"Nenhum dispositivo substitui parar de fumar", afirma Tânia Cavalcante, médica do Inca

06.04.18


Zero Hora

Carlos Leite / Comunicação Social INCA

Médica do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq), Tânia Cavalcante prega cautela para discutir a regulamentação de cigarros eletrônicos e de tabaco aquecido. Embora defenda que o cigarro convencional saia de cena, alerta que não se pode correr o risco de ampliar o tabagismo.

Dispositivos eletrônicos para fumar apresentam de fato menor risco à saúde?

É preciso separar os cigarros eletrônicos (vaporizadores) dos produtos de tabaco aquecido. Sobre os vaporizadores, existem muitos estudos independentes. O que se sabe é que eles não são inócuos, possuem substâncias tóxicas. Quando comparados ao convencional, realmente possuem menos substâncias tóxicas. Por não gerar a queima, não apresentam monóxido de carbono, substância altamente cancerígena. Mas isso não quer dizer que sejam benéficos à saúde. Nenhum dispositivo substitui parar de fumar.

E o tabaco aquecido?

Os poucos estudos na área mostram que esses produtos têm um potencial de liberação de nicotina bem próximo ao cigarro convencional, com toxidade e danos à saúde bem semelhantes. Os produtos de tabaco aquecido são uma estratégia adotada pela indústria para sufocar  os cigarros eletrônicos. Na verdade, grandes empresas entraram nesse mercado (de cigarros eletrônicos) por se sentirem ameaçadas por empresas menores – que patentearam uma tecnologia desenvolvida na China. Como o vaporizador não tem a mesma capacidade de gerar dependência, a estratégia da indústria agora é desacelerar os investimentos na nicotina líquida e investir mais no tabaco aquecido, garantindo o mesmo grau de dependência dos fumantes. 

A presença de nicotina nesses produtos é um problema?

O ideal seria um mundo sem nicotina, que é a substância que causa a dependência. As pessoas fumam pela nicotina, mas morrem pelo alcatrão (monóxido de carbono, substância tóxica gerada pela queima). É no alcatrão que se tem a concentração de substâncias cancerígenas. A nicotina não é inócua, obviamente, produz efeitos no sistema cardiovascular, mas não é a principal causa do câncer. 

Os cigarros eletrônicos podem atrair novos fumantes entre os jovens brasileiros?

Isso vai depender de como esses produtos serão colocados no mercado, se isso vier a acontecer. Nos Estados Unidos, houve uma explosão de consumo a partir de 2010, até que o governo regulamentasse a venda desses produtos em 2016. Até então, o mercado ficou livre e solto para fazer propagandas, usando atores e atrizes famosos. O crescimento foi muito rápido, aumentando a experimentação entre os jovens e superando o consumo do cigarro convencional. Esses produtos não podem ser introduzidos com a ideia de que são modernos e que não fazem mal à saúde. Esse é o divisor de água entre saúde pública e uma política que gere um dano coletivo.

A ideia de que o produto é seguro pode estimular o consumo?

Depende de como é divulgado. Nos Estados Unidos, os fabricantes não podem mais anunciar que são produtos saudáveis, menos ruins. É preciso que haja um debate responsável no Brasil, que o tema seja muito discutido. Se for regulamentado, que seja de forma a restringir o acesso apenas às pessoas que desejam parar de fumar e não conseguem, por exemplo. Estamos falando de 7 milhões de mortes por ano no mundo causadas pelo tabagismo. 

Quais as chances de a Anvisa aprovar esses produtos?

É uma pergunta difícil. Certamente, é um tema que precisa ser muito bem discutido. É preciso ter muita cautela, saber o que é uma coisa, o que é outra coisa. A redução de danos passa pela mudança do consumo. E é preciso uma política abrangente, em que o cigarro convencional saia de cena. Embora as indústrias venham anunciando isso, não vejo nenhum movimento concreto nessa direção.

 TIRE SUAS DÚVIDAS

Mercado mundial

A fabricação e venda de dispositivos eletrônicos de fumar é permitida em mercados como China, Estados Unidos, Reino Unido e Japão. Os americanos são os maiores consumidores mundiais de cigarros eletrônicos (vaporizadores), enquanto os japoneses lideram o consumo de tabaco aquecido. Em nações como Dinamarca e França, a venda é legalizada, mas com uma série de medidas restritivas, como o controle de publicidade. 

Proibição no Brasil

A venda, a importação e a propaganda de qualquer dispositivo eletrônico para fumar são proibidas pela Anvisa, segundo a Resolução RDC 46/2009.

Motivo da restrição

Segundo a Anvisa, os cigarros eletrônicos são proibidos no Brasil pelo fato de serem vendidos prometendo ser um tratamento para cessação do tabagismo, um produto sem riscos à saúde e que poderia ser utilizado em ambientes fechados. Nenhuma destas alegações foi devidamente comprovada, conforme a agência reguladora.

Riscos à saúde

As indústrias de tabaco alegam, com base em estudos independentes, que os vaporizadores são 95% menos danosos à saúde do que os cigarros convencionais – por não gerarem combustão e terem menos substâncias tóxicas. Já os produtos de tabaco aquecido ainda têm poucas pesquisas científicas, enfrentando resistência maior de órgãos reguladores de saúde no mundo. 

Possibilidade de liberação

Consultas públicas e outros debates poderão levar a uma nova resolução da agência. Além da coleta de informações e avaliação de dados científicos, o exame das normas na Anvisa segue os trâmites estabelecidos nas boas práticas regulatórias. Conforme a agência, a revisão da diretriz depende do avanço do conhecimento sobre o produto. Não há previsão de eventual liberação.  




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