Políticas públicas contra a obesidade
04.03.21O Globo
O primeiro Dia Mundial da Obesidade, celebrado durante a maior catástrofe sanitária dos últimos 100 anos, acontece hoje, 4 de março. Em todo o mundo, já são mais de 2,5 milhões de vidas perdidas. Um luto que podemos transformar em luta se colocarmos em prática a lição mais importante desta pandemia: não estamos sozinhos. Precisamos aprender de uma vez por todas que, além de ser um direito universal, a saúde de cada indivíduo depende do coletivo. Com a obesidade não poderia ser diferente.
O número dos casos cresce em ritmo industrial por todo o planeta. No Brasil, 96 milhões de adultos sofrem com o problema, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019. Já passou da hora de deixarmos de lado a fita métrica e a balança, de estigmatizar as pessoas obesas. Enfrentamos uma questão de saúde pública e não vamos sair dessa se governos e sociedade civil não pensarem políticas públicas.
Prevenir sempre foi o melhor remédio: evita sofrimento, morte e, ainda, custa menos aos cofres públicos. Não faz sentido investir simplesmente na mudança de hábitos individuais. O controle de qualquer doença multifatorial, provocada por diversos fatores, como a obesidade, deve se dar em várias frentes.
É consenso na comunidade científica a associação entre obesidade e a oferta de bebida e alimentos ultraprocessados. Entre esses produtos com quantidade excessiva de açúcar, sal e gordura, o refrigerante desponta entre os mais consumidos. Um
estudo publicado no início deste ano estima o impacto das bebidas açucaradas — categoria que inclui refrigerantes, bebidas à base de fruta e chás com açúcar — na saúde dos brasileiros.
A partir de modelos matemáticos preditivos, dados sobre consumo, informações populacionais e do sistema de saúde brasileiro, os pesquisadores calculam que mais de 2,2 milhões de adultos e 721 mil crianças sofrem com obesidade ou sobrepeso por causa do consumo de bebidas açucaradas.
Ainda segundo o levantamento, o sistema de saúde gasta R$ 3 bilhões, por ano, na atenção a pessoas com doenças provocadas pelo consumo de bebidas açucaradas: R$140 milhões no combate à obesidade e ao sobrepeso, e R$ 2,860 bilhões com demais agravos associados, como diabetes tipo 2, doenças cardíacas, cerebrovasculares, doenças renais, asma, doenças osteomusculares e câncer.
Para reverter a situação, não precisamos de estratégias mirabolantes. O Guia Alimentar da População Brasileira, documento publicado pelo Ministério da Saúde e reconhecido internacionalmente, aponta saídas e recomenda banir das mesas os utlraprocessados.
Apesar das evidências, o governo dá milhões de reais em isenção fiscal para a indústria de refrigerantes, facilitando táticas de subprecificação. Ou seja, o governo brasileiro está abrindo mão de recursos que poderiam ser destinados, por exemplo, ao Sistema Único de Saúde (SUS), que vem sofrendo ameaça de colapso diante do impacto da pandemia de Covid-19.
No momento em que o Congresso Nacional discute a reforma tributária, precisamos de mobilização popular para cobrar de governantes e congressistas o comprometimento com o financiamento de políticas públicas de promoção da saúde.
*Diretora-geral da ACT Promoção da Saúde
**Nutricionista e epidemiologista da ACT Promoção da Saúde
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/politicas-publicas-contra-obesidade.html