Tabaco destrói rendas de famílias brasileiras, ocupa áreas de produção de alimentos e agride Planeta

31.05.23


INCA

Fumantes brasileiros destinam, em média, 8% da renda familiar mensal para a compra de cigarros industrializados. Essa é uma das conclusões da análise de pesquisadores INCA sobre os dados da Pesquisa Nacional de Saúde, de 2019, apresentadas nesta quarta-feira, 31, durante o lançamento da campanha "Plante comida, não plante tabaco. Precisamos de comida, não de tabaco", tema deste ano do Dia Mundial sem Tabaco, mantido desde 1987 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O evento ocorreu no edifício-sede do INCA, no Rio de Janeiro

O problema causado pelo tabaco, porém, não está relacionado apenas com o enfraquecimento financeiro das famílias dos fumantes: estudo da ONG ACT Promoção da Saúde mostra que o tamanho da  área ocupada pela produção de tabaco é o mesmo que a de todos os vegetais produzidos no Brasil em conjunto (ou cerca de 357.230 hectares). Isso pressiona preços dos alimentos agrícolas e agrava a insegurança alimentar.

O diretor-geral do INCA, Roberto de Almeida Gil, também defendeu que é preciso garantir o aumento de áreas de cultivo de alimentos para enfrentar a insegurança alimentar. “A gente precisa entender que o Brasil voltou a ter fome: nós chegamos em 2013 a ter insegurança alimentar grave em 4,3% da população; voltamos em 2022 a ter 15,2%. Isso é muito grave”, avaliou.

Comida versus tabaco

A analista da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Bruna Pitasi, trouxe números absolutos do problema: “Chegamos a 33 milhões de pessoas como fome em 2022, e a desnutrição infantil e de idosos voltou a aumentar em 2020”. Ela mostrou ainda que pessoas mais vulneráveis (mulheres, negros e negras, além de moradores de zonas rurais) são as mais atingidas pela desnutrição. Por isso, a necessidade de que não sejam destinados recursos públicos à fumicultura. Para Pitasi, entre as formas pelas quais os governos podem apoiar a diversificação do cultivo estão os programas que conectam os agricultores aos compradores locais, como alguns conduzidos pela própria Secretaria.

Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas, aprovada em 2015, tem entre suas metas fome zero e agricultura sustentável, saúde e bem-estar, água potável e saneamento.  Assim, Mariana Pinho, coordenadora de Tabagismo da ACT Promoção da Saúde, destacou que “o tabagismo afeta negativamente o desenvolvimento sustentável, o capital humano, minando a produtividade econômica, erodindo o tecido social e sobrecarregando os sistemas de saúde”. Além disso, a receita fiscal obtida pelo governo com o tabaco é de R$ 12,23 bilhões, enquanto os gastos com tratamentos de saúde decorrentes do consumo direto e indireto do produto é de R$ 125,15 bilhões. Até por isso, para a coordenadora de Prevenção e Vigilância do INCA, Márcia Sarpa, “é preciso incentivar a diversificação e o plantio de comida, que todos nós precisamos”.

Porém, os desafios são muitos. Por exemplo, Stefania Schimaneski Piras, gerente-geral de Registro e Fiscalização de produtos fumígenos, derivados ou não do tabaco da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), relatou que, “por diversas vezes, associações de fumicultores e os próprios fumicultores indicam contrariedade e expressam preocupação com a regulamentação objeto da consulta [pública, feita pela Avisa à sociedade], pois alegam que o plantio do tabaco é sua única forma de sustento”. Para ela, o suporte às famílias precisa ter atenção especial, ao mesmo tempo em que novas possibilidades de plantio lhes são apresentadas.

Nessa direção, Socorro Gross, representante da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) no Brasil defendeu que “temos que discutir os estudos enganosos falando que as pessoas não têm outra coisa que fazer [em determinadas regiões rurais] além do cultivo do tabaco”. Ela ponderou que há muitas vitórias na luta contra o tabaco, mas que há retrocessos também.

