Os movimentos sociais e o terceiro setor na busca por mundo sustentável
01.12.20Revista Época
A construção de um mundo possível para as novas gerações é um propósito que precisa de respostas de todas as áreas, do meio ambiente à educação, passando pela busca da igualdade de gênero e raça. A questão coloca como imperativa a participação de todos os setores. Nesse processo, a pandemia do novo coronavírus e o aprofundamentamento de desigualdades evidenciaram o protagonismo dos movimentos sociais na busca por um planeta mais próspero no futuro.
Esse foi um dos temas do debate "2030: dez anos para mudar o futuro", na última sexta-feira. O evento foi uma realização do jornal O GLOBO e da revista Época, com apoio da L'Oréal Brasil e de seu compromisso de sustentabilidade "L'Oréal para o Futuro".
Assista ao debate no vídeo abaixo:
Com 6,2 milhões de casos confirmados de Covid-19 no Brasil e mais de 170 mil mortos pela doença, os impactos da pandemia foram avassaladores no país. Em cinco meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o crescimento do índice de desempregados foi de 33%. A violência contra a mulher também cresceu no período. De acordo com o Anuário Brasileito de Segurança Pública, houve aumento de de 1,9% nos feminicídios e de 3,8% nos chamados para atendimento de violência doméstica feitos ao 190 no primeiro semestre de 2020, em comparação a igual período de 2019. Na esteira dos efeitos causados pela pandemia, a população negra também se mostrou mais vulnerável.
Diante do aprofundamento desses gargalos sociais históricos, houve uma demanda crescente por ação em todos os setores. Os movimentos sociais e as ONGs atuaram para mitigar essas questões e evitar retrocessos na busca pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) traçados pelos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) na Agenda 2030. O documento é um plano de ação com 17 objetivos, entre eles a erradicação da pobreza, a igualdade de gênero e o consumo e a produção responsáveis, que devem ser alcançados até o ano de 2030.
— Há um protagonismo muito evidente do movimento social nesse período. As organizações sociais, que vinham sendo demonizadas e perdendo espaço, recuperaram a relevância. Isso foi feito a partir da atuação nos territórios, o movimento comunitário, em favelas. Algumas organizações mudaram seus perfis de atuação para promover ajudas humanitárias. Isso tudo mesmo sem muita elaboração em relação a conceitos de sustentabilidade e direitos humanos — analisou a colunista do GLOBO e mediadora do debate, Flávia Oliveira.
JUVENTUDE EM AÇÃO
Nesse contexto, ficou evidente a força da juventude na busca por direitos. O movimento "Black lives matter" (Vidas negras importam), iniciado nos Estados Unidos após o assassinato de George Floyd, um homem negro morto por um policial branco, mostrou o protagonismo dos jovens e reverberou pelo mundo, inclusive no Brasil, que também viveu, neste ano, marchas pelos direitos da população negra.
— Temos uma juventudade que vem progressivamente se mobilizando por fora dos partidos, das organizações, de maneira autônoma e importante. Temos dois momentos interessantes: a pandemia provoca ruptura e mudança de aceleração do engajamento da juventude nas ações de solidariedade, de apoio e participação; e temos as pesquisas eleitorais mostrando o papel da juventudade na perspectiva de renovação política do Brasil — opinou Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos.
BRASIL PATINA NAS METAS DA ONU
O Relatório Luz, documento produzido pela sociedade civil para acompanhar as metas do Brasil para a agenda de sustentabilidade estabelecida pela ONU, apontou neste ano que, das 169 metas firmadas, 60 apresentam retrocesso no país. Somente quatro têm progresso satisfatório.
— É uma agenda estruturante para buscar um mundo melhor, mais justo e mais inclusivo em 2030, mas a atenção e a ação têm que ocorrer durante todo esse período. O ano de 2030 está ali, temos que agir já, porque pode ser muito tarde para a sociedade e para o planeta — disse Haroldo Machado Filho, oficial de parcerias e financiamento da ONU no Brasil.
Diretora de sustentabilidade da L'Oréal Brasil, Maya Colombani argumentou que o engajamento na promoção da agenda não pode se restringir ao discurso. Além da sociedade civil e do terceiro setor, as empresas também precisam agir na área.
— Convicções sem ações não servem de nada. Olhar para o futuro é exatamente isso, tomar atitude para a nossa sociedade, porque devemos isso para ela. A gente não consegue nada sozinho — disse Colombani, ressaltando a importância de ações como o compromisso de sustentabilidade "L'Oréal para o Futuro", que tem metas sem precedentes para 2030. — Nossa atitude é termos como objetivos 100% de energia renovável, a criação de produtos com impactos positivos, o transporte verde no Brasil. É investirmos mais dinheiro na proteção da Amazônia. Precisamos proteger nosso meio ambiente e nossa sociedade, além de transformar nosso negócio.
POVOS NATIVOS E ONGS
Em relação à área ambiental, o Relatório Luz, produzido pela sociedade civil, mostra que 32 metas registraram retrocesso, 17 estão ameaçadas, 14 estagnadas, e nove com progresso insuficiente. O cenário mostra que o país ainda tem muito a avançar caso queira cumprir o desafio estabelecido pela ONU. Nesse sentido, a atriz e ativista Dira Paes, fundadora da ONG Movimento Humanos Direitos, destacou a importância de se valorizar a atuação dos povos nativos e das organizações que contribuem para a promoção de direitos no país.
— A comunidade indígena presta um serviço que não é reconhecido pelo Estado brasileiro. E isso desde o conhecimento do bioma até seus direitos como grandes preservadores da floresta — afirmou. — Encontramos uma sociedade disposta a contribuir. Nossa responsabilidade é profunda, criminalizar as ONGs é também contribuir para que vidas sucumbam nao só à pandemia, mas à fome e ao feminicídio.
Diretor-executivo do Instituto Internacional de Sustentabilidade (IIS), Bernardo Strassburg fez três recomendações àqueles que quiserem contribuir com um futuro mais sustentável no planeta:
— Para a sociedade como um todo, que não tem o trabalho focado na sustentabilidade, eu diria três coisas: votar com mais cuidado, consumir com mais cuidados e, se possível, plantar algumas árvores. É batido, antigo, clichê, mas é muito impactante. Em 2021, começamos a década da ONU da restauração dos ecossistemas.