monitorACT | Edição 16

24.11.22


ACT Promoção da Saúde

 

Editorial

Esta edição 16 do MonitorACT parece repetitiva à primeira vista, pois o nome de uma companhia multinacional, que também é a maior poluidora por plásticos do mundo,  aparece em três dos quatro artigos e só escapou de uma das análises porque a autora resolveu abordar o patrocínio de bebidas alcoólicas e tabaco na Copa do Mundo. Adivinhou quem é a empresa? Clique aqui para saber.

É, se você pensou em Coca-Cola, você acertou.  

O fato é que, ao fazer a pauta desta última edição, percebemos de forma nítida, por isso estarrecedora, o quanto as grandes fabricantes de ultraprocessados estão incrustradas nos principais eventos mundiais e, de certa forma, na nossa vida. Não à toa, estamos adoecendo de forma física e mental, corremos o risco de ver o planeta ser devastado por todo tipo de destruição e  outras pandemias surgirem.

No artigo que abre este MonitorACT, Bruna Kulik Hassan pergunta se precisaremos de uma lupa para encontrar a nova lupa nos rótulos de alimentos. Ela usa a ironia para explicar como fabricantes de bebidas açucaradas estão retardando o momento de explicitar ao consumidor que  seus produtos contêm alto teor de açúcar, sódio e gordura saturada. Ao mesmo tempo em que tentam postergar a norma aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária depois de intensos debates, as empresas investem em programas ditos de reciclagem com o intuito de lavar a imagem na área ambiental.  

Em seguida, Marília Albiero e Laura Cury viajaram por estações de metrô de São Paulo para escrever sobre direitos de nome, atualizando texto de um ano atrás. O que ela viram foi que, se os trens não estão mais confortáveis, mais pontuais e atendendo melhor aos passageiros, pelo menos o marketing de produtos ultraprocessados e medicamentos está muito mais eficaz: são várias as estações que ganharam nomes de marcas de produtos e a propaganda transborda por todos os lados.

No terceiro artigo, Laura Cury analisa a Conferência do Clima, que aconteceu em novembro, no Egito, com um patrocínio que deixou o mundo chocado: da Coca-Cola. Ela, de novo. O investimento da empresa, cujos produtos estão associados ao aumento de doenças crônicas não transmissíveis e à poluição do planeta, gerou uma das melhores críticas, feita por um ativista nigeriano: se você quer combater a malária, não pode convidar os mosquitos. 

Não menos problemáticos são os patrocínios da Copa do Mundo, que serviu de ponto de partida para Mariana Pinho analisar os investimentos bilionários de empresas que fabricam produtos nocivos em eventos esportivos e suas estratégias onipresentes de promoção. Para desconstruir esse marketing e os problemas que causam, precisamos de políticas públicas comprovadamente eficientes.

Por isso, desejamos que, a partir de 2023, as corporações assumam compromissos de fato com a sustentabilidade e a saúde: paguem seus impostos, obedeçam às leis e não façam lobby para evitar regulação. 

 

Boa leitura

Anna Monteiro

Diretora de Comunicação

 



 

Precisaremos de uma lupa para encontrar a nova lupa nos rótulos de alimentos?

Bruna Kulik Hassan

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária estabeleceu, por meio da resolução da diretoria colegiada no. 429  e da Instrução Normativa nº 75, a inclusão de informações na parte frontal de embalagens de alimentos, no formato de uma lupa, alertando para o alto teor de açúcar, sódio ou gordura saturada adicionados. Caso tenham quantidades desses ingredientes acima do limite estipulado pela Anvisa, a embalagem pode conter uma, duas ou três lupas, indicando “alto em” um determinado item. A norma exclui alimentos in natura e minimamente processados ou ingredientes culinários - como açúcar e farinhas - e contempla processados e ultraprocessados, entre eles bebidas adoçadas, geleias, balas, sorvetes e biscoitos. 

