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A HISTÓRIA DO TABACO
A América é o berço do tabaco. A população indígena que vivia nas Américas antes da chegada dos europeus mascava ou fumava tabaco em rituais religiosos. A folha era plantada em todo o continente e, com o comércio com os colonizadores, em pouco tempo espalhou-se pela Europa. Cinquenta anos depois de sua chegada ao velho mundo, fumava-se cachimbo em todo o continente, o que era um símbolo de civilização.
Pintores célebres de toda Europa dos séculos XVII e XVIII reproduziram personagens como reis, ministros e generais fumando ou aspirando rapé.
Ao chegar na Europa, o tabaco alterou imediata e dramaticamente o contexto da política econômica dos governos, tornando-se a maior fonte de renda dos cofres públicos. A Espanha, no começo do século XVII, mantinha grande parcela do comércio do tabaco na Europa e tentou estabelecer monopólio no continente, sendo contida pela Inglaterra e Holanda, que por anos dominaram as importações e exportações. Esses países, com colônias americanas, asseguraram o transporte de tabaco pelos seus navios cobrando pesadas taxas aos demais países. Empresas tornaram-se verdadeiras potências como a Companhia das Índias e a Virgínia Company, da Inglaterra.
O nome nicotina, por sua vez, deriva de Nicot. Jean Nicot, diplomata e estudioso francês, em 1560 introduziu o tabaco para ser colocado no nariz para a corte francesa. A planta do tabaco, nicotiana, também tem seu nome derivado de Nicot.
O tabaco chegou à Itália em 1561 por meio do Cardeal Prospero Santa Croce, que levou sementes fornecidas por Nicot. Foi cultivado no Vaticano, sendo chamado de erva santa ou divina. O cachimbo e o rapé se popularizaram nas igrejas, que passaram a ficar enfumaçadas com tantos fumantes, incluindo os padres e sacerdotes. A situação chegou a um ponto tão grave que o Papa Urbano VIII condenou os fumantes à excomunhão.
Portugal criou monopólio do tabaco em 1674, com legislação punindo o contrabando, a qual vigorou inclusive no Brasil até depois da independência. No Brasil colônia, o tabaco serviu de moeda forte no escambo de escravos do Congo, de Guiné e de Angola.
A partir do século XVIII, espalhou-se a mania de aspirar rapé, que reinou por uns 200 anos. Com a universalização do tabagismo, outras indústrias prosperaram. Muitos cachimbos eram feitos de materiais caros. Os nobres usavam tabaqueiras até de ouro cravejadas de diamantes. A indústria da ourivesaria miniaturizada, executada por artistas notórios, desenvolveu-se rapidamente. Alguns, os mais abastados, usavam uma tabaqueira por dia, possuindo centenas de tipos diferentes. No orçamento do casamento de Maria Antonieta com Louis XVI, constou verba de 38.205 libras para a aquisição de tabaqueiras. Napoleão, que restabeleceu a liberdade do plantio, fabricação e comércio do tabaco, presenteava todos os novos embaixadores com uma tabaqueira custando de 5 mil a 15 mil francos, conforme a importância do país. Quem não era nobre e não tinha dinheiro, usava o rapé deposto no dorso do polegar da mão, que flexionado forma uma fosseta triangular. Nos livros de anatomia é chamada de tabaqueira anatômica.
O charuto e o cigarro passaram a reinar a partir do século XIX. Sua popularidade entre os abastados simbolizava elevado status econômico-social.
O cigarro, no entanto, teve sua expansão por ser mais econômico, mais cômodo de carregar e usar do que o charuto ou o cachimbo. Paris foi invadida pelo cigarro em 1860. Nos Estados Unidos, houve verdadeira explosão na década de 1880, quando se inventou uma máquina que produzia duzentas unidades por minuto. Logo, surgiram máquinas produzindo centenas de milhões por dia. A primeira grande expansão mundial foi após a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918. Entretanto, sua difusão foi praticamente no sexo masculino. Entre as mulheres, o consumo cresceu após a Segunda Guerra Mundial, a partir de 1950, com o desenvolvimento das técnicas de publicidade.
