Litígios no Brasil: Aditivos
A Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa (RDC) 14/2012 regula o uso de aditivos em produtos de tabaco. A norma prevê a relação exaustiva de aditivos proibidos de serem utilizados em produtos de tabaco (art. 6º), assim como daqueles expressamente permitidos (art. 7º), e franqueou às empresas fabricantes apresentarem novos requerimentos, a qualquer tempo, para uso dos aditivos proibidos, mediante justificativa (§ 2º, art. 7º).
Essa resolução consiste em medida de prevenção ao tabagismo. Não há cigarro seguro para consumo, e a razão para a proibição de aditivos, como de sabor e aromas, é que eles aumentam a atratividade e palatabilidade de produtos do tabaco e, portanto, facilitam a iniciação ao tabagismo, principalmente entre crianças e adolescentes. Alguns aditivos aumentam a capacidade do produto causar dependência química.
A RDC 14/12 é fruto de um amplo processo de consulta pública, sob nº 25351.153402/2012-69, que contou com a ampla participação da sociedade civil, de especialistas da área da saúde e do setor regulado. Até a edição da norma, foram realizadas audiências públicas e reuniões abertas, com participação do público interessado e milhares de contribuições.
O pleito da indústria do tabaco para manter o uso de açúcar, sob o fundamento de ser necessário para recompor as perdas no processo de cura, foi acolhido pela Anvisa e o uso foi permitido nos termos do § 1º, do artigo 7º, da norma.
O devido processo legal foi observado de modo impecável, e a medida está embasada no artigo 9º da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco e nas diretrizes parciais para a sua implementação.
Apesar disso, fabricantes de produtos de tabaco e entidades sindicais representativas do setor judicializaram a medida, questionando a competência da Anvisa para a sua edição e até mesmo a sua constitucionalidade em diferentes instâncias do Poder Judiciário.
Supremo Tribunal Federal
ADI 4874
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4874) em novembro de 2012, em face da Anvisa, em que pretendia a declaração de inconstitucionalidade dos incisos III e XV do art. 7º da Lei nº 9.782/99 e dos artigos 6º e 7º da RDC 14/12.
Em setembro de 2013, a relatora Ministra Rosa Weber determinou a suspensão da vigência da RDC 14/12 no território brasileiro, medida que só foi revogada no julgamento da ação, em fevereiro de 2018.
Os pareceres da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Geral da República foram favoráveis à constitucionalidade da norma e à competência da Anvisa para sua edição.
A ACT foi admitida como amicus curiae e contribuiu com informações qualificadas para a defesa da RDC 14/2012 e da autoridade da Anvisa. Foram apresentados estudos, memoriais e sustentação oral realçando que a limitação do poder da Anvisa seria grave ameaça à saúde, pois retiraria a precaução para que crianças e jovens deixem de ser facilmente atraídos para o consumo de cigarros com sabores de balas e chicletes.
A ACT também apresentou pareceres de renomados juristas em defesa da competência da ANVISA para proibir o uso de aditivos, a saber: Virgílio Afonso da Silva, José Augusto Delgado e Luís Renato Vedovato.
Em fevereiro de 2018, o plenário do STF julgou improcedente a ADI 4874. Na decisão, o Supremo manteve a constitucionalidade da norma da Anvisa e reafirmou a autoridade da agência para a regulação de produtos nocivos à saúde.
Essa decisão retrata a opção da Corte Suprema do país pelo paradigma da saúde, além de representar uma grande vitória aos brasileiros e brasileiras de hoje e as futuras gerações. O STF reconheceu expressamente que o risco associado ao consumo do tabaco justifica a regulação prudencial desse mercado, em razão do interesse público na proteção e promoção da saúde.
O julgado ainda realçou que o valor jurídico da livre iniciativa deve conviver com limites disciplinados pelo Estado para a exploração de atividades privadas, de forma a compatibilizá-las com princípios, garantias, direitos fundamentais e proteções constitucionais, que, neste caso, é a proteção do direito à saúde (via controle do tabaco) e o direito à informação.