 

Fonte: Site da ANVISA

 

Mudanças também foram previstas na rotulagem nutricional de alimentos. Uma alteração importante é o aprimoramento da tabela nutricional, que fica localizada na parte traseira da embalagem e detalha o conteúdo nutricional dos alimentos. Além da mudança no formato, com um tamanho mínimo de fonte, fundo branco e letras pretas, a tabela terá a inclusão da quantidade dos nutrientes obrigatórios em 100 gramas. Um avanço, porque facilita a comparação das quantidades com qualquer tipo de alimento. Anteriormente a informação era apresentada por porção de alimento, o que podia iludir o consumidor em porções muito pequenas, que não correspondem ao real consumo, ou dificultar o entendimento sobre quantas porções precisariam ser calculadas. Em relação ao conteúdo, ganhamos mais informação com a inclusão obrigatória de dado sobre açúcar, que antes era opcional.

 

Fonte: Site da ANVISA

 

Embora as novas rotulagens nutricional e frontal tenham entrado em vigor em 9 de outubro,  ainda é difícil encontrar rótulos com lupas nas prateleiras dos supermercados. Isso tem um motivo: os alimentos que foram produzidos até 8 de outubro podem ser comercializados sem as novas regras, segundo as quais produtos que já estejam no mercado podem ser vendidos seguindo a norma anterior, com mais um ano para adequação.  

O prazo estabelecido pela Anvisa é longo, pois soma ao ano de adequação mais dois anos de vacatio legis para implementação da norma, promulgada em 8 de outubro de 2020. Contam com ainda mais tempo de adaptação os alimentos produzidos por pequenos produtores e bebidas contidas em embalagens retornáveis. Há uma justificativa para um prazo maior quando pensamos em sustentabilidade e na dificuldade de adaptação. No entanto, sabemos que empresas pertencentes a conglomerados internacionais trocam seus rótulos para qualquer evento promocional com absurda facilidade. Para as bebidas não alcoólicas envasadas em embalagens retornáveis, a adequação dos produtos tem prazo de 36 meses após a entrada em vigor da resolução. Ou seja, somente em 2025 que todos esses produtos deverão seguir a nova rotulagem. 

Engana-se quem pensa que seriam poucos os de embalagens retornáveis atingidos pela norma. Coincidentemente ou não, algumas empresas já vêm estabelecendo a troca das garrafas PET convencionais por um sistema de PET retornável, a partir de compromissos com a economia circular. No caso da Coca-Cola Brasil, atualmente há embalagens retornáveis existentes de vidro de 290 ml, 1000ml e 1250ml e embalagens retornáveis PET de 1000ml, 1500ml e 2000ml.

Fonte: Site da Coca-Cola Brasil

 

A Coca-Cola Company anunciou em 2018 a meta de encaminhar para coleta e reciclagem todas as garrafas e latas comercializadas até 2030, como parte da iniciativa “Mundo sem Resíduos”. Em 2020, a empresa se tornou uma das signatárias do pacto global pela economia circular, junto com outras empresas globais, firmando o compromisso de repensar sua gestão de resíduos. Segundo a própria empresa, "as metas incluem a expansão dos produtos recicláveis para todas embalagens, a incorporação de pelo menos 25% de material reciclado nas embalagens PET da companhia até 2025 e alcançar a destinação correta para 100% das embalagens colocadas no mercado até 2030”.

 

Fonte: Site da Coca-Cola Brasil

Conforme anuncia o CEO da Coca-Cola Company, James Quincey, as embalagens retornáveis fazem parte das estratégias da marca para reduzir os preços de suas bebidas, porque os consumidores recebem algum dinheiro de volta pelas garrafas e latas devolvidas. Além disso, o consumidor paga mais pela garrafa na primeira compra, mas da segunda em diante só paga pela bebida, o que reduz o preço do produto comprado. A Coca-Cola passou a usar “garrafas universais”, que são as PET que podem ser envasadas com todos os produtos da marca, como Coca, Fanta, Guaraná e, mais recentemente, os sucos Del Valle de laranja e uva, seus carros-chefe. Para a criação das garrafas universais, a Coca-Cola Brasil investiu cerca de R$ 100 milhões. Segundo reportagem da Meio e Mensagem, a gerente sênior de Comunicação do Cone Sul Daniela Valverde apresenta como mote de comunicação o lema da marca ser “boa pro bolso, boa pro planeta”.

Sendo relativamente rápida na troca de suas embalagens para reforçar sua imagem de comprometimento com a sustentabilidade, a marca poderia também ser ágil nas trocas dos seus rótulos, uma vez que mostraria preocupação com o direito à informação de seus consumidores. 