A INDUSTRIALIZAÇÃO DO TABACO
A indústria de cigarros se consolidou a partir do final do século XIX, com a invenção da máquina de confeccionar cigarros em 1881. Entre 1904 e 1947, as empresas americanas de tabaco cresceram tão ou mais rapidamente que as de carros, com as marcas populares de cigarros. No Brasil, o chamado sistema integrado de produção de fumo foi criado pela British American Tobacco (BAT) – controladora acionária da Souza Cruz desde 1914 –, em 1918, na Região Sul. A BAT se tornou, no fim da 2ª Guerra Mundial, a maior fabricante de cigarros do mundo, expandindo-se principalmente na China.
No início do século XX surgiram diversas leis contra o tabagismo nos EUA, mas ao final da década de 1920 quase todas foram abolidas, porque as empresas conseguiram driblar as várias legislações, utilizando-se de várias estratégias pró-ativas e reativas. A estratégia do estímulo ao contrabando foi retomada em vários momentos da história da indústria fumageira, especialmente na década de 1990, quando surgiram denúncias sobre o caso, baseadas em documentos sigilosos das empresas. As leis meramente restritivas acabaram servindo para concentrar o setor, porque os pequenos fabricantes não suportaram a concorrência na busca de brechas na legislação.
Entre 1900 e 1950, as vendas de cigarros nos EUA deixaram de superar as do ano anterior em quatro ocasiões apenas, enquanto que entre 1950 e 1977 isso ocorreu sete vezes. Depois de 1964, quase todas as empresas do setor se dedicaram a operações tanto no exterior como no mercado interno. O governo dos EUA publicou, em 1964, um relatório de grande impacto na opinião pública e, em 1972, aprofundou a investigação sobre os riscos do tabagismo para a saúde, estabelecendo uma relação entre tabaco e várias enfermidades graves. Essas publicações do serviço público de saúde provocaram certo recuo nas vendas.
As mudanças ocorridas no ambiente organizacional das grandes corporações do setor da primeira para a segunda parte do século XX geraram estresse nas cúpulas das empresas, que reagiram de modo a intensificar estratégias de defesa de seu domínio (controle de informações vitais e busca de colaboração entre competidores tradicionais), estratégias de ataque (a busca de eficiência, acirrada competição nas áreas de inovação e segmentação dos públicos-alvo) e finalmente (ou simultaneamente) de criação de novos espaços (a diversificação dos investimentos em mercados externos, valorização da independência entre as empresas).
A diversificação de investimentos impulsionou o mercado na América Latina. Nessa região, entre 1950 e 1977, 77% das filiais das maiores corporações transnacionais (CTNs), como BAT e Philip Morris, foram adquiridas e não novas. A diversificação incluiu três fases: a) aquisição de empresas não relacionadas ao tabaco (de 1964 ao final dos anos 70); b) absorção e fusão, com declínio do valor das ações na bolsa de valores (especialmente durante os anos 80); c) duplicidade setorial: uma parte reconcentra-se no tabaco enquanto outra investe em novas aquisições (desde o fim da década 1980 e durante os anos 90).
As CTNs têm direcionado suas estratégias de marketing aos países ditos em desenvolvimento há décadas: a América Latina foi o maior alvo nos anos 60, os países recém industrializados da Ásia foram os primeiros alvos nos anos 80, e China e África – na década de 1990.
A PRODUÇÃO DE TABACO NO BRASIL
No Brasil, enquanto a produção de fumo no século XIX se caracterizava pela desconcentração – ainda que com o predomínio da Bahia sobre as demais regiões –, no século XX a crescente concentração na região sul foi a característica mais relevante. E foi no centro do Rio Grande do Sul, com a colonização alemã, que nasceu o núcleo que viria a ser atualmente “a capital do fumo”: Santa Cruz do Sul e sua microrregião. Em grande parte, o sucesso econômico-financeiro das empresas instaladas no país depende do chamado sistema integrado de produção de fumo, cujo propósito inicial era garantir a normalidade do abastecimento de matéria-prima para a fábrica de cigarros instalada no Rio de Janeiro.
