Menos fumos e mais alimentos

30.05.23


Valter Palmieri Jr. | O Globo

Quem não apoiaria a criação de uma política pública que conseguisse ao mesmo tempo contribuir para reduzir a insegurança alimentar, beneficiar a saúde pública e o meio ambiente, além de gerar maior segurança e renda para pequenos produtores rurais? Isso pode ser alcançado com incentivo para que os produtores de tabaco diversifiquem sua atividade no sentido de produzir mais alimentos variados e saudáveis para a população brasileira.

Menos fumo e mais alimentos. Essa troca é mais que necessária, é urgente, faz parte do compromisso que o Brasil assumiu em 2005 ao aderir à Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em seus artigos 17 e 18, fica evidente a importância de desenvolver alternativas economicamente viáveis para os agricultores, a proteção do meio ambiente e a promoção da saúde.

Muitos não sabem, mas o Brasil é líder em exportação e o terceiro maior produtor mundial de tabaco. Em nossa pesquisa, baseada em dados oficiais, estimamos que, se 30% das terras destinadas à produção de fumo hoje fossem usadas para cultivo de arroz, teríamos um acréscimo de 723.600 toneladas, por ano, desse alimento, um dos mais consumidos pelos brasileiros. Se esses mesmos 30% fossem destinados a plantar uvas frescas, cultura viável na Região Sul, assim como a fumageira, teríamos um acréscimo de 2,43 milhões de toneladas da fruta por ano. Se a mesma área fosse destinada à cultura do trigo, haveria acréscimo de 300 mil toneladas, também anual, volume importante para reduzir a dependência da importação desse produto.

Além de gerar mais alimentos, a diminuição do cultivo do tabaco traria benefícios ao conjunto da sociedade, uma vez que provocaria aumento do preço e, por consequência, menor consumo de um produto prejudicial à saúde. Estimativas realizadas em 2021 pelo Instituto de Efectividad Clínica y Sanitaria (Iecs), na Argentina, mostram que, todos os anos, 161 mil pessoas morrem por doenças relacionadas ao consumo de tabaco no Brasil (13% de todas as mortes nacionais), com um total de R$ 92 bilhões anuais de custos diretos e indiretos para o sistema de saúde brasileiro.

Atualmente, a indústria do tabaco cobre apenas uma fração desse valor, com os impostos sobre cigarro alcançando R$ 12,23 bilhões. A política de diversificação da produção, aliada à tributária, seria fundamental para reduzir a carga do tabagismo para a sociedade.

Um consenso na formulação de políticas públicas é buscar ampliar o mercado de produtos que beneficiem o bem-estar social e reduzir os incentivos dos artigos que provoquem perda desse bem-estar. O Brasil deveria continuar, ampliar e aperfeiçoar o Programa de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco, cuja última ação foi há cinco anos. Ele também tem grande potencial de beneficiar os produtores de fumo, em sua grande maioria agricultura familiar. Estudo aponta que 65% desses agricultores desejam trocar o tabaco por outro cultivo, tanto pelos riscos à saúde da família como pela dependência de um mercado com poucos compradores. Com recursos financeiros e técnicos, essas famílias seriam beneficiadas pela diminuição dos riscos econômicos envolvidos na produção. No longo prazo, o plantio de tabaco não é interessante, pois a demanda internacional não cresce de modo significativo, enquanto a demanda de alimentos diversos e orgânicos está em crescente expansão, ampliando os horizontes de liberdade de escolhas desses produtores.

*Valter Palmieri Jr., doutor em economia pela Unicamp, é professor da Strong Business School e criador da página @comidaeconomia

https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/05/menos-fumo-e-mais-alimentos.ghtml




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