A empresa, entretanto, não dá sinais de comprometimento com a informação, ou mesmo, com a saúde. A Argentina recentemente promulgou a Lei para Promoção da Alimentação Saudável (Lei 27.642) que inclui entre suas ações a rotulagem frontal com alertas em formato octógonos pretos com borda branca, com letras maiúsculas brancas com a palavra "EXCESSO", usando pontos de corte para nutrientes a partir do sistema de perfil nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde. A Coca agiu em desacordo com a norma recém implementada ao incluir os octógonos no verso da embalagem, onde sua marca é exibida em tamanho menor em comparação com a frente da embalagem. Uma vez que a norma responsabiliza toda a cadeia produtiva, esse ato impacta não só a Coca-Cola:  Os comerciantes são também penalizados se posicionarem essas bebidas na gôndola pela parte frontal da embalagem, que ficou sem alertas, pois são obrigados a mostrar os alertas nas gôndolas. 

No caso argentino, a Coca-Cola ainda fez mais: com a chegada da Copa, incluiu em edição especial do seu rótulo frontal uma bola com design de octógono e produziu uma embalagem com figurinhas dos jogadores da Copa, realizando uma ação promocional ao entregar garrafas retornáveis ​​em diferentes pontos da cidade de Buenos Aires, novamente em desacordo com a norma, que limita qualquer ação promocional para produtos que apresentem octógonos. 

O que nos resta, por ora, é aguardar, monitorar e expor o que empresas como a Coca-Cola farão para que seus rótulos não tenham a lupa nesse extenso período de adequação da nova rotulagem de alimentos brasileira. 

 

Fonte: Site Sanar Nutrition



 




 

Próxima Estação: [Nome da sua empresa] - Parte II

Laura Cury

Marília Albiero

 

Em junho do ano passado, publicamos matéria intitulada Próxima Estação: [Nome da sua empresa], que abordou a questão de naming rights (direitos de nome) e o caso da estação de metrô Botafogo, no Rio de Janeiro, que desde 2021 havia mudado sua identidade ao se chamar Botafogo-Coca-Cola. O tradicional bairro carioca passou, assim, a ter uma estação com nome de uma bebida associada a  obesidade e diabetes, que contribui para várias outras doenças, e é a maior poluidora de plástico do mundo. Recentemente, o contrato da Coca-Cola terminou e o nome voltou a ser somente Estação Botafogo.

Já no título daquele primeiro artigo, alertamos que esse seria só um primeiro passo, e que outros exemplos - ou melhor, outras estações - viriam. Perguntamos: “qual será a próxima parada? Imagina a Presidente Vargas passar a se chamar estação Souza Cruz ou BAT (...). Ou em um distópico exemplo paulistano, uma estação Cambuci-Ambev ou Pinheiros-Monsanto?”  Foi isso que aconteceu.

Ainda no final de 2021, uma estação da linha vermelha, na Zona Leste da cidade de São Paulo, foi a primeira a ser alterada por acordo de 'naming rights' firmado pelo Metrô da capital paulista. Ela passou a ser chamada de "Carrão-Assaí Atacadista”. A mudança inclui avisos sonoros nos trens, informando o novo nome aos passageiros, a alteração de mapas em toda a rede, e até mesmo do totem nos acessos à estação, que agora incluem o nome e a logomarca do atacadista.

 

A estação foi escolhida pelo Assaí por conta de sua identificação com a região. Segundo um porta-voz da empresa, a concessão visa homenagear a Zona Leste e reforçar a origem da rede de supermercados atacadistas.

 

Os naming rights no metrô de São Paulo não pararam por aí. No início de 2022, foi a vez da estação Saúde, da Linha Azul, ser batizada de “Saúde-Ultrafarma”. Assim como ocorreu com a Carrão-Assaí, a escolha da estação cujo nome foi cedido à Ultrafarma deve-se à proximidade com a primeira unidade da farmácia da rede, instalada na região da Saúde há 22 anos. E certamente por ser oportuno atrelar o nome da rede de farmácias à “Saúde”.

