Quantos cigarros os não fumantes consomem por dia, apenas respirando

27.04.18


Nexo

Escapamento de carro

A poluição do ar nas cidades é chamada de “assassina invisível” pela Organização Mundial da Saúde. Por ano, a agência de saúde da ONU estima que mais de 3 milhões de pessoas morrem em razão das más condições do ar. Esse dado se justifica por outro: 92% da população mundial vive em lugares que não atendem os níveis de qualidade de ar considerados adequados pelo órgão.

Embora esteja longe da situação caótica observada em lugares como China (1 milhão de mortes/ano por poluição, dados de 2012) e Índia (621 mil mortes/ano), o Brasil é o pior da sua região nesse quesito, em números brutos. Enquanto por aqui mais de 26 mil mortes são atribuídas às más condições do ar, na Argentina (segundo país na lista) esse número é de 9,7 mil.

Se esses dados não fizeram soar nenhum alarme, os especialistas estão corretos em tentar sensibilizar as pessoas de uma forma mais impactante. Para isso, pesquisadores da Berkeley Earth – um centro de pesquisa americano voltado a estudos de clima e meio ambiente – decidiram apostar na comparação dos efeitos do ar poluído com os do cigarro.

Em uma pesquisa de 2015, os pesquisadores Richard e Elizabeth Muller criaram um método que relaciona a qualidade do ar em uma região com o equivalente em cigarros fumados pelos seus habitantes. Eles concluíram que um cigarro por dia equivale a consumir 22 microgramas/m³ de material particulado (PM 2.5), partículas finas emitidas por fontes poluentes. O nível seguro de material particulado, segundo a OMS, é 10 microgramas/m³.

“Essas partículas são pequenas o suficiente para entrarem fundo em pulmões e na corrente sanguínea, onde elas desencadeiam ataque cardíaco, derrame, câncer de pulmão e asma”, explicam os pesquisadores da Berkeley Earth.

A comparação permitiu aos envolvidos na pesquisa afirmar que, em um dia ruim em termos de poluição em Pequim, na China, era como se a sua população tivesse fumado o equivalente a 25 cigarros inteiros.

Fumantes involuntários

Fazendo uso desse método, uma equipe formada pelo designer brasileiro Marcelo Coelho e pelo desenvolvedor francês Amaury Martiny – ambos não fumantes – elaborou um aplicativo chamado “Shit! I Smoke” (“Merda! Eu fumo”, em tradução livre).

O aplicativo parte da localização do usuário para indicar o número de cigarros consumidos que correspondem à qualidade do ar local – futuramente será possível comparar os dados locais com o de outras cidades.

Cidade americana de Austin, no Texas; e o pólo industrial de Cubatão, em São Paulo

FOTO: REPRODUÇÃO CIDADE AMERICANA DE AUSTIN, NO TEXAS; E O PÓLO INDUSTRIAL DE CUBATÃO, EM SÃO PAULO

A ideia partiu do francês Amaury Martiny durante o tempo em que o desenvolvedor viveu na China. Na época, o país asiático se preparava para receber os Jogos Olímpicos em Pequim (2008). A capital crescia muito rapidamente. De cenários urbanos relativamente tranquilos e céu azul, Martiny observou uma notável piora na visibilidade em meio à cidade e um aumento no número de carros.

“A cidade mudou de cara logo antes de eu decidir me mudar. Não era possível viver lá realmente, o ar era horrível de se respirar, e eu não conseguia mais morar lá”, disse Martiny em entrevista ao site Citylab.

De acordo com o designer Marcelo Coelho, gaúcho de Porto Alegre que mora na França desde 2016, a comparação com cigarros foi feita para tornar o tema mais “tangível”.

Situação em Los Angeles (EUA); ao lado, região próxima a Nova Déli (Índia)

FOTO: REPRODUÇÃO SITUAÇÃO EM LOS ANGELES (EUA); AO LADO, REGIÃO PRÓXIMA A NOVA DÉLI (ÍNDIA)

“Quando alguém diz que São Paulo tem um PM de 65 hoje, isso não quer dizer nada pra 99% das pessoas. Mas quando se diz que tu estás fumando 2 cigarros por dia involuntariamente, a informação se torna bem mais relevante”, disse ao Nexo, ressaltando que a informação pesa ainda mais quando as pessoas se conscientizam que o efeito se estende a bebês e idosos, por exemplo.

Baixo monitoramento

As informações são obtidas por meio de estações de monitoramento de qualidade do ar oficiais. No entanto, no Brasil, o único estado que oferece dados registrados em tempo real é São Paulo, por meio da Cetesb – resultando em um quadro incompleto do país.

“Infelizmente na América Latina e na África os dados são bem pontuais. Esse é outro ponto que o app pode conscientizar (e de que só nos demos conta depois): a ausência de monitoramento nos países de terceiro mundo”, disse Coelho.

Mapa de monitoramento do ar brasileiro se resume às estações em São Paulo

FOTO: REPRODUÇÃO/BERKELEY EARTH MAPA DE MONITORAMENTO DO AR BRASILEIRO SE RESUME ÀS ESTAÇÕES EM SÃO PAULO

“Para o público brasileiro só funciona em São Paulo. Mesmo nas outras capitais não temos esses dados, algo que me surpreendeu bastante”, disse. “Em Pindamonhangaba [SP] tem uma estação, mas Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte, por exemplo, não [têm]”.

O aplicativo está disponível para download nas plataformas iOS e Android; e a documentação está livre no Github.




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