A decisão somente foi publicada um ano depois do julgamento, em fevereiro de 2019, e foram apresentados Embargos de Declaração pelas partes e pela ACT. Desde então, o caso está aguardando apreciação pela Ministra Rosa Weber.
Contudo, a decisão do Supremo não encerrou as ações judiciais então existentes à época do julgamento, e ainda permitiu o surgimento de dezenas de outras, em que a indústria do tabaco persiste em combater a RDC 14/2012.
No julgamento, foi mantida a constitucionalidade do art. 7º, III, e XV, in fine, da lei 9.782/1999 e julgados improcedentes todos os pedidos de declaração de inconstitucionalidade, garantindo pleno Poder de Polícia da ANVISA em matéria sanitária, e sua discricionariedade técnica para edição e formulação de atos normativos para viabilizar políticas públicas de saúde.
Única e especificamente em relação ao pedido de declaração de inconstitucionalidade dos artigos 6º e 7º da RDC 14/2012, o plenário decidiu que a improcedência do pleito não teria eficácia vinculante, por razão do quórum (vide item 12, da ementa).
Com isso, o debate segue acontecendo em cerca de 30 ações judiciais que tramitam pela Justiça Federal da 1ª Região. Dentre elas, merece destaque a ação em que foi julgado o Incidente de Assunção de Competência, que conferiu efeito vinculante da decisão que julgou improcedente a ação, em outubro de 2020, para todos os processos em tramitação pela Justiça Federal da 1ª Região.
Ação Sinditabaco Bahia
Apelação e IAC 0046408-58.2012.4.01.3300/BA
A ACT e o CEBES foram admitidos para atuar no processo como assistentes.
Ação Coletiva Declaratória de Nulidade de Ato Administrativo ajuizada pelo Sindicato da Indústria do Tabaco no Estado da Bahia (SINDITABACO/BA), para obter declaração de ilegalidade dos artigos 6º e 7º da RDC 14/12 da Anvisa.
A sentença, proferida em 2013, julgou a ação procedente, sob o fundamento de que não haveria lei em sentido formal para autorizar o implemento da RDC 14/12, e declarou nulos, por ilegalidade, os arts. 6º e 7º da RDC 14/12.
A ANVISA interpôs apelação, distribuída para a relatoria da Desembargadora Daniele Maranhão, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Antes deste caso ser julgado, o STF julgou improcedente a ADI 4874.
Diante desse contexto, em busca de segurança jurídica, maior celeridade e economia processual, em abril/2018, a Anvisa apresentou perante o TRF1 um Incidente de Assunção de Competência (IAC) - artigo 947, do CPC - para suspender as diversas ações sobre o mesmo tema, até que o caso fosse julgado, para evitar dispersão jurisprudencial.
Em outubro de 2020, por unanimidade, a 3ª Seção do TRF1 proferiu decisão que deu provimento à apelação da Anvisa, e julgou improcedente a ação. Foi reconhecida a legalidade/constitucionalidade da RDC 14/2012, na linha do entendimento do STF na ADI 4874; por força da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, que integra o direito positivo brasileiro; e porque o ato foi praticado nos limites da competência técnica da agência, e de acordo com suas funções institucionais.
Neste mesmo julgamento, foi admitido o IAC a fim de conferir força vinculante a este precedente em relação às demais ações que tramitam na Justiça Federal da 1ª Região.
Essa decisão, além de reafirmar a constitucionalidade da atuação da Anvisa na regulação sobre o uso de aditivos em produtos de tabaco, fortalece o aspecto técnico das decisões da agência, reforça a decisão do STF na ADI 4874, configura marco à saúde pública e é importante passo no caminho de concretização da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, no que se refere ao artigo 9º.
O sindicato autor deve recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.