E qual o problema de atrelar justamente à saúde (não apenas ao bairro, mas ao conceito) uma rede de atacadistas, de farmácias e de um refrigerante? Segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. A associação do bem coletivo e público com ultraprocessados, que fazem mal à saúde, e com fármacos, que, ainda que essenciais, remediam uma situação já instaurada, o metrô não está contribuindo em nada com a prevenção e com a promoção da saúde e do bem-estar da população.

Segundo o metrô, a concessão do nome de estações ajudaria a ampliar as receitas não tarifárias, que compreendem a exploração comercial e publicitária das estações, além da locação de áreas e imóveis. Ainda que benefícios para a população não sejam percebidos, a estratégia tem tido novas adesões e vem se tornando parte integrante do conjunto de ferramentas políticas do urbanismo neoliberal.

Os problemas não se restringem à perspectiva teórica ou “filosófica” sobre a prática de naming rights que, como vimos, nem sempre vinculam valores destinados à melhoria da condição da população, ou mesmo do próprio bem. Esse processo de mercantilização também implica em problemas de ordem prática, pois muitas vezes não são seguidas uma série de recomendações de boas práticas, como a obrigação de licitações, isonomia de tratamento entre potenciais interessados e transparência nos critérios de escolha.

E escolhas não faltam. Na capital paulista, para além do Carrão e da Saúde, também estão sendo negociados os direitos de exploração de publicidade e de marca nas estações Penha e Anhangabaú (Linha Vermelha) e Brigadeiro e Consolação (Linha Verde). Porém, mais interessante - e eficaz - seria se o governo promovesse uma tributação seletiva adequada e majorada de produtos que fazem mal à saúde das pessoas e ao meio ambiente. Isso permitiria arrecadar os recursos necessários a serem reinvestidos em áreas estratégicas, como a saúde e o transporte coletivo, por exemplo. Com a Reforma Tributária, que deve voltar à cena a partir de 2023, essa poderia ser uma opção muito mais consciente e sustentável, em todos os sentidos.

Além dos naming rights, temos verificado, ainda, mais publicidade, com os vagões de trens sendo adesivados com propagandas ostensivas de miojo, cerveja e outros produtos não saudáveis.

Que possamos, literal e metaforicamente, trilhar novos caminhos em 2023, e promover, de verdade, a saúde e o bem-estar da população.

 

 


 

COP 27: Pessoas, não poluidoras

Laura Cury

 

Há um ano, escrevemos sobre a Conferência das Partes das Mudanças Climáticas em dois artigos do MonitorACT e voltamos, novamente, a discutir a pressão feita pelas grandes indústrias na COP27 e os conflitos de interesse  envolvidos.

Phillip Jakpor, ativista climático nigeriano da Public Participation Africa, resumiu a contradição latente na ampla presença de lobistas da indústria de combustíveis fósseis no evento deste ano  ao afirmar: “Se você quer combater a malária, não pode convidar os mosquitos”. Jakpor utilizou metáfora relacionada a uma doença infecto-contagiosa, categoria que historicamente sempre recebeu mais atenção e recursos do que sua contraparte, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), que embora sejam a principal causa de morte prematura no mundo, representam menos de 10% do orçamento global de saúde. Ainda na metáfora proposta, vale imaginar que, assim como as doenças infecto-contagiosas, as DCNTs também têm um vetor, que não se trata, como no caso da malária, de um mosquito, mas de empresas que produzem e comercializam produtos não saudáveis para as pessoas e para ao meio ambiente. Estamos falando das indústrias de tabaco, ultraprocessados, bebidas alcoólicas, agrotóxicos e combustíveis fósseis.

E, para a COP27, foram convidados muitos desses vetores. O número de agentes da indústria de petróleo, carvão e gás saltou de 503, no ano passado, para 636, neste ano, segundo relatório   produzido pela organização Global Witness, em parceria com a Corporate Accountability e a Corporate Europe Observatory. Comparando com todas as delegações presentes na conferência, o time de 636 lobistas só perdeu para a delegação dos Emirados Árabes Unidos, que contou com 1.070 integrantes, sendo 70 identificados como representantes das corporações. Segundo o relatório, do total de delegações nacionais, 29 tinham lobistas entre seus integrantes. Este número superou as delegações dos 10 países mais impactados pelas mudanças climáticas somadas: Myanmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh, Paquistão, Tailândia, Nepal e Porto Rico. O lobby dos fósseis também teve o dobro de representantes que povos indígenas, identificados como os maiores preservadores de florestas e vegetações nativas.

