Simplificando a história dos aditivos em cigarros

08.11.17 - Jota


Jota

 ANVISA proibiu o uso de alguns aditivos em produtos de tabaco, por meio da RDC 14, de 2012. Note, alguns. Sim, a norma prevê relação exaustiva dos aditivos proibidos (artigo 6º), e post_autoriza expressamente outros (artigo 7º), e ainda possibilita às empresas fabricantes requerer permissão para o uso dos aditivos proibidos mediante apresentação de justificativa (§ 2º, do artigo 7º).

A RDC 14/12 é oriunda de um processo democrático por meio da Consulta Pública 112/2010. Além de toda a cadeia do setor produtivo do fumo no país ter participado, sua principal demanda foi atendida, e a norma foi alterada para permitir o uso de açúcar.

A norma, portanto, não é post_autoritária, não elimina o comércio de cigarros no país e também não saiu da cartola. A proibição do uso de aditivos está prevista na Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (Decreto 5.658/2006), portanto, em consonância com o consenso cientifico e melhores práticas, com total respaldo da Organização Mundial da Saúde.

Tão pouco é uma medida exclusiva do Brasil. Foi adotada no Canadá e União Europeia. Nos Estados Unidos, uma lei nacional outorgou ao FDA – Food and Drug Administration, órgão assemelhado à ANVISA, a competência para identificar os aditivos e efetivamente proibi-los.

A norma também não está fora da competência da ANVISA. A agência é competente para regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, tais como os produtos de tabaco (art. 8º, § 1º , X, da Lei 9.782/99), e a ANVISA editou a norma dentro dos poderes que lhe foram conferidos por esta mesma lei (artigo 7º, XV): proibir a comercialização de produtos e insumos, em caso de risco iminente à saúde.

A lei brasileira, portanto, dá sim poder à ANVISA para retirar do mercado produtos que causem risco iminente à saúde. E assim a agência o faz com relação a agrotóxicos, medicamentos e alimentos.

É claro que essa proibição de aditivos vale somente para produtos do tabaco. A menta, por exemplo, para consumo alimentar segue permitida, mas como adicionada ao tabaco e na combustão os efeitos são outros, não pode usar menta em produtos de tabaco. É uma medida de saúde pública.

É fato que não há cigarro seguro para consumo, mas a principal razão para a proibição de aditivos é porque aumentam a atratividade e palatabilidade de produtos do tabaco, facilitando a iniciação ao tabagismo. Há aditivos, ainda, que potencializam a dependência química, como a amônia. Em suma, os aditivos facilitam a primeira tragada de um produto que comprovadamente causa malefícios à saúde e forte dependência. Uma vez atraídos pelo sabor e aroma, a nicotina potencializada se encarrega de mantê-los fumantes por muitos anos.

Vê-se, portanto, que o uso de aditivos em produtos de tabaco faz parte de uma estratégia de negócio da indústria do tabaco para atrair novos consumidores, já que seus consumidores regulares sofrem de doenças e morrem prematuramente.

Visando impedir a regulação dos aditivos e enfraquecer a ANVISA, a Confederação Nacional da Indústria ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4874), que tramita no Supremo Tribunal Federal e deve ser julgada no dia 19 de outubro. É a quarta vez que o processo entra na pauta sem que o julgamento de fato aconteça.

Uma liminar da Ministra Rosa Weber, em setembro de 2013, suspendeu os efeitos da RDC 14/12. Com isso, o número de registros de marcas de cigarros com sabor passou de 4 em 2012, para 80 em 2016. A liminar permitiu à indústria do tabaco seguir atuante na sua estratégia de negócio.

A história é essa. Toda alegação contrária deve ser vista com cautela.

É preciso estar atento às alegações da indústria do tabaco, dado o seu histórico. Desinformar também faz parte da sua estratégia de negócio, conforme reconhecido em decisão judicial, oriunda de ação movida pelo governo federal norte americano contra 9 tabaqueiras, por violação da legislação que cuida de crime organizado, extorsão e organizações corruptas. Em decisão histórica, em 2006, já confirmada pelas cortes superiores, a juíza Gladys Kessler reconheceu que a indústria está por trás da epidemia tabagista e atua em conjunto e coordenamente para enganar a opinião pública, governo, comunidade de saúde e consumidores.

Para tentar obscurecer o real objeto da demanda, que é a promoção e proteção da saúde do cidadão, a indústria do tabaco repete mantras como risco do contrabando (“regulação vai fomentar o mercado ilícito de cigarros”), o excesso de intervencionismo no mercado, a extrapolação de poderes da ANVISA, e outros temas absolutamente periféricos ao cerne da questão da saúde. Cuida-se de uma estratégia de quem quer fugir ao debate da saúde, do mérito da medida da ANVISA, pois nessa seara não há argumentos que sustentem qualquer alegação da indústria do tabaco.

Ora, o caminho para o enfrentamento ao contrabando é a ratificação pelo Brasil do Protocolo para Eliminação do Mercado Ilícito de Produtos de Tabaco, e não impedir uma medida de saúde pública comprovadamente eficaz para inibir a iniciação ao tabagismo.

Para que o Supremo Tribunal Federal mantenha uma linha coerente com a proteção constitucional da saúde e decida em alinhamento com outras decisões desta Corte que priorizaram a saúde pública, como o caso do amianto e da importação de pneus usados, deve reconhecer a constitucionalidade da atuação do poder público para a garantia do direito à saúde e à dignidade da pessoa humana, em alinhamento também à Organização Mundial da Saúde para que o Brasil cumpra o compromisso internacional assumido com a ratificação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco.

No caso dos aditivos, ainda, há o dever constitucional de se assegurar à criança, adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida e à saúde. Nas palavras da Ministra Rosa Weber, “inadmissível ter o progresso social e o bem estar coletivo como obstáculos ao desenvolvimento econômico quando eles constituem os seus próprios fins” (ADI 4066). Nenhum emprego pode ser defendido em prejuízo de crianças viciadas em cigarros.

Adriana Carvalho - Advogada da Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos Humanos – ACT Promoção da Saúde, admitida como amicus curiae na ADI 4874.

Luís Renato Vedovato - Advogado da AMATA - Associação Mundial Antitabagismo e Antialcoolismo, admitida como amicus curiae na ADI 4874.

Oscar A. Cabrera - Diretor executivo do O’Neill Institute for National and Global Health Law, da Universidade de Georgetown, em Washington DC.

Walter José Faiad de Moura - Sócio do escritório Walter Moura Advogados Associados, atua em defesa da Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos Humanos na ADI 4874.

 



Link: http://bit.ly/HistóriaAditivos

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