Redução difícil de engolir

14.05.19


José Gomes Temporão e Luiz Antonio Santini

O país foi surpreendido com a criação recente, pelo Ministério da Justiça, de um grupo de trabalho com o objetivo de avaliar a redução de tributação de cigarros, como estratégia para diminuir o consumo de cigarros estrangeiros de baixa qualidade, o contrabando e os riscos à saúde dele decorrentes.

A verdade é que, caso essa “estratégia” seja seguida, o país certamente vai amargar um grande prejuízo tanto para a saúde pública como para a economia.

Ao contrário disso, há evidências de que tem sido justamente o aumento de impostos e de preços de cigarro a medida mais efetiva para reduzir a iniciação de jovens no tabagismo. O tabagismo é uma doença pediátrica, pois 80% dos fumantes se iniciam no hábito antes dos 18 anos de idade e a facilidade de acesso devido aos baixos preços dos cigarros exerce papel central nesse triste quadro estatístico. 

Por isso a Convenção Quadro da OMS para Controle do Tabaco, que o Brasil ratificou em 2005, incluiu o aumento de impostos sobre cigarros em seu artigo 6º como uma de suas estratégias. E a política de controle do tabaco no Brasil comprovou a eficácia dessa medida. A prevalência de fumantes no país caiu de 35% para 10%, no período entre 1989 e 2017. Um efeito que traduziu-se na queda da mortalidade por câncer de pulmão e por outras doenças graves como enfisema e doenças cardiovasculares. Estudos apontam que 50% da redução no tabagismo foram atribuídos aos reajustes aplicados ao IPI sobre cigarros e a uma política de preços mínimos adotada a partir de 2012 pela Receita Federal. Ao contrário da apocalíptica perda de arrecadação prenunciada pela indústria, os dados da Receita registraram importante aumento da arrecadação de impostos federais sobre cigarros, que passaram de pouco mais de 4 bilhões em 2007 para cerca de 7 bilhões em 2017.

80% dos fumantes se iniciam no hábito antes dos 18 anos de idade e a facilidade de acesso devido aos baixos preços dos cigarros exerce papel central nesse triste quadro estatístico

Aliás, a redução de impostos como forma de reduzir o contrabando de cigarros já foi adotada no final dos anos 90 e não funcionou. Pelo contrário, resultou em uma expressiva queda na arrecadação, e foi completamente inócua na solução do problema do contrabando, que de lá para cá só aumentou. 

Sem dúvida, o mercado ilegal de produtos de tabaco é reconhecido globalmente como uma ameaça aos objetivos da Convenção. Não porque os cigarros ilegais sejam de pior qualidade, até porque qualidade é um atributo que não se aplica em matéria de cigarros, mas porque os baixos preços dos cigarros ilegais tendem a neutralizar os efeitos positivos do aumento de impostos e preços sobre cigarros vendidos legalmente. 

Por isso, a Convenção da OMS, criou um Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco e o Brasil aderiu a esse Protocolo que foi ratificado pelo Congresso Nacional em 2017 e promulgado pelo presidente da República em 2018. Até agora 51 países já aderiram a esse Protocolo e   outros estão em procedimento de adesão, como o Paraguai, o que para o Brasil é fundamental, já que esse país é a principal origem dos cigarros contrabandeados para o território nacional.

O mercado legal de produtos de tabaco gera para o Brasil um custo anual de cerca de 57 bilhões de reais, devido aos gastos do sistema de saúde com tratamento de doenças causadas pelo tabagismo e perda de produtividade segundo estudo do Instituto Nacional de Câncer, frente a uma arrecadação anual com impostos federais e estaduais que não chega a R$ 13 bilhões ao ano. Esse prejuízo torna-se ainda maior considerando a perda de arrecadação de cerca de R$ 6 bilhões ao ano, devido ao contrabando de cigarros, segundo dados do Sindicato de Industria do Tabaco.

O Brasil tem investido em ações de repressão ao contrabando de cigarros e ao crime organizado que movimenta esse mercado ilícito. Certamente os resultados desse esforço podem ser muito mais efetivos se respaldados pelas ações de cooperação internacional, de inteligência e de harmonização da legislação sobre o tema. 

A resposta correta portanto é a implementação do Protocolo para a Eliminação do Comércio Ilegal da OMS, e não a redução de impostos, que já se mostrou inócua para a finalidade proposta e que traz um benefício para a versão legal do produto, que por si só já causa enormes prejuízos a todos os brasileiros.

* José Gomes Temporão é ex-ministro da Saúde e pesquisador associado do CEE-Fiocruz; Luiz Antonio Santini é membro titular da Academia Nacional de Medicina e ex-diretor do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e do Centro Colaborador da OMS para o Controle do Tabaco.

https://cee.fiocruz.br/?q=artigo-de-Jose-Gomes-Temporao-e-Luiz-Antonio-Santini




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