monitorACT - Dezembro

21.12.21


 

Editorial

 

Esta edição do MonitorACT ficou marcada por dois encontros globais de extrema importância para a saúde da humanidade e do planeta, as Conferências das Partes sobre o Clima e sobre o Tabaco, ambas oriundas de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

No texto Maquiagem verde ou compromisso de verdade?, as autoras partem desta pergunta para avaliar a 26a Conferência das Partes das Mudanças Climáticas (COP 26), que ocorreu em novembro. Segundo analistas e as manchetes de jornais, o encontro não respondeu à urgência que estamos vivendo. O Sexto Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima das Nações Unidas, divulgado poucos meses antes, mostra que o planeta provavelmente vai atingir ou exceder 1,5o C de aquecimento nas próximas duas décadas, mais cedo do que em avaliações anteriores. Portanto, ações urgentes têm que ser tomadas agora para evitar um futuro catastrófico. O que observamos, entretanto, é que empresas estão tentando se apresentar como solução de problemas que elas mesmas estão causando, e a participação delas na COP 26 foi muito questionada.

Em A Pressão do Lobby nas Conferências Internacionais, discute-se os denominadores comuns dessas reuniões globais e chama-se a atenção para a interferência de indústrias, suas estratégias diversionistas e negacionistas, e o grande poder e influência que exercem sobre políticas públicas. Já mostramos, em edições anteriores, como a indústria do tabaco serve de guia para essas práticas. As autoras do texto também ressaltam como a história do controle do tabagismo deixa explícito que não se deve esperar ajuda de empresas que causam os problemas enfrentados. O artigo 5.3 da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco é um modelo que poderia ser adotado pelos demais tratados internacionais para prevenir interferência de empresas nas políticas públicas.

Trazemos, ainda, um texto que analisa o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e a campanha da Organização Pan Americana da Saúde que expõe seus riscos. Em Viva Melhor, Beba Menos, há dados chocantes: beber tem relação com mais de 200 problemas de saúde, com a violência, incluindo a doméstica e no trânsito, e com uma carga à econômica, como perda de produtividade e desemprego. A cada dez segundos, alguém morre, na região das Américas, por causa de ingestão de bebidas alcoólicas.

Por fim, este ano estimulamos participantes de um encontro que promovemos a listarem as empresas que mais se destacam pela vergonha que causam ao explorar práticas como marketing direcionado ao público infantil, patrocínio de eventos, doações, disseminação de produtos e desinformação. É disso que trata o texto Muro da Vergonha: Empresas Campeãs em Lobby. Saiba quais são essas empresas, mostre sua indignação e faça com que mais pessoas saibam sobre suas práticas, as questionem, apoiem regulação de seus produtos e evitem apostar nelas como parte da solução.

Boa leitura, desejamos que em 2022 possamos ter lucidez, palavra escolhida pela equipe do MonitorACT para representar este novo ano.

 

Anna Monteiro

Diretora de Comunicação

 


 

Maquiagem verde ou compromisso de verdade?

Emily Almeida e Mikaela Widerberg

 

Analistas ambientais avaliaram que o texto final da 26a Conferência das Partes das Mudanças Climáticas (COP26), que ocorreu em novembro, não respondeu à urgência colocada pelo Sexto Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima das Nações Unidas, apresentado meses antes. As metas não garantem o limite de aquecimento global a 1,5oC, para o qual a redução da emissão de gases de efeito estufa é primordial, e os países de economia mais forte também não mostraram comprometimento em garantir recursos de prevenção e reconstrução para as nações mais vulneráveis.

Além dos representantes de Estado, a COP26 também tem participação da sociedade civil e de empresas, com o suposto objetivo de que todos construam compromissos em comum. Entretanto, os interesses das companhias privadas muitas vezes se sobrepõem aos da coletividade. Tudo indica que não foi diferente na COP do Clima. Cientes do que estava em jogo, representantes de empresas que tradicionalmente estão por trás das grandes emissões, de desmatamentos e da poluição acompanharam as discussões, buscaram influenciar nas negociações e, em alguns casos, marcaram presença no evento.

De acordo com um relatório da Global Witness, o evento teve 503 representantes de empresas de petróleo, carvão e gás. Por isso, há dúvidas quanto à eficiência do cumprimento de reduzir gradativamente os subsídios aos combustíveis fósseis e do uso do carvão, conforme sinaliza documento final. Trocas de termos como "eliminação" para "eliminação progressiva" e, depois, por "redução" foram sinalizados por especialistas.

O vazamento de um documento à BBC News dias antes da conferência também evidencia as estratégias para debilitar as ações contra as mudanças climáticas e revela que alguns países e organizações tentaram mudar relatórios científicos usados como referência. A Austrália, a Arábia Saudita e a Organização das Nações Produtoras de Petróleo, a Opep, não concordaram com a urgência do fechamento de usinas a carvão e da eliminação progressiva dos combustíveis fósseis.

A área de produção de alimentos estava em peso na conferência e destacamos, entre os 14 executivos brasileiros presentes, três do setor, como BRF, DSM América Latina e JBS, com seu CEO Gilberto Tomazoni indo pessoalmente a Glasgow. O frigorífico está entre as maiores empresas alimentícias do mundo, líder no setor da proteínas, e foi apresentado pelo ministro de Minas e Energia do Brasil, Bento Albuquerque, como um caso de sucesso em relação à Política Nacional de Biocombustíveis, o programa RenovaBio. Com grande cobertura da imprensa, o empresário chegou a destacar em entrevista à CNN Brasil a importância da redução do desmatamento, pelo interesse de todos.

A JBS gerou, em 2020, 430 mil créditos de descabonização (CBios), ou cerca de R$ 18 milhões, com a produção de biodiesel através do sebo de gado por meio do Renova Bio, embora seja o frigorífico número um no risco de provocar desmatamento na Amazônia, ação que respondeu por 46% das emissões de carbono do país naquele ano, de acordo com dados do Imazon. As informações, apresentadas pelo Repórter Brasil um mês antes da COP26, também trazem dados do Observatório do Clima apontando que o setor agropecuário, do qual a criação de gado de corte responde por 62%, é o segundo maior emissor de gases no Brasil.

A Reuters também publicou, às vésperas do evento, o resultado de uma auditoria do Ministério Público Federal que relacionava 32% da carne vendida no Pará durante 2020 pela JBS a irregularidades, principalmente pela origem em áreas de desmatamento ilegal. Comparado a 2019, quando a investigação apurou 8,3% de irregularidades, a empresa ