A principal causa de morte relacionada ao álcool que ainda é pouco conhecida (pode ser tratada se for descoberta a tempo)
09.03.24O Globo
A doença hepática relacionada ao álcool é a principal causa de morte devido ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas. E, embora seja curável nos estágios mais iniciais, muitas pessoas não percebem que a têm até que seja tarde demais para reverter.
As mortes anuais causadas pela doença estão aumentando nos Estados Unidos, tendo subido 39% nos últimos anos, de acordo com novos dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças. As taxas de mortalidade são mais altas em homens e adultos com idade entre 50 e 64 anos, embora estejam aumentando mais rapidamente entre mulheres e adultos mais jovens.
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— As pessoas estão bebendo mais pesado do que antes, então acho que esse é o maior fator — diz Jessica Mellinger, professora assistente de gastroenterologia e hepatologia na Escola de Medicina da Universidade de Michigana. — E estamos vendo pela primeira vez neste país que as mulheres estão bebendo tanto quanto os homens.
O que é doença hepática relacionada ao álcool?
O primeiro estágio da doença é a esteatose hepática, ou esteatose. Isso ocorre quando a gordura começa a se acumular no fígado, que é responsável por metabolizar o álcool. Na segunda fase, o consumo excessivo de álcool ativa o sistema imunológico do corpo, causando inflamação no fígado.
— Os dois principais modos de danificar o fígado são colocando gordura nele e depois adicionando inflamação à gordura — revela Mellinger.
Se esse dano continuar, o tecido cicatricial pode se acumular no fígado, levando ao terceiro estágio, a cirrose. Aproximadamente 20% das pessoas com esteatose hepática relacionada ao álcool podem progredir para cirrose. No Brasil a prevalência geral de esteatose está estimada em 18%.
Algumas pessoas também desenvolvem hepatite associada ao álcool, que é uma inflamação severa do fígado. Isso ocorre mais frequentemente em pessoas com cirrose, mas pode ocorrer em qualquer estágio se as pessoas estiverem bebendo muito (oito a dez doses por dia). Tanto a cirrose hepática quanto a hepatite associada ao álcool podem ser fatais.
Quais são as causas?
O risco de doença hepática relacionada ao álcool aumenta quando as pessoas bebem mais do que os limites recomendados: sete doses por semana para mulheres e 14 para homens. Ele aumenta substancialmente para mulheres que consomem regularmente mais de três doses por dia e homens que ingerem mais de quatro doses por dia. (Porque as mulheres metabolizam o álcool de forma diferente dos homens, elas têm um maior risco de doença se beberem a mesma quantidade.)
Nesse nível de consumo de álcool, estima-se que 90% das pessoas tenham depósitos de gordura no fígado. A gordura pode começar a se acumular rapidamente, "em alguns casos, após apenas seis meses de consumo pesado", explica o chefe de gastroenterologia e hepatologia na UC San Diego Health, Rohit Loomba.
A cirrose leva anos ou décadas para se desenvolver. Como resultado, doenças hepáticas graves são mais comuns em adultos mais velhos, no entanto Deutsch-Link conta já ter visto jovens de 20 anos com cirrose ou hepatite associada ao álcool.
Condições metabólicas, como obesidade, diabetes ou hipertensão, também podem danificar o fígado. Isso coloca as pessoas "em maior risco de progredir para doença hepática mais rapidamente com níveis mais baixos de consumo de álcool", conta Deutsch-Link. O agravamento da saúde metabólica entre os americanos pode ser outra razão para o aumento das mortes por doenças hepáticas relacionadas ao álcool.
Quais são os sinais de dano hepático?
Não há sintomas nos estágios iniciais da doença hepática relacionada ao álcool, o que dificulta a identificação.
— A maioria das pessoas que podem estar a caminho de desenvolver cirrose nem sequer sabe disso — afirma Loomba.
Quando as pessoas são diagnosticadas nos dois primeiros estágios, geralmente é porque exames de sangue revelaram função hepática anormal. Esses testes podem ser realizados como parte da triagem metabólica de rotina, ou um médico pode recomendá-los se estiver preocupado com o consumo de álcool de um paciente. Se os níveis de enzimas hepáticas de alguém estiverem anormais, uma ultrassonografia ou ressonância magnética pode determinar em que estágio a pessoa está.
Muitas vezes, a doença hepática é detectada apenas quando sintomas alarmantes aparecem nos estágios finais. Um paciente pode ter líquido significativo e inchaço no abdômen, começar a vomitar sangue ou desenvolver icterícia (pele amarelada).
Como a doença hepática relacionada ao álcool é tratada?
Como o fígado pode se regenerar, os dois primeiros estágios mais iniciais da doença hepática podem ser revertidos se o paciente cortar o álcool.
— A coisa mais importante para esses pacientes é parar de consumir álcool — indica Deutsch-Link.
Para ajudar na tarefa, muitas clínicas hepáticas oferecem tratamento para transtorno do uso de álcool, incluindo terapia, programas em grupo ou medicamentos para reduzir os impulsos.
Depois que alguém tem cirrose, "na maioria das vezes, isso é considerado irreversível", ressalta Robert Wong, professor de gastroenterologia e hepatologia na Escola de Medicina da Universidade de Stanford.
— E uma vez que você chega à cirrose, está em risco muito maior de complicações, progressão, câncer de fígado e, é claro, morte, infelizmente — complementa.
No entanto, Loomba observa que, mesmo com cirrose, se as pessoas pararem de beber, "o risco de morrer da doença no próximo ano diminui significativamente".
Se você está preocupado com a saúde do seu fígado, os especialistas disseram que o primeiro passo é conversar com um médico e perguntar sobre os testes de função hepática. O objetivo é detectar quaisquer problemas o mais cedo possível.