A destruição da Amazônia e o subsídio aos refrigerantes

13.09.20


Nexo

Ao longo de 300 mil anos, o Homo sapiensdesenvolveu estruturas altamente complexas para se adaptar e sobreviver em um meio que passou por inúmeras transformações. Chegamos a imaginar que havíamos alcançado o controle integral sobre a natureza e passamos a ver o meio ambiente como um provedor inesgotável de recursos, a serviço de modos de vida altamente desiguais e baseados no hiperconsumo. 

De algumas décadas para cá, algo começou a falhar. Pesquisas científicas mostram que, caso nada seja feito, o planeta se encaminha para um colapso ambiental de diversas dimensões, da perda de biodiversidade às mudanças climáticas, em um contexto de ameaça às condições de vida e de segurança alimentar das populações. 

A pandemia do novo coronavírus mostrou que limites foram ultrapassados. Torna-se fundamental olhar para o paradoxo da cadeia produtiva dos alimentos que, ao mesmo tempo em que garante comida para a humanidade, também representa, por conta do modelo produtivo, uma das principais ameaças à própria sobrevivência da espécie. 

O caso brasileiro é exemplar. Somos um dos principais produtores de alimentos do mundo. Temos a Amazônia e o cerrado, importantes biomas produtores de carne e grãos, sistematicamente atacados por desmatamentos, queimadas, contaminação por agrotóxicos, destruição de territórios indígenas e produção de alimentos que fazem mal à saúde. 

COM O VALOR QUE AS EMPRESAS DE REFRIGERANTES DEIXAM DE PAGAR, TODOS OS ANOS, SERIA POSSÍVEL COMPRAR 60.465 RESPIRADORES MECÂNICOS PARA DOENTES DA COVID-19

Dados do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) mostram uma dramática ampliação dos desmatamentos em 2020. As queimadas serão as maiores desde 2007. A Amazônia nunca esteve tão ameaçada como agora. 

Por mais surpreendente que possa parecer, as maiores empresas de alimentos do mundo têm grande responsabilidade pela devastação da Amazônia. Além da pecuária, um importante vetor de desmatamentos, outras cadeias merecem atenção. 

A produção de açúcar para a fabricação de refrigerante está historicamente vinculada a ações criminosas: ocupação ilegal de terras públicas, operações industriais em desacordo com a legislação, ameaça aos povos tradicionais, contaminação ambiental por queimadas, uso irresponsável de agrotóxicos. 

O xarope de açúcar fabricado na Amazônia, usado pela indústria de refrigerantes em todo o Brasil e em mais cinco países da América do Sul, tem um elemento chocante: tudo é feito com subsídios governamentais, graças a uma série de manobras fiscais envolvendo isenções tributárias na Zona Franca de Manaus. Isenções que, fora da Amazônia, geram créditos tributários, graças a brechas fiscais que envolvem, segundo apuração da Receita Federal, a compra superfaturada de xarope de açúcar por empresas engarrafadoras instaladas em todas as regiões do Brasil. 

A manobra permite que as empresas de refrigerantes deixem de pagar, todos os anos, R$ 3 bilhões em impostos — estimativa feita a partir de dados da Receita Federal. É possível imaginar, por exemplo, o quanto esse valor seria útil para ajudar a sociedade brasileira a enfrentar uma das maiores crises econômicas de sua história, causada pela pandemia do coronavírus. 

Seria possível, por exemplo, depositar uma parcela do auxílio emergencial para nada menos do que 5 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade. Ou seria possível comprar 60.465 respiradores mecânicos para tratar doentes da covid-19, caso seja levado em conta o valor recentemente pago pelo governo federal na aquisição de aparelhos. Também seria possível alocar mais recursos para o Programa de Aquisição de Alimentos, que atualmente enfrenta graves dificuldades para expandir o combate à fome em todo o Brasil. Ou ainda para o Programa Nacional de Alimentação Escolar.

Apesar de todos os subsídios, esse setor é um dos maiores fraudadores de impostos do Brasil. Uma única empresa engarrafadora, instalada na região Sudeste e que faz parte da mesma cadeia produtiva do xarope produzido na Amazônia, tem mais de R$ 1 bilhão em impostos não pagos, inscritos na Dívida Ativa da União. 

Dificilmente as empresas, que fazem parte dos conglomerados internacionais, fariam isso em seus países de origem, nos Estados Unidos e na Europa. 

É preciso zerar os créditos tributários para a indústria de refrigerantes. Isso levará à maior geração de impostos, mais dinheiro para investir em educação e saúde, mais cuidado com os recursos naturais, maior proteção à Amazônia e os povos que nela habitam. Também é preciso considerar as questões referentes aos males à saúde que os produtos dessas empresas causam, de acordo com dezenas de estudos científicos: obesidade, que pode levar à diabetes, hipertensão, câncer e outras doenças. 

O mundo atual não deveria aceitar mais conviver com cadeias produtivas predatórias. Passou da hora de o setor de refrigerantes andar com as próprias pernas, sem destruir a Amazônia, sem incentivos imorais e sem fraudar impostos. 

Paula Johns é socióloga e diretora-geral da ACT Promoção da Saúde.

Adriana Ramos é comunicadora, coordenadora do Programa de Política e Direito do ISA (Instituto Socioambiental).

Marques Casara é pesquisador, diretor-executivo da Papel Social.

https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2020/A-destrui%C3%A7%C3%A3o-da-Amaz%C3%B4nia-e-o-subs%C3%ADdio-aos-refrigerantes




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