Encontrar alternativas é urgente, se forem considerados os dados apresentados por Marcelo Moreno, coordenador do Centro de Conhecimento dos artigos 17 e 18 da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Fiocruz. Ele reforçou que os trabalhadores da cadeia produtiva do tabaco enfrentam doenças como a da "folha verde do tabaco" (nicotina que penetra pela pele), intoxicação por agrotóxicos, transtornos mentais, distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho e suicídios. Das pessoas intoxicadas por agrotóxicos na fumicultura, 12% são compostas por crianças e adolescentes. “Essa é uma evidência de que há trabalho infantil, apesar de vários falarem que não há [nas áreas de cultivo do tabaco]”.

Retomada

Há consenso que as ações não podem ser isoladas. “A gente compreende que trabalhar no combate ao tabagismo é uma ação multifatorial”, explicou Fernando Maia, coordenador-geral da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer do Ministério da Saúde. [Além da campanha deste ano], “há uma série de outras ações que estão no âmbito da atenção especializada”.

A chefe da Divisão de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco do INCA, Andrea Reisapresentou o tema da campanha deste ano, lembrando, entre outras coisas, que "349 milhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar em todo o mundo e que a cultura tabaco é responsável por 5% do desmatamento total do Planeta". Isso deve ser somado ao fato de que 1,3 milhão de crianças trabalham nas lavouras de fumo.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, que falou por transmissão on-line, enfatizou ser este um momento de recuperação de políticas de enfrentamento do tabaco. “Nós retomamos, com a liderança do Ministério da Saúde e com o papel crucial do INCA, uma agenda efetiva que coloque as ações de controle do tabagismo como fundamentais para a promoção da saúde e a prevenção de uma série de doenças relacionadas ao consumo do tabaco”, disse ela.

O diretor do Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Marinelson Batista da Silva, foi autor de uma das intervenções mais festejadas no evento porque marca uma nova posição institucional do governo: “Esse tema [plantar comida e não tabaco] vai ter muita importância como já teve no passado (...) Nós temos feito um esforço muito grande para que a população brasileira possa consumir comida saudável, comida de verdade e comida da nossa agricultura familiar. Por isso queremos nos engajar nesse tema”.

Danos ao orçamento familiar

O percentual de gasto mensal per capita com tabaco chega a quase 10% entre os fumantes de 15 a 24 anos e é ainda maior para aqueles com ensino fundamental incompleto, chegando a 11%. No recorte por sexo, os homens gastam 8,2% enquanto as mulheres dispendem 7,2% da renda.

Por região, os maiores gastos foram identificados no Norte e no Nordeste. O Acre é o estado com o maior comprometimento de renda (14%), seguido por Rio Grande do Norte, Pará e Tocantins (todos com 11%). Na região Sul, Paraná e Rio Grande do Sul registraram 8% e Santa Catarina, 7%. No Sudeste, o cenário é similar, com Rio de Janeiro e Minas Gerais na faixa de 8%, enquanto São Paulo e Espírito Santo atingiram 7%. Já o Centro-Oeste exibe os menores índices de comprometimento de renda, com Mato Grosso e Goiás atingindo 9% e Mato Grosso do Sul, 6%.

Premiação

A secretária-executiva da Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro da OMS para o Controle do Tabaco, Vera Luiza da Costa e Silva, discorreu sobre a trajetória da entidade, que assumiu este ano. Também houve a entrega do Prêmio Dia Mundial sem Tabaco 2023 da OMS para a Região das Américas. Os premiados foram o Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz, e a ACT Promoção da Saúde, por terem contribuído significativamente para as conquistas no controle do tabaco no Brasil e para a compreensão do impacto socioambiental do cultivo e produção de tabaco.

A solenidade foi apresentada por Diogo Alves, da Opas.

 




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