Por que a venda de cigarros com sabor é pauta no STF

07.12.17


Nexo

 O STF (Supremo Tribunal Federal) deve decidir na quarta-feira (13) se mantém a validade de uma resolução de 2012 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que proíbe a venda de cigarros com sabor em todo o Brasil. A resolução está suspensa desde 2013. Ainda em novembro de 2012, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a decisão da agência reguladora. No ano seguinte, a relatora do caso, ministra Rosa Weber, concedeu liminar favorável à indústria tabagista. Desde então, estes cigarros continuam sendo vendidos livremente no país para maiores de 18 anos, conforme determina a lei. O julgamento no STF vem sendo marcado e adiado no plenário do Supremo desde 2016. Em outubro de 2017 aconteceu o mesmo, e em novembro, houve outros dois adiamentos. O último deles foi em 22 de novembro, quando as ausências dos ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski levaram a um novo adiamento por falta de quórum.

Os motivos da proibição pela Anvisa
Em nota em seu site oficial, a Anvisa afirma que “essa restrição pretende reduzir a iniciação de novos fumantes, em especial crianças e jovens”. Para a agência, “os aditivos são intencionalmente utilizados para mascarar o sabor ruim do produto de tabaco, disfarçar o cheiro desagradável e diminuir a irritabilidade da fumaça para os não fumantes”.


O que diz a resolução

O que diz a resolução
PRODUTOS PROIBIDOS
Produtos de tabaco com aditivos de substâncias flavorizantes ou aromatizantes; com propriedades nutricionais; com propriedades estimulantes ou revigorantes; temperos, ervas, especiarias, frutas, vegetais, adoçantes, edulcorantes, mel, melado; ameliorantes (que reduzem a irritabilidade da fumaça) e amônia e seus derivados.

O QUE É UM ADITIVO Qualquer substância utilizada na fabricação ou processamento de um produto fumígeno que não seja tabaco ou água.

PROPAGANDA NA EMBALAGEM As fabricantes também não podem vender seus produtos fumígenos em embalagens que levem o consumidor a achar que está comprando algo mais “leve”. Palavras como “light”, “soft”, “suave” e outras do gênero foram proibidas de aparecer associadas aos produtos.

EXCEÇÕES Pigmentos usados para colorir o papel do cigarro, açúcares usados na recomposição do que foi perdido na secagem do tabaco e agentes que ajudam na combustão, entre outros. Em 2009 a FDA, agência do governo americano para comida e medicamentos, ganhou competência para regular o tabaco, e uma de suas primeiras ações foi banir os cigarros com sabor. Na época, a comissária da agência usou o mesmo argumento de prevenção ao consumo de tabaco por crianças e jovens. Segundo ela, os cigarros de sabor seriam a “porta de entrada” para jovens “se tornarem fumantes regulares”. Não apenas para crianças, cigarros com sabor (como os mentolados, por exemplo) são mais atrativos para todos os tipos de consumidores, se transformando portanto em um incentivo ao tabagismo. Essa foi a lógica usada pela União Europeia para justificar sua proibição a esse tipo de produto em 2016. Recomendações internacionais apontam inclusive para medidas como a proibição da venda de cigarros avulsos ou em embalagens menores, mais acessíveis financeiramente.

O que apontam os estudos sobre o tema

Um estudo publicado em maio de 2017 pelo American Journal of Preventive Medicine (EUA), analisando o banimento de cigarros com sabor no país, mostrou que a política contribuiu para reduzir em 17% as chances de um jovem se tornar fumante de cigarros, além de reduzir em 58% o número de cigarros fumados pelos que desenvolveram o hábito. Por outro lado, esses jovens de idade escolar (equivalentes ao ginásio e ao ensino médio no Brasil), passaram a consumir mais cigarros mentolados (que continuam permitidos nos EUA), charutos e cachimbos, indicando a busca por modos alternativos de fumar. Evidências coletadas no Brasil também apontam para os cigarros com aditivos como uma “porta de entrada” para o hábito tabagista entre os jovens.

