Publicidade infantil no interesse da criança?

16.12.17


Conrado Hübner Mendes - Folha de S. Paulo

A história da proibição da publicidade infantil é a história da construção gradual de um consenso global entre as maiores autoridades no assunto ao longo de quase 20 anos. Foi um caminho que perpassou conferências internacionais, pesquisas acadêmicas, disputas judiciais, experimentação política e culminou em arranjos jurídicos concretos.

Chegou-se a uma conclusão: criança de até 12 anos, sujeito em formação, não deve ser objeto da persuasão publicitária.

Assim se posicionaram ninguém menos que a Organização das Nações Unidas, a Organização Mundial de Saúde, o Conselho Federal de Psicologia, o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente e o Superior Tribunal de Justiça, que abraçou a tese em caso recente.

A revista britânica "The Economist" fez exaustiva revisão da literatura científica e concluiu que a proibição da publicidade não só previne obesidade e aumenta o bem-estar psicológico e emocional das crianças, mas gera maior rentabilidade à marca no longo prazo. A esse consenso se somaram gigantes empresariais, como Coca-Cola e Mars.

Apesar dessa maciça convergência, opinião publicada nesta Folha (13/12), pela presidente da Associação Brasileira de Licenciamento (Abral), criticou-a. Segundo o texto, proibição ecoa radicalismo, e o radical não faz bem. Melhor seguir o 'caminho do meio'. A publicidade infantil seria benéfica para crianças, pois produtos infantis tornam a educação mais lúdica.

A autora faz confusão marota entre proibição de produtos para crianças, que nunca houve, e proibição da publicidade direcionada a crianças. Induz a erro e ressuscita a velha intuição pedestre. Surpreende pelo anacronismo, aquela falta de sintonia entre uma ideia e sua época. Seria menos exótico se publicado 20 anos atrás, quando, sem estudos sólidos, o tema aceitava palpites.

O assunto é importante demais, porém, para ser tratado com tamanha ligeireza.

O texto não faz descrição fidedigna da lei brasileira, onde publicidade geral não está proibida; consumo de produtos infantis não está proibido; nem sequer publicidade de produtos infantis está proibida, desde que seja voltada para pais. Ninguém é proibido de consumir, produzir, vender ou fazer publicidade. Mas da publicidade está excluída, como destinatária, a criança abaixo de 12 anos.

A autora aponta radicalismo onde não há e defende um nada inocente radicalismo disfarçado de 'caminho do meio'. Há pouca coisa mais radical, em propaganda, do que recorrer a técnicas publicitárias para seduzir a criança.

Consumo infantil é consumo mediado pelos pais, que devem ter autonomia para definir os termos em diálogo com os filhos. A publicidade infantil viola direitos da criança ao interferir nesse diálogo. Se são os pais que adquirem produtos infantis, por que persuadir crianças em vez dos pais?

A presidente da Abral propõe o diálogo como forma de evitar extremos. Mas a publicidade infantil corrói o diálogo mais valioso dessa história, aquele entre pais e filhos. A proibição, limite modesto à atividade econômica, é aliada de pais e filhos, não o contrário.

O convite ao diálogo feito pelo texto, portanto, não pode ser mais que retórico: quem dialoga honestamente na esfera pública não se omite sobre argumentos jurídicos e conclusões científicas; quem valoriza o diálogo livre entre pais e filhos não admite que ator publicitário produza ruído, explore a vulnerabilidade cognitiva e manipule o desejo da criança.

Quando discutimos direitos fundamentais, não estamos numa mesa de negociação em busca de permutas 'ganha-ganha'. Uma lição liberal. Direitos não se negociam, nem quando se chocam com grandes interesses políticos e econômicos. Servem justamente para nos proteger contra abusos de poder.

Direitos da criança têm 'absoluta prioridade' (Constituição, artigo 227). Saber quem está 'no meio' e quem está 'nos extremos' depende da posição de quem olha. De que posição olha a presidente da Abral?


CONRADO HÜBNER MENDES é professor da Faculdade de Direito da USP




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