Taxar ultraprocessados é questão urgente de saúde pública

03.02.20


Valor Econômico

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) apoia e defende a adoção de um imposto para bebidas adoçadas e alimentos ultraprocessados no país. A declaração dada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em 22 de janeiro, sobre a possibilidade de criar uma taxa para produtos que podem ser prejudiciais à saúde, que incluiria também cigarros e bebidas alcoólicas, está em consonância com diversas recomendações de organizações internacionais como a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e a OMS (Organização Mundial de Saúde), tanto na perspectiva de política econômica como de promoção da saúde.

 

O enfrentamento da epidemia da obesidade e de outras doenças crônicas não transmissíveis, como câncer, diabetes e doenças do coração, passa por medidas regulatórias que devem ser encaradas não como a criação de mais um encargo para o consumidor, mas sim como uma política pública de incentivo à alimentação saudável. Além do imposto, o Idec também reforça a necessidade de outras medidas regulatórias como a rotulagem adequada de alimentos ultraprocessados e bebidas adoçadas, para garantir a informação correta sobre os riscos à saúde, e a proibição da publicidade e da oferta de alimentos não-saudáveis no ambiente escolar.

 

A regulação da rotulagem de alimentos também foi citada pelo ministro da Saúde Henrique Mandetta, no mesmo evento em que Guedes falou sobre a tributação das bebidas adoçadas - o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Na ocasião, Mandetta afirmou que é necessário que o Brasil avance no processo de rotulagem e destacou a importância de valorizar o Guia Alimentar Para Crianças menores de 2 anos, lançado em 2019. Esse mesmo guia faz críticas ao consumo de ultraprocessados com o objetivo de conter o avanço da obesidade infantil.

 

As medidas propostas por Guedes seguem as diretrizes da OCDE, que em seus últimos relatórios estimula os países membros a adotar “pacotes de políticas abrangentes, incluindo não apenas comunicação, mas intervenções escolares, intervenções em unidades básicas de saúde e políticas regulatórias e fiscais mais amplas”. Ainda segundo a Organização, tais medidas proporcionam uma solução econômica para combater a obesidade e criam um ambiente mais favorável para o desenvolvimento dos países membros.

 

Em sua manifestação, o ministro Paulo Guedes parece propor um reajuste fiscal equilibrado que não gere mais encargos para os brasileiros, mas mude a carga tributária de alguns produtos a fim de compensar os seus efeitos negativos na saúde pública e privada. Neste sentido, está correto ao afirmar que a oferta e o consumo desses alimentos geram impactos econômicos drásticos no sistema de saúde.

 

Por sua vez, a OMS pressiona o Brasil a adotar tais medidas urgentemente a fim de impedir a evolução crescente da epidemia da obesidade e das doenças crônicas não transmissíveis. Um estudo da revista científica The Lancet, divulgado em 2019, aponta que 1 milhão de pessoas morrem por ano no mundo devido a doenças relacionadas à má alimentação.

 

Outro estudo da mesma publicação mostra que ganhos em saúde podem compensar gastos com o tributo desses alimentos, e que a receita dos impostos também pode ser investida em políticas públicas que beneficiem a saúde. Cabe reforçar que não estamos discutindo tributos sobre alimentos de primeira necessidade, mas sobre alimentos ultraprocessados, que são supérfluos e ainda fazem mal à saúde.

 

Segundo dados oficiais, desde 2011 os gastos federais de saúde (ambulatoriais, hospitalares e medicamentos) por doenças crônicas não transmissíveis, associadas com o consumo desses alimentos, representam 58% de todas as despesas públicas de saúde. Isoladamente, a obesidade custa ao Brasil 2,4% do PIB (Produto Interno Bruto), segundo um estudo internacional conduzido pelo McKinsey Global Institute.

 

Uma demonstração da distorção dessa política tributária brasileira está no fato de que, enquanto em vários países membros da OCDE grandes fabricantes multinacionais de refrigerantes suportam sobretaxas e impostos específicos em razão da sua grande quantidade de açúcar e dos impactos negativos na saúde, no Brasil, essas mesmas empresas contam com isenções, subsídios e outros benefícios, recebendo tratamento tributário mais vantajoso do que produtos e alimentos saudáveis e de primeira necessidade.

 

Também contrariando a tendência internacional, em várias cidades do Brasil tais produtos continuam sendo vendidos livremente dentro de escolas públicas e privadas, que não contam com a oferta de uma alimentação adequada e saudável para crianças e nem com regulamentações para limitar essa oferta. O Idec combate os benefícios tributários que esses grandes fabricantes de refrigerantes recebem no Brasil em detrimento de estímulos para acesso à alimentação adequada e saudável e apoia o enfrentamento desse grave problema.

 

Considerando o número de pessoas atingidas e a natureza estrutural desses problemas, não há dúvidas que esta é uma questão de Estado. E, como tal, seu enfrentamento precisa se dar pela via das políticas públicas. Por isso, é urgente uma política fiscal em conjunto com a regulação da oferta de produtos, dentre outras medidas que garantam informação 

 adequada para que a população consiga escolher o que consome.

 

Portanto, a tributação de produtos com excesso de açúcar e ultraprocessados trata-se de uma política pública que visa a incentivar a alimentação saudável com benefícios a todos os brasileiros. Não deve, portanto, simplesmente ser encarada como aumento da carga tributária para incremento de receitas.




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