Foie gras, queijo brie, salmão e chantilly: quem não paga imposto no Brasil

28.10.21


Bocado

Iniciativas como esta poderiam ser muito mais eficientes para mudar a relação tributária com a indústria do agronegócio e com a própria produção do alimento. “As políticas que incidem diretamente sobre o uso da terra fazem mais sentido do que políticas que atuam lá na ponta, no preço, onde você não vai discutir a relação com a agroindústria, com a produção, com a cultura alimentar, com o fato de o alimento ser produzido próximo de onde ele é consumido”, opina Francisco, que apoia a reformulação do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), responsável por apenas 0,11% da arrecadação da União.

Historicamente, o ITR é baixíssimo no Brasil, o que torna rentável manter latifúndios – muitas vezes, improdutivos. Entre janeiro e julho, o governo federal arrecadou apenas R$ 234 milhões com esse imposto – contra R$ 329 bilhões em imposto sobre a renda de pessoas físicas e empresas. “Um país com tantos latifúndios e que fala que o agronegócio é a âncora de sua economia.”

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) tem estudado as políticas tributárias adotadas no país com relação à cesta básica sob a perspectiva não apenas financeira, mas também nutricional. O Idec questiona a adoção da redução de impostos para a produção de certos itens em detrimento de outros mais saudáveis.

“A desoneração dos alimentos orgânicos é um caminho importante para a saúde da população e também para o planeta. Existe desoneração tributária para agrotóxicos, com redução de IPI, de ICMS. Isso cria uma incoerência grande no sistema tributário, que não apoia as escolhas alimentares saudáveis tanto para o consumidor quanto para a própria produção de alimentos de forma mais sustentável”, defende a nutricionista do Idec, Patrícia Gentil.

Em agosto deste ano, o Instituto apresentou a publicação Tributos, Consumo e Direitos, com uma análise sobre a Reforma Tributária em discussão no Congresso Nacional. Nela, o Idec faz a defesa de três pontos principais: a desoneração na produção de alimentos orgânicos, a redução do crédito tributário para bebidas adoçadas e a criação de um imposto específico sobre bebidas adoçadas, alimentos ultraprocessados e agrotóxicos.

Uma pesquisa encomendada pelo Idec ao Datafolha mostrou um aumento generalizado do consumo de ultraprocessados durante a pandemia, com destaque para a faixa etária de 45 a 55 anos, que demonstrou um aumento de 9% em outubro de 2019 para 16% em julho de 2020. Patrícia afirma que os estudos realizados pelo Instituto já mostravam uma tendência de aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, mas que a pandemia da Covid-19 trouxe elementos extras.

“Tem um conjunto de fatores que levam as pessoas a fazer essas escolhas: o preço, a acessibilidade, o apelo midiático, a hiperpalatabilidade dos alimentos. E tem a coisa da ‘facilidade’, que as pessoas começaram a trabalhar dentro de casa, sem tempo de fazer almoço, com as crianças dentro de casa. Então, o efeito isolamento social trouxe consequências ativas”, afirma. A aparente facilidade custa caro: uma pesquisa publicada no International Journal of Obesity concluiu que o consumo de ultraprocessados pode aumentar em 26% o risco de obesidade.

Outra possibilidade de tributação seria a reoneração dos itens da cesta básica e o envio desses recursos para programas públicos de redistribuição de renda, aquisição de alimentos, fortalecimento de produtos da agricultura familiar, ampliação dos restaurantes populares, criação de cozinhas comunitárias, distribuição de alimentos em creches, hospitais, clínicas, dentre outras possibilidades. Em um cálculo apresentado no Boletim Mensal sobre os Subsídios da União de novembro de 2018, a desoneração da cesta básica resultou em um gasto tributário de R$ 18,6 bilhões. O valor foi capaz de reduzir a desigualdade de renda em apenas 0,1%. Nesse quesito, a política se mostrou doze vezes menos eficiente que o Programa Bolsa Família.

 

No final de 2019, o governo apresentou uma proposta de Reforma Tributária que pretendia, entre outras coisas, substituir/unificar cinco diferentes tributos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com uma alíquota única de 12%. O curioso é que, com receio de causar uma disputa por recursos entre os estados, a proposta previa uma transição de 50 anos.

No final de 2020, o próprio governo implodiu o projeto e passou a mandar ao Legislativo micro propostas. Uma delas é a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que prevê a união de apenas dois tributos de competência da União: PIS e Cofins. Junto a essa proposta estava o fim da desoneração dos itens da cesta básica. O recurso recolhido seria revertido à população mais pobre por meio de acréscimos em programas já existentes, como o Bolsa Família.

“Se desonerar não barateia, onerar encarece. Essa é a grande perversidade da coisa. Em um contexto econômico de uma inflação absolutamente explosiva no preço dos alimentos, aumentar tributos é jogar gasolina no incêndio”, opina Francisco. Em julho deste ano, sem muitas explicações, o governo voltou atrás e retirou a proposta de reoneração dos itens da cesta básica. Assim como o ministro da Economia, Paulo Guedes, recuou rapidamente da ideia de acabar com o “crédito xaropinho”, como apelidou o esquema de tributação que favorece a indústria de refrigerantes.

 

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