Outro mecanismo do sistema integrado é a assistência técnica oferecida pelas empresas em troca da promessa de venda integral da produção, com exclusividade. O produtor se compromete primeiro moralmente, e, mais tarde (1993), contratualmente. As indústrias tomam as rédeas do processo produtivo à medida que mercantilizam e tecnificam o conjunto da atividade produtiva, fazendo com que as relações de mercado se deem no início do cultivo do tabaco e não apenas no momento da venda final.
O sistema integrado ganhou estabilidade também em função da definição antecipada dos preços mínimos a serem pagos aos produtores ao fim de cada safra. As empresas nacionais foram vencidas gradualmente pelas multinacionais, com apoio dos governos tanto do regime militar quanto dos governos civis, visando a abertura do mercado internacional ao fumo brasileiro.
Outro fator de reforço do sistema integrado foi a intensa urbanização ocorrida no Brasil durante a década de 70, que favoreceu o crescimento do mercado interno de cigarros em detrimento de outros derivados.
Com a expansão e consolidação do sistema integrado, a região sul tornou-se, nas décadas de 80 e de 90, parte do cenário global do comércio de tabaco, concentrando 95% da produção brasileira de folhas. O Brasil assumiu a liderança na exportação de tabaco no mundo desde 1993. De 1980 a 2003, aumentou em 70% a produção brasileira, assumindo a segunda posição em 2002, enquanto os Estados Unidos reduziram a sua em 50%, ficando em quarto lugar, logo atrás da Índia. O maior produtor continua sendo a China.
TABAGISMO E SAÚDE
O tabagismo ativo é considerado a principal causa de morte potencialmente evitável em seres humanos. Na composição de produtos fumígenos existem diversas substâncias tóxicas e muitas delas cancerígenas.
Na experimentação, onde se dá o primeiro contato com o fumo, é frequente a percepção de mal-estar, tontura, tosse, causados pelas substâncias irritativas presentes em cigarros e na fumaça de tabaco. Com a persistência no uso se desenvolve a tolerância e também a dependência ao cigarro.
A nicotina é uma droga psicoativa que atinge o cérebro em oito segundos após a primeira tragada. Ela é a grande responsável pela dependência, pois age sobre o sistema nervoso central e produz prazer, o que induz ao consumo e à perpetuação do ato de fumar.
Fatores psicológicos e sociais também são importantes neste processo, contribuindo para a complexidade e intensidade do quadro de dependência. Assim, com o uso regular de cigarros, estabelece-se um condicionamento que faz com que a pessoa passe a ter o fumo integrado à sua rotina. Além disso, o cigarro é também utilizado como um tipo de modulador de emoções, o que faz com que seu uso se amplie significativamente e não esteja associado apenas à necessidade fisiológica de reposição periódica da droga.
Daí a dificuldade que muitos fumantes têm ao parar de fumar. Além de enfrentarem sintomas de abstinência, precisam aprender a viver sem o cigarro, em geral após anos de tabagismo.
Apesar de ser um desafio, a cessação é determinante para a saúde do fumante. Existem dezenas de doenças tabaco-relacionadas, ou seja, causadas ou agravadas pelo fumo, e muitas delas são letais.
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90% dos casos de câncer de pulmão ocorrem em tabagistas
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Doenças como infarto do miocárdio e AVC (derrame), que lideram estatísticas como principais causas de morte, são diretamente afetadas pelo tabagismo
Justificam-se, portanto, os esforços em desenvolver medidas de apoio à cessação do tabagismo. Aliados à determinação pessoal, os tratamentos hoje disponíveis (combinando medidas farmacológicas e não-farmacológicas) podem contribuir para o abandono definitivo do cigarro.
Parar de fumar é possível. Vejam dicas no nosso folder.
