Tributação sobre produtos que fazem mal é bom para a saúde e a economia
27.05.21Correio Brasiliense
É consenso que o sistema tributário brasileiro é ineficiente e complexo. A multiplicidade de alíquotas, regimes, tributos etc. contribuem para que as distorções sejam levadas a um ponto em que alguns segmentos são beneficiados e outros, prejudicados. Como forma de reduzir as distorções, o debate sobre uma ampla reforma dos tributos sobre consumo está em voga. Mas, independentemente da proposta de reforma que se faça ou até mesmo a partir do sistema tributário atual, o princípio da seletividade tributária se mantém.
Atualmente, a Constituição Federal de 1988 explicita sobre a seletividade na tributação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), em seu artigo nº 153, inciso I. Quando a alíquota de um determinado tributo é definida de forma seletiva, dizemos que o tributo segue o princípio da seletividade. No caso do IPI, essa seletividade se dá em função da essencialidade do produto.
Um exemplo bem-sucedido de tributação do IPI em função da essencialidade é o referente aos produtos tabagistas. Como forma de desestimular o consumo de cigarros e reduzir os custos com saúde pública decorrente de doenças relacionadas ao fumo, o governo sobretaxou os produtos de fumo com objetivo de reduzir a prevalência na população brasileira.
Mas há outros segmentos que também geram externalidades negativas e que o princípio da seletividade não é seguido, ou não é de forma adequada. Um exemplo é o setor de bebidas adoçadas, em que há evidências de que o consumo em excesso faz mal à saúde e eleva os gastos públicos com saúde, mas, com a alta incidência de benefícios fiscais a que o setor faz jus, a tributação acaba não tendo o mesmo papel que observamos no setor de tabaco. Os principais benefícios fiscais do setor de fabricação de bebidas adoçadas decorrem dos gastos tributários no âmbito da Zona Franca de Manaus.
Estudo da Secretaria da Receita Federal (SRFB) explicitou que, até 2018, o governo federal deixou de arrecadar R$ 2 bilhões a cada ano devido ao fato de os fabricantes de refrigerantes e outras bebidas adoçadas estarem se aproveitando de crédito presumido equivalente a 20% do preço pago na aquisição de insumos (de fornecedores localizados na ZFM) que continham isenção do IPI.
Em 2020, o governo alterou a tabela do imposto sobre produtos industrializados (Tipi) e, a partir dela, concedeu benefícios fiscais para o segmento de refrigerantes e outras bebidas adoçadas. A renúncia tributária em decorrência da alteração do Tipi foi estimada pelo Ministério da Economia e deve chegar a R$ 1,9 bilhão em três anos.
A decisão pelo aumento dos incentivos fiscais para o setor também afeta negativamente os estados e municípios, pois a alteração ocorreu no IPI, tributo que é repartido com entes subnacionais por meio de fundos de participação. A estimativa é de que, do R$ 1,9 bilhão renunciado em três anos, pelo menos R$ 1 bilhão impactará os entes subnacionais.
O excesso de renúncias tributárias e a ausência de avaliação ex ante já é um problema conhecido. A recém-publicada Emenda Constitucional 109/21 trata desta questão ao exigir um plano de redução dos benefícios fiscais. O plano deve assegurar que os benefícios não ultrapassem 2% do PIB em oito anos — atualmente os benefícios fiscais somam 4,3% do PIB.
A principal proposta de reforma tributária ampla que tramita na Câmara dos Deputados também prevê a criação de um imposto seletivo com finalidade extrafiscal, que seria destinado a desestimular o consumo de determinados produtos (cigarros, bebidas alcoólicas e bebidas açucaradas), mas a definição dos produtos fica a cargo de lei complementar posterior. A proposta também acaba com os benefícios fiscais.
Mas, enquanto a reforma tributária não acontece, o caminho ideal seria o de sobretaxar a produção destes bens que geram externalidade negativa, e o primeiro passo pode ser o de avaliar e rever os benefícios fiscais que esses setores fazem jus.
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