Esse tipo de produto é o preferido da maioria das pessoas entre 13 e 15 anos, e o sabor é considerado a característica mais importante no cigarro para 60,8% desses jovens que fumam. Os dados são de uma pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP- Fiocruz) divulgada pelo jornal O Estado de S.Paulo em 2012. 80% dos fumantes começaram com o hábito antes dos 18 anos, segundo a médica do Instituto Nacional de Câncer Tânia Cavalcante, ao Estadão A suspensão da resolução da Anvisa no Supremo deixou o caminho livre para a indústria tabagista explorar o mercado do cigarro com sabor. Entre 2012 e 2016, houve um aumento de 1.900% nos registros de novos produtos do tipo na Anvisa. Os dados foram obtidos pela ONG ACT Proteção à Saúde, via Lei de Acesso à Informação.

CAMINHO LIVRE Os baixos registros em 2013 poderiam ser justificados pela indefinição criada pela resolução da agência.

O que a indústria do tabaco argumenta

O pedido da CNI pela suspensão da resolução da Anvisa no STF se apoia sobretudo no argumento de que uma agência reguladora não pode criar normas, e que a resolução é inconstitucional. Segundo a CNI, a Anvisa não tem o poder de decidir o que um cidadão pode ou não consumir, mesmo que lhe faça mal. Segundo o argumento, apenas o poder Legislativo poderia criar uma lei que restrinja direitos (no caso, o direito de fumar cigarros mentolados). Em artigo publicado em agosto no Jota, a advogada Carolina Barros Fidalgo escreve que “não se pode confundir as competências para a avaliação do risco à saúde relacionado ao consumo de tais produtos e para a gestão desse mesmo risco”. A Anvisa poderia fazer o primeiro, mas não o segundo. Fidalgo ainda escreve que o objeto da proibição da Anvisa (os aditivos que dão sabor) não são exatamente os produtos que fazem mal, e portanto não se enquadram “perfeitamente no permissivo legal de proibição de produtos que gerem ‘riscos iminentes à saúde’”.

O doutorando em direito Matheus Meott Silvestre responde, no mesmo artigo do Jota, que a função das agências reguladoras não pode se limitar à fiscalização da lei. Segundo ele, desde 1996 as agências têm “o objetivo de compartilhar o poder decisório [com o Legislativo], trazendo elementos técnicos para a racionalidade decisória”. A ministra da Advocacia-Geral da União (AGU), Gracie Mendonça, defendeu a decisão da Anvisa, dizendo que “há um consenso mundial de se ter a necessidade de banimento não do uso do cigarro, mas do banimento de aditivos que encerram sabores”.

O que é a Anvisa A Agência Nacional de Vigilância Sanitária é um órgão ligado ao SUS (Sistema Único de Saúde). É função do SUS adotar medidas de promoção à saúde, além de agir em três frentes de cuidado à população: controle de vetores, educação sanitária e vigilância em saúde. A Anvisa é uma das instituições que o SUS tem à disposição para promover seu cuidado à saúde da população, ajudando a eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde. Para isso, a Anvisa deve “intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde”, conforme lei federal de 1990. Em 1999, os produtos derivados do tabaco foram incluídos como bens de interesse da saúde e, dessa forma, devem ser regulamentados, controlados e fiscalizados. Cabe à Anvisa desenvolver esse trabalho, segundo o guia de ação da instituição referente ao tabaco.

Outros fumos além do cigarro

O narguilé, cachimbo d’água geralmente usado de forma compartilhada entre amigos, também seria afetado pela decisão da Anvisa. Isso porque as “essências” fumadas em sua estrutura contam com aditivos de sabor. É raro o uso do cachimbo para fumar tabaco puro. Além do mal à saúde causado diretamente pelo narguilé, pesquisas também mostram que o cachimbo é outra porta de entrada para o cigarro. Samir Soneji, professor do Instituto para Políticas de Saúde e Práticas Clínicas da Universidade de Dartmouth, nos EUA, publicou um estudo em 2015 afirmando que jovens que fumam narguilé ou usam “snus” (tabaco mastigável) são duas vezes mais propensos a provar cigarros. No Brasil, uma pesquisa conduzida pelo Inca (Instituto Nacional de Câncer) em três capitais do país (São Paulo, Campo Grande e Vitória) identificou que o narguilé é a forma preferida de jovens entre 13 e 15 anos de consumir tabaco sem ser fumando cigarros. Em São Paulo, a preferência chega a mais de 93% dos adolescentes.


Mais informações em: http://bit.ly/STFnexo




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