Organizações da sociedade civil e ativistas questionaram a presença de lobistas. Cartazes, intervenções e ações nas redes, com a hashtag #PeopleNotPolluters (PessoasNãoPoluidores), deram o tom das manifestações. Para a Global Witness e organizações parceiras, a participação de lobistas da indústria de combustíveis fósseis em COPs deveria ser proibida, “de maneira semelhante à restrição imposta aos lobistas da indústria de tabaco nas agendas de saúde pública”.

Manifestações também questionaram o fato de o grupo de patrocinadores da COP27 ter nomes como Coca-Cola, IBM, Microsoft, Vodafone, EgyptAir e Boston Consulting Group. Vale a pergunta feita pela Época Negócios: “o que os patrocinadores da conferência do clima estão fazendo pelo meio ambiente?”  Infelizmente, conforme apontam as evidências, muito menos que o necessário. 

Assim, diversas organizações e movimentos da sociedade civil e de Universidades, brasileiras e internacionais, coordenadas por iniciativa da ACT Promoção da Saúde e do GT A2030, repudiaram o patrocínio ao evento do Sistema Coca-Cola, formado por 200 marcas poluidoras, que representa obstáculos ao cumprimento do Acordo de Paris, da própria COP27 e até mesmo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) . Esse manifesto foi enviado à assessoria do novo governo eleito que tomará posse em janeiro de 2023.

As práticas e modelos de negócio de indústrias que fabricam produtos nocivos à saúde das pessoas e do planeta, como as de bebidas adoçadas, impactam diretamente no cumprimeiro do ODS 3 (saúde e bem-estar). Vale ressaltar que parte de suas cadeias produtivas estão envolvidas em violações de direitos humanos, impossibilitando o alcance dos ODSs 1 (erradicação da pobreza), 2 (fome zero e agricultura sustentável), 8 (trabalho decente e crescimento econômico), 10 (redução das desigualdades) e 16 (paz, justiça e instituições eficazes). Elas também geram resíduos poluentes durante o plantio, a fabricação e o descarte de produtos, impactando os ODSs 6 (água potável e saneamento), 12 (consumo e produção responsáveis), 13 (ação contra mudança global do clima), 14 (vida na água) e 15 (vida terrestre). A Coca-Cola, especificamente, produz 200 mil garrafas de plástico por minuto a partir de combustíveis fósseis. Por hora, são 12 milhões de garrafas plásticas a serem jogadas no meio ambiente, produto que leva, em média, 450 anos para se decompor.

Vale ainda salientar que empresas que fabricam e vendem produtos desnecessários, prejudiciais à saúde das pessoas e ao ambiente afetam, com maior força, as populações mais vulneráveis que, além de perderem a saúde, comprometem suas rendas na compra de tais produtos. São elas que sofrem as principais consequências dos impactos negativos causados pela produção, comercialização e consumo desses produtos .

Grandes empresas, como a Coca Cola, apesar de fazerem propaganda das chamadas “práticas de ESG”, na realidade, pouco contribuem para a promoção do desenvolvimento sustentável. O patrocínio da Coca Cola à COP27 é, assim, compreendido como inaceitável e constitui mais uma estratégia de marketing “engajado”, também conhecida como greenwashing ou SDGwashing.

Nesse sentido, o exemplo do programa Mundo Sem Resíduos, da Coca-Cola, é emblemático: dos cerca de 330 mil resíduos coletados em 2021 pelo Break Free From Plastic, movimento com mais de 11 mil organizações em 50 países, quase 20 mil eram de produtos da Coca-Cola , considerada por eles como o maior poluidor mundial de plástico. Esse desonroso primeiro lugar foi obtido “apesar de compromissos voluntários, iniciados em 2018, de recolher uma garrafa para cada uma que havia sido vendida”. Já o relatório Talking Trash destaca que a Coca-Cola havia prometido que suas garrafas seriam feitas com 25% de plástico reciclado ainda na década de 1990, mas não cumpriu essa meta até hoje. No primeiro trimestre de 2022, a Coca-Cola obteve um lucro líquido de US$2,78 bilhões às custas de impactos imensuráveis ao meio ambiente e à saúde das pessoas, e o plástico produzido segue como uma das principais fontes de poluição, não só pelo tempo que leva para se decompor, mas porque sua produção e queima geram emissão de gases do efeito estufa.

