'Abstinência como meta é caminho mais eficiente', diz especialista em tratamento de abuso de drogas

13.05.19


Audrey Furlaneto, O Globo

RIO — A psicóloga Sabrina Presman vê com bons olhos a nova Política Nacional sobre Drogas (PNAD), que defende a abstinência para o tratamento de dependência química e foi publicada em decreto pelo governo federal, em abril.

Diretora de uma clínica particular de atendimento psiquiátrico em Botafogo, no Rio, e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), entidade que existe há 40 anos e reúne 600 associados, ela afirma que não existe uma estratégia universal para recuperar dependentes químicos, mas diz que o modelo proposto pelo governo é o mais eficaz. “Se o paciente não está motivado a parar, a gente incentiva a redução de danos. Mas a abstinência é sempre a meta final.”

O decreto do governo Bolsonaro veio na sequência de uma injeção de recursos federais em comunidades terapêuticas católicas e evangélicas que também preconizam a abstinência — e não o modelo da redução de danos, um conjunto de estratégias que busca diminuir riscos a que estão expostos os dependentes químicos.

Como a Abead vê a nova Política Nacional sobre Drogas?

A dependência química é uma doença multifatorial. Não existe uma estratégia única, ou que sirva para todo mundo. Uma política de drogas que amplie as opções de tratamento, que inclua Caps (Centros de Atenção Psicossocial) , comunidades terapêuticas... O que a nova política traz é uma possibilidade, ou seja, a abstinência como meta, mas isso não exclui totalmente a redução de danos.

Mas a ênfase está na abstinência, certo?

Sim, mas estão mantidas, por exemplo, estratégias como a troca de seringas, de terapia de substituição de opioides, testagem de HIV (métodos de redução de riscos para usuários de drogas ). A política da abstinência exclui a redução de danos como meta, mas pode usar estratégias desse modelo. O debate virou uma coisa ideológica, como se fosse isso ( abstinência ) contra aquilo ( redução de danos ), quando na verdade a questão é sobre a estratégia de que o paciente precisa. Às vezes você tem que lançar mão de um tratamento ambulatorial... Hoje, a comunidade terapêutica é a única unidade que interna a dependência química, já que não existem leitos psiquiátricos na rede pública.

Na verdade, só no município do Rio de Janeiro, existem 54 leitos de saúde mental só em hospitais gerais, além de 36 leitos em Caps, entre outros.

Isso não é a realidade da maior parte dos municípios e não atende a demanda.

O que a senhora acha do fato de o governo subsidiar comunidades terapêuticas para tratar dependentes químicos?

Primeiro precisamos perguntar por que (o decreto) foca muito em comunidade terapêutica. Porque não tinha opção de internação, não tinha leitos além de atendimento em Caps. Agora, com o decreto, você mantém o tratamento em Caps e em redes de ajuda, mas você dá uma oportunidade de internação. Aí, a possibilidade que a política colocou foi em comunidade terapêutica. Óbvio que o que é preconizado é que você tenha profissionais de saúde capacitados, especialistas em dependência de drogas. O que vai se precisar fazer nas comunidades é capacitar e fiscalizar, manter um monitoramento. Acredito que a redução de danos pode ser uma estratégia para chegar à abstinência, e ela funciona para aquela população que não quer parar de usar drogas, que ainda não está num estágio de motivação para a abstinência. Pensando de uma forma geral em recuperação, a abstinência é muito mais efetiva.

Essa melhora na qualidade de vida não é possível com a redução de danos?

O nome redução de danos diz o que é: diminuir os riscos à saúde de quem usa drogas. É usar estratégias para diminuir os riscos que a pessoa tem mesmo com o uso contínuo. Se você põe isso como política, você não visa à abstinência. Mas o contrário não é verdadeiro, entende? Se você visa à abstinência, você pode, no caminho, ir reduzindo dano. Um sujeito está em uso de drogas, mas você não vai deixar que ele tenha outros comportamentos de risco.

Segundo dados do Advanced Recovery System, entre 60% e 90% dos dependentes de álcool não conseguem se manter abstinentes. Por isso, especialistas defendem que ter a abstinência como meta pode distanciar pacientes do tratamento. Como vê isso?

Na nossa visão, não precisa funcionar assim. A meta final é a abstinência e, no caminho, usa-se a estratégia necessária para o paciente, como a dos passos, por exemplo, como se pratica nos Alcoólicos Anônimos. Às vezes é ambulatório, às vezes é internação. Se o paciente não está motivado a parar, a gente incentiva a redução de danos. Mas a abstinência é sempre a meta final; no caminho, posso usar a redução de danos.

Não vê um conflito de interesses ao defender a abstinência e ser diretora de uma clínica particular de tratamento psiquiátrico?

Não vejo assim. Na clínica, utilizamos diferentes estratégias para atingir o melhor para cada paciente, entre elas abstinência. Mas também usamos redução de danos, ambulatório e outras estratégias que forem necessárias para cada um dos indivíduos.

O ministro da Cidadania, Osmar Terra, disse que existe uma epidemia de drogas no Brasil. Porém, há pesquisas que indicam que o consumo de maconha, por exemplo, é baixo se comparado ao consumo de álcool.

De fato. As drogas lícitas realmente têm uma prevalência maior, até pela acessibilidade. É um mercado com propaganda, estimulado, aberto. Mas não é porque a bebida e o álcool têm maior prevalência que maconha, cocaína e crack não sejam uma problema para o país. Não dá para comparar uma coisa à outra.

https://oglobo.globo.com/sociedade/abstinencia-como-meta-caminho-mais-eficiente-diz-especialista-em-tratamento-de-abuso-de-drogas-23660561




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