SÓCIO-AMBIENTAL
Um novo horizonte para o controle do tabaco – aspectos socioambientais da fumicultura
O tabaco é hoje considerado pandemia e prioridade da saúde pública mundial, a principal causa de morte evitável, responsável por um em cada 10 óbitos em adultos, o que representa cerca de 5 milhões de mortes ao ano e projeta um cenário de 10 milhões de mortes ao ano em 2020 (OMS, 2007a). Produtos que prejudicam vidas ou levam à morte seus consumidores quando utilizados conforme recomenda o fabricante não possuem espaço em uma sociedade civilizada, e o tabaco jamais poderia ser introduzido hoje no mercado, dadas as regulamentações de consumo existentes, se não estivesse estabelecido mundialmente entre populações substancialmente dependentes (OMS, 2007b).
Os níveis de prevalência do tabagismo tem direcionado os esforços de diferentes programas de controle do tabaco para a redução da demanda e cessação do consumo. Todavia, existem aspectos sociais e econômicos ligados aos impactos socioambientais dessa cadeia produtiva que precisam ser contemplados pelas políticas de controle do tabaco. O tabaco contribui para o empobrecimento de indivíduos e suas famílias porque usuários estão propensos a sofrer de doenças e perdas de produtividade e renda; e, também contribui para doenças e pobreza nas famílias envolvidas no plantio e beneficiamento do tabaco (UN ECOSOC, 2006).
A indústria do tabaco explora os fumicultores contribuindo com sua sobrecarga de débitos, enquanto se utiliza da difícil situação econômica deles para argumentar contra esforços de controle do tabaco (Mackay & Eriksen, 2002). A presença das grandes corporações transnacionais do tabaco cria situações de alienação que escapam à regulação local ou nacional em todos os domínios da vida, influenciando o comportamento da moeda, do crédito, do gasto público e do emprego, incidindo sobre o funcionamento da economia regional e urbana, por intermédio de suas relações determinantes com o comércio, a indústria, os transportes e os serviços (Santos, 2003).
Os contratos do sistema de integração rural da fumicultura funcionam feito um regimento com regras definidas unilateralmente pelas fumageiras, num modelo que sugere inúmeras facilidades e conveniências apresentadas como vantagens, principalmente, para os agricultores descapitalizados. As indústrias do setor controlam o sistema de classificação das folhas de fumo, onde conseguem reduzir o valor pago ao rebaixar a pré-classificação feita pelo fumicultor e sua família, amarrando-o num ciclo de endividamento, dependência e subordinação. Um olhar sobre as condições de vida, a liberdade de fazer escolhas que define o que é viver bem e o acesso aos bens materiais e culturais que a sociedade capitalista é capaz de produzir, indicam que os fumicultores encontram-se no cerne de uma sofisticada engenharia de produção agrícola que aprofunda as contradições entre capital e trabalho, através de mecanismos de reprodução, controle, homogeneização, individualização e normalização das relações socioeconômicas que as indústrias do tabaco comandam (Almeida, 2005).
Nesse contexto, a participação de crianças nas atividades rurais deixa de ser componente cultural de transmissão de valores do trabalho para a manutenção da posse da terra e sobrevivência e perpetuação do grupo familiar, para se constituir em componente econômico da força de trabalho necessária para o desempenho da atividade agrícola com o fumo. A Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio PNAD de 2001 indica que, dentre as crianças de 5 a 15 anos envolvidas em atividades agrícolas na região Sul do Brasil, 14% trabalham no cultivo do tabaco, uma atividade <
O emprego de mão-de-obra infantil apresenta-se mais grave quando confrontado com os problemas à saúde decorrentes da absorção transdérmica da nicotina em fumicultores, conhecidos como doença da folha do tabaco ou green tobacco sickness GTS. A toxidade causada ao sistema cardiovascular e carcinogenito por exposição dermal crônica à nicotina são possíveis de existir em plantadores não-fumantes de tabaco, pois esses mostram níveis similares de cotinina e nicotina a fumantes ativos da população em geral (Schmitt et al., 2007) . Apesar dos critérios de diagnóstico da GTS não se encontrem estabelecidos, a sintomatologia manifesta tonturas, dor de cabeça, náuseas, vômitos, e também incluem cólicas, dores abdominais, prostração, dificuldades respiratórias, dores musculares e, ocasionalmente, variações de pressão sangüínea e batimentos cardíacos (Arcury et al., 2003). Também a prevalência de altas sintomatologias associadas à exposição a agrotóxicos organofosforados e carbamatos entre fumicultores é fator de risco ligado à atividade, e que pode estar ligado à elevada incidência de morbidade auto-referida e casos de depressão nas regiões fumicultoras (Trapé & Botega, 2006).