No manifesto a que nos referimos está: a lógica é perversa e não podemos sucumbir a ela. A Coca-Cola lucra com o adoecimento de pessoas, animais e biomas e não pode seguir vendendo uma imagem de social e ambientalmente responsável, menos ainda com a chancela da ONU e de governos pelo mundo. É urgente, portanto, transparência e adoção de medidas de proteção à saúde da população e à natureza, em consonância com a Agenda 2030 e seus Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

"É imperativo que políticas sejam formuladas e implementadas sem interferência das empresas  e com ampla participação da sociedade e das populações afetadas. Só assim será possível mudar práticas que impedem o avanço do desenvolvimento sustentável e a contenção da urgência climática", completa o texto.

  


 

Futebol não se discute, mas políticas públicas, sim.

Mariana Pinho

É muito provável que você já tenha bloqueado sua agenda para os jogos do Brasil na Copa 2022. Brasileiro é assim: apaixonado pela bola rolando no gramado, e quando ela balança a rede do gol, nem se fala... Que futebol não se discute, tudo bem. Mas quando se trata do maior campeonato de futebol do mundo, o brasileiro se une e se reúne para torcer junto. O coração bate mais forte a cada instante, ainda mais com o hexacampeonato à nossa espera. Aqueles que nasceram depois de 2002 ainda não tiveram a emoção de gritar “A taça é nossa”.

Desde o pentacampeonato brasileiro, políticas públicas globais de enfrentamento às doenças crônicas não transmissíveis salvaram centenas de milhares de vidas. Vale lembrar que elas propõem restrições de publicidade dos produtos nocivos à saúde, economia e meio ambiente: tabaco, álcool, bebidas adoçadas e alimentos ultraprocessados. Um verdadeiro show de bola. Mesmo assim, as grandes corporações não se cansam de entrar em campo e confrontá-las. 

Graças à extensa evidência científica acumulada há anos, todos já sabemos que fumar e ingerir bebidas alcoólicas faz mal à saúde. A combinação entre eles é ainda mais fatal. E assim, em nada combinam com a prática de atividade física e os esportes.

As empresas de tabaco e cerveja, sem deixar de considerar as de refrigerantes e ultraprocessados, patrocinam eventos esportivos como uma grande estratégia de promover seus produtos. Usam esses espaços para alcançar pessoas, especialmente os jovens, com suas mensagens de marketing. Afastam-se da imagem que seus produtos têm e se associam a mensagens de saúde, alegria e vitória. Seus slogans se espalham para além do estádio de futebol e entram em nossas casas pela transmissão na televisão e internet. Assim, as marcas se disseminam e perpetuam. E no metaverso, os placares ao vivo viram NFT, estratégia de promoção de uma das patrocinadoras do campeonato.

No Catar, sede da Copa 2022, o torcedor não conseguirá comprar e consumir produtos de tabaco e cigarros eletrônicos nos estádios de futebol. Essa medida está em plena consonância com as recomendações da OMS para megaeventos livres de tabaco. Em reconhecimento das severas consequências da exposição e consumo de produtos de tabaco e cigarros eletrônicos, a Fifa adotou em 2017 uma política restritiva para os seus eventos serem livres de tabaco. 

A mesma entidade, no entanto, parece ignorar os prejuízos do consumo de álcool. Mesmo no Catar, país com rígidas regras para o consumo público de bebidas alcoólicas, a Fifa garantiu a venda de bebidas alcoólicas no FIFA Fan Festival e locais licenciados. Mas as cervejas sem álcool poderão ser encontradas nos estádios.

Isso não é ao acaso. Dentre os principais patrocinadores da Copa do Mundo 2022, encontra-se a Budweiser, marca de cerveja que terá exclusividade na Fan Festival no país, que investiu 75 milhões de dólares para marcar presença. Não bastasse isso, AB InBev sediará Fan Festivals em outras seis cidades do mundo, incluindo Rio de Janeiro e São Paulo. É cerveja para todo canto do mundo.

