Indústria financia maior parte de eventos sobre nutrição na América Latina e Caribe

10.11.20


NUPENS USP

Anualmente, diversos países recebem eventos regionais, nacionais ou internacionais de Nutrição. São ocasiões em que profissionais da área realizam e assistem apresentações, trocam ideias e fazem uma atualização de conhecimentos e práticas de seu campo de atuação.

Apesar de oportuno, este espaço de comunicação tem sido alterado por relações de conflito de interesses. Segundo uma nova pesquisa executada pelo Nupens, mais de 80% dos eventos voltados para profissionais da área de Nutrição na América Latina e no Caribe são patrocinados pela indústria de alimentos.

O estudo foi comandado por Mélissa Mialon e teve participação de Fernanda Rauber — ambas integrantes do Nupens. Outros 13 pesquisadores integraram o projeto em um esforço internacional que reuniu cientistas de diversos países das regiões analisadas.

“Os profissionais da alimentação devem dar informações imparciais à população”, diz Mialon. “Além do problema do conflito de interesses, patrocínios da indústria de alimentos nestes eventos trazem outros riscos”, analisa, citando a possibilidade de os profissionais não questionarem produtos e práticas da indústria — consciente ou inconscientemente.

Na pesquisa, o grupo de cientistas levantou dados sobre eventos relacionados a nutrição e dietética que ocorreram na América Latina e no Caribe nos anos de 2018 e 2019. Por meio da análise de informações públicas de patrocínio, os pesquisadores concluíram que agentes da indústria de alimentos patrocinaram 88% dos eventos.

O México e o Peru foram os países que mais registraram apoios financeiros de empresas do ramo alimentício. O estudo aponta que 92 organizações fecharam acordos de patrocínio, sendo a Nestlé e a Abbott as mais frequentes.

Falta de transparência

Uma das dificuldades do estudo está relacionada ao cerne de sua metodologia. A ideia era analisar apenas eventos que publicassem claramente a origem de seus patrocínios — escolha que acabou por eliminar diversos eventos do escopo da pesquisa, gerando um resultado potencialmente subestimado.

Mialon não acredita que a omissão de informações seja intencional. “Acho que os profissionais ainda não entenderam que a primeira etapa é a transparência. Não fazem o exercício de se perguntar sobre as parcerias, discutir com as associações e conselhos e, por fim, comunicar as decisões ao público.”

Segundo ela, os próprios dirigentes à frente das associações profissionais não costumam fazer as ligações entre suas relações com a indústria e os impactos negativos que estas parcerias podem causar na população.

Influência da pandemia

A situação tende a se intensificar com a pandemia de covid-19, que levou os eventos para o ambiente virtual e facilitou a realização de congressos, feiras e convenções. “Há pesquisas em curso sobre os eventos virtuais no Brasil. A indústria tem organizado seus próprios encontros — e continua a patrocinar conferências que, agora, não têm as mesmas necessidades financeiras que tinham em ocasiões presenciais”, diz Mialon.

A cientista lembra, por exemplo que o Congresso Mundial de Saúde Pública, que ocorreu em outubro, foi patrocinado por agentes da indústria farmacêutica, como a Sanofi. As conferências virtuais apresentam, no entanto, seu lado positivo. “A pandemia trouxe a oportunidade de dizer ‘Basta!’ aos patrocínios, já que, agora, organizar estes eventos sem o apoio financeiro da indústria ficou mais fácil.”

Para além da realização de eventos de maneira independente de conflitos de interesse, Mialon aponta que uma estratégia para reduzir a influência da indústria nos espaços de discussão é a criação de uma política interna. 

Neste caso, as diretrizes deveriam indicar profissionais ou instituições responsáveis pelo conteúdo transmitido (com foco na integridade científica), propor uma análise de riscos para financiamentos e fazer um controle sobre os materiais distribuídos no evento, entre outros cuidados.

Leia a íntegra do estudo (em inglês).

http://www.fsp.usp.br/nupens/industria-financia-maior-parte-de-eventos-sobre-nutricao-na-america-latina-e-caribe/




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