Além de jogar com a vida das crianças (Semu-Banda, 2008), as grandes corporações transnacionais do tabaco projetam o impacto mortal de cigarros como lixo pós-consumo também a um outro lado da história. Antes de ser enrolado e empacotado, o tabaco já causa diversos danos a vidas humanas e a natureza (Farrell, 2007). Estudos apontam que há casos em que situações de exposição a agrotóxicos escapam ao âmbito ocupacional e convertem-se em problemas de contaminação ambiental (Romo & Alvarez, 2002). A tendência mundial de expansão da produção e manufatura de tabaco em países em desenvolvimento (Mackay & Eriksen, 2002) faz clara a desigualdade social na exposição aos riscos socioambientais decorrentes dessa atividade, regida por uma lógica que extrapola a racionalidade abstrata das tecnologias (Acselrad, 2002).
Os mecanismos por meio dos quais maiores cargas de danos ambientais são destinados a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e vulneráveis revelam uma injustiça ambiental incita das sociedades desiguais (Acselrad, 2000). E, a fumicultura configura manifestação visível da injustiça e irresponsabilidade socioambiental de empresas e governos. Dado o espectro de agudas desigualdades sociais, a exposição desigual aos riscos químicos envolvendo o uso de agrotóxicos acaba obscurecida e dissimulada pela extrema pobreza e as péssimas condições gerais de vida a ela associadas; o que confunde o desprezo pelo espaço comum e meio ambiente com o desprezo pelas pessoas e comunidades, feito demonstra a alta incidência de suicídio dentre os fumicultores de Venâncio Aires, município do Vale do Rio Pardo/RS (Herculano, 2002).
Uma análise dos diversos indicadores que compõem o Índice de Desenvolvimento Humano IDH (expectativa de vida, taxa de alfabetização, taxa de frequência escolar e renda per capita), mostram que as principais áreas produtoras de fumo na região Sul apresentam média abaixo do índice estadual; e, inclusive, a taxa de frequência escolar e renda nos municípios onde predomina a atividade agrícola com o fumo são inferiores à dos municípios onde não se produz tabaco (Bonato, 2007). Isso mostra que a expansão e desenvolvimento do comércio agrícola em grande escala, com mudanças nos sistemas de produção, suporte de políticas públicas e uma crescente transnacionalização do setor agrícola favoreceu os modernos setores dominantes da agricultura latino-americana em detrimento das maiorias camponesas (Chonchol, 1986).
Nesse contexto, a agricultura camponesa e familiar vinculadas à fumicultura é repleta de contradições próprias de realidades socioeconômicas precárias, em que a livre iniciativa se confronta com o valor social do trabalho. Aprofundam-se os elos de dependência e sujeição do pequeno agricultor aos arranjos produtivos de alta densidade técnica-científica-informacional das fumageiras, que transpassam e malogram regulações e ordenamentos jurídicos locais, alimentando um imaginário de legalidade, onde negócios e direitos humanos (business & human rights) precisam ainda encontrar uma equação que pondere seus principais fatores.
É preciso que se abra um novo horizonte para o controle do tabaco, uma abordagem mais compreensiva da ligação entre a demanda e a produção que alimenta os índices de prevalência do tabagismo mundo afora. Uma abordagem que auxilie a incorporar na agenda das políticas públicas e programas de controle do tabaco também os aspectos socioeconômicos, os problemas de saúde, os impactos socioambientais e a exploração do trabalho infantil verificados na fumicultura. Enfocar as iniciativas de controle do tabaco tão só na redução da demanda pode representar um cálculo desumano e uma eleição maniqueísta de valores prioritários em matéria de direitos humanos, quando já é bem conhecida sua indivisibilidade e interdependência.