 

Assim, as promoções e concursos ganham outros países e as empresas associam suas marcas a ídolos, como é o caso da campanha da cerveja que tem Neymar, jogador da seleção brasileira, como garoto propaganda. A estratégia de marketing cria um risco grave: incentivar mais pessoas a experimentarem álcool, em especial os jovens.

 

A flexibilização nas medidas regulatórias durante eventos esportivos não é exclusividade no Catar. Nos Jogos Olímpicos de 2016, alguns municípios sede das competições adaptaram legislações locais, que por vezes restringiam a venda e consumo de bebidas alcoólicas em estádios, para atender às pressões da indústria da cerveja. Em 2003, a lei federal brasileira que regulava propaganda de cigarro em eventos esportivos sofreu alterações para que o Grande Prêmio de Fórmula-1, que aconteceria no Brasil, tivesse marketing desses produtos, e a regra ficou valendo até 2005. Recentemente, mesmo com leis rígidas sobre propaganda no México, a McLaren promoveu ilegalmente em seus carros a marca Vuse, cigarro eletrônico da empresa British American Tobacco. 

 

Em países onde não há restrições à publicidade e patrocínio, empresas de tabaco e cigarro eletrônico patrocinam times de futebol, como é o caso do Paris Saint-German e times menores.

 

O consumo de álcool no Brasil vem aumentando entre os jovens. Seu uso nocivo tem um grande peso na carga de doenças, além de um ônus social e econômico para a sociedade. No Brasil, dados do Covitel de 2022 revelam que houve aumento de 20,6% no consumo abusivo de álcool, que equivale a cinco ou mais doses em uma mesma ocasião. O Vigitel apontou, um ano antes, que o uso nocivo de bebidas alcoólicas entre a população geral é de 18% (2021), porém, entre brasileiros de 25 e 34 anos de idade, é de 25,5%. Já a Pense (2019) aponta que 63,3% dos estudantes de 13 a 17 anos já tomaram uma dose de bebida alcoólica, e desses jovens, metade confirmou episódios de embriaguez e 35% provaram álcool antes dos 14 anos de idade. 

A OMS orienta os governos com uma série de propostas técnicas de políticas de intervenções econômicas, lançadas em 2018, para reduzir o consumo de álcool, resumidas no acrônimo em inglês SAFER (Strengthen, Advance, Facilitate, Enforce, Raise). Entre elas a aplicação de proibições ou restrições abrangentes à publicidade, patrocínio e promoção de bebidas alcoólicas. Esses são aspectos da nova campanha da OPAS, “Viva Melhor, Reaja”, que propõe que tomadores de decisão, influenciadores e a população em geral se engajem para promover políticas públicas capazes de controlar e regular o uso do álcool. Ainda que o Brasil tenha avançado nas políticas relacionadas à embriaguez ao volante (e então qual o nexo de atrelar a F1 ao consumo de álcool?!), a legislação ainda tem muitas lacunas na promoção de ações comunitárias e na política de preços e tributação, por exemplo. Conforme prega a nova campanha da OPAS, “reagir” às enormes pressões da indústria do álcool é preciso.  

Quantas vidas ainda serão perdidas até que a FIFA reconheça os prejuízos que bebidas alcoólicas causam? Quantos jovens passaram a consumir bebidas alcoólicas até que a Federação defina suas políticas de eventos livres do álcool? 

O coração dos torcedores precisa de saúde para aguentar as fortes emoções que um bom jogo provoca. A garganta do torcedor precisa estar saudável para gritar o gol da vitória. O torcedor carece de um abraço apertado depois de uma dolorosa derrota. Seria a maior bola fora ter tabaco e bebidas alcoólicas ocupando esse lugar. 

 


 

Ficha Técnica

Revisão e edição: Anna Monteiro

Arte: Ronieri Gomes

Equipe de monitoramento

Anna Monteiro

Bruna Hassan

Denise Simões

Fabiana Fregona

Laura Cury

Mariana Pinho

Marília Albiero

Sarah Fernandes

Victoria Rabetim

Vitória Moraes




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