e texto que diz

 

Durante a epidemia da Covid-19, o mundo observou a indústria do tabaco utilizando essas estratégias para promover seus negócios e adotando abordagens diretas como a doação de insumos e de dinheiro para hospitais, cidades e organizações, e abordagens indiretas, que usou grupos de fachada junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de níveis distintos de governo (federal, estadual e municipal) para defender seus interesses.

Denunciar esse tipo de abordagem tem sido relevante para a saúde pública e os governos devem proteger a integridade de suas políticas, especialmente implementando a Convenção-Quadro para o controle do tabaco da Organização Mundial da Saúde, o primeiro tratado internacional de saúde pública, que reúne 182 países.

Nesse sentido, a Fiocruz, por meio do Centro de Estudos em Saúde e Tabaco (Cetab), tem investigado e denunciado as atividades de responsabilidade social corporativa  desenvolvidas pela indústria do tabaco, o que acreditamos que vem colaborando para a mudança da narrativa para neutralizar ações da indústria, informando as lideranças da área de controle do tabaco e da saúde pública sobre as contradições existentes.

A campanha nas mídias sociais Diga Não aos Cigarros Eletrônicos, mostrando os riscos do uso de Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFS) para a saúde das pessoas e como os resíduos gerados por esses produtos poluem o meio ambiente, é um bom exemplo de como usamos os dados encontrados nesse monitoramento.

 

 

 

 

A campanha foi divulgada pelo Instagram, Facebook, YouTube, além de podcasts com influencers e especialistas, abrangeu dez estados e alcançou mais de quatro milhões de usuários no Facebook e Instagram, somados a mais 727.346 no Twitter, totalizando mais cinco milhões de pessoas impactadas.

Também foi lançada a petição “Diga Não aos Cigarros Eletrônicos, que recebeu mais de 9 mil adesões apoiando a manutenção da RDC 46/2009, resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que determina a proibição da fabricação, comercialização e a propaganda de DEFs no Brasil. A decisão pela manutenção da regra foi unânime, com a recomendação de aumentar ações de conscientização e a fiscalização.

Todo esse movimento foi complementado com a publicação de um estudo sobre como a indústria utiliza ações de responsabilidade social para promover o uso de DEFs.

A repercussão da campanha da Fiocruz, sem dúvida, colaborou no combate de argumentos usados pela indústria do tabaco, criando um ambiente mais favorável ao controle do tabagismo e expôs as consequências e implicações negativas de parcerias e patrocínios das empresas, assim como sabemos que continuará a ajudar na construção de vontade política e apoio para políticas públicas de saúde.

 


 

Ficha Técnica

Revisão e edição: Anna Monteiro

Arte: Ronieri Gomes

Colaborou nesta edição: Silvana Rubano Turci

Equipe de monitoramento

Anna Monteiro

Bruna Hassan

Denise Simões

Fabiana Fregona

Laura Cury

Mariana Pinho

Marília Albiero

Victoria Rabetim

Vitória Moraes




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