Contrabando de cigarros paraguaios alimentou corrupção no Brasil investigada pela Lava Jato

03.05.20


G1, Fantástico

Em março, antes das medidas de isolamento social, os repórteres Pedro Bassan e Arthur Guimarães acompanharam operações de repressão ao contrabando de cigarro do Paraguai. Eles registraram como os bandidos entram no Brasil com a carga ilegal: em comboios que cruzam as estradas em altíssima velocidade, e que têm até dispositivos pra espalhar fumaça, na tentativa de despistar a polícia. O dinheiro desse megaesquema criminoso abasteceu a corrupção investigada pela Lava Jato.

A repressão ao contrabando de cigarros paraguaios no Sul do Brasil virou rotina. Perseguições em alta velocidade são constantes. São comboios de carros preparados para o crime na nova rota do contrabando no Paraná, na região da fronteira com o Paraguai. Nas primeiras apreensões, até a polícia se surpreendeu com o que viu.

A primeira vista, parece um carro comum, mas as mudanças começam no motor, capaz de sustentar uma velocidade de mais de 200km/h. Por dentro, ele é totalmente transformado pelos contrabandistas, que deixam só o banco do motorista e um espaço vazio capaz de levar até 40 caixas de cigarro. Antes os bandidos só fugiam. Agora eles enfrentam os policiais. Criaram uma máquina de fumaça, que em poucos segundos simplesmente desaparece.

Lançando fumaça, os bandidos até furam pedágios. O crime é cada vez mais veloz. Muda de região e de métodos.

“Houve um aumento da repressão em Foz do Iguaçu, as quadrilhas mudaram aqui pra região de Guaíra, onde tava mais tranquilo e onde a fiscalização era mais fraca”, explica um delegado da Polícia Federal.

Lanchas de alta velocidade que chegam a 150 km/h cortam o rio Paraná e deixam um rastro de medo e violência. Em 2019, cerca de 300 barcos carregados de cigarro vinham todas as noites do Paraguai. Os valores aproximados chegavam a R$ 40 milhões por noite em mercadorias ilícitas.

Para acabar com esse desfile do crime, foi montado um bloqueio no rio Paraná. Mesmo assim, bandidos continuam tentando atravessar o rio. A equipe do Fantástico flagrou uma perseguição.

Os policiais descobriram que muitos cigarros contrabandeados são da Tabacaria del Este, do ex-presidente do Paraguai Horácio Cartes. A maior parte do cigarro contrabandeado é produzida legalmente no Paraguai, em grandes fábricas, como a do ex-presidente. Lá o imposto sobre o tabaco é muito menor do que no Brasil. O crime é o cigarro entrar no Brasil clandestinamente.

As investigações demonstraram a ligação direta do contrabando de cigarros até mesmo com os principais crimes apontados na Operação Lava Jato.

“A corrupção precisa de canais para escoar o dinheiro que precisa ser ocultado. Esses mesmos canais são os canais utilizados pelo tráfico de drogas e pelo contrabando de cigarro”, explica o delegado da Polícia Federal.

Importante é acompanhar o caminho do dinheiro: as lojas paraguaias aceitam pagamento em reais. Esse dinheiro pode voltar ao Brasil em uma operação permitida por lei, conhecida como "importação de reais". Funciona assim: um banco paraguaio que tenha muitos reais de turistas brasileiros vende esses mesmos reais a um banco de lá. E envia as notas fisicamente -- de avião, por exemplo. Só que é impossível saber se todo esse dinheiro realmente vem do comércio oficial.

De acordo com o Ministério Público Federal, o próprio Banco Central apurou recentemente que existe uma disparidade muito grande entre o que é produzido de real no Paraguai pelo comércio regular e aquilo que efetivamente é importado para o Brasil. Isso leva à indução de que uma parte desses reais pode ter advindo de atividades ilícitas.

As investigações descobriram que o envio de reais era centralizado pelo banco da família de Horácio Cartes, o Banco Basa. Só em 2018, foram R$ 7 bilhões em cédulas vendidas para bancos brasileiros. Procuradores apuram se funcionários do Banco Central facilitaram a chegada do dinheiro do Paraguai.

No Brasil, segundo as investigações, a chegada do dinheiro do esquema era centralizada no Banco Paulista, apontado pela Lava Jato como uma grande fonte de dinheiro vivo em reais, inclusive para a Odebrecht e os políticos que recebiam propina da empreiteira.

O doleiro mais famoso da Lava Jato, Dario Messer, conhece os dois lados dessa fronteira. Segundo investigações da Lava Jato, Messer é sócio do ex-presidente Horácio Cartes numa fazenda do Paraguai. Mas, em 2018, quando estava foragido e mudava o visual pra tentar não ser reconhecido, Messer morou em outra fazenda, a do brasileiro Roque Silveira, que vive no Paraguai. Segundo inquérito da Polícia Federal na Lava Jato, "Roque Silveira está associado a crimes de contrabando de cigarros paraguaios" e "o sucesso no ramo de fabricação de cigarros alçou Roque Silveira a ser apelidado de zero um", tornando-o um dos empresários mais poderosos do Paraguai".

Do lado de cá da fronteira, cada apreensão é reposta por um novo carregamento de cigarros, numa gritante disparidade de forças entre a polícia e os bandidos. Na região de Guaíra, andar por uma estradinha rural não é um passeio tranquilo.

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2020/05/03/contrabando-de-cigarros-paraguaios-alimentou-corrupcao-no-brasil-investigada-pela-lava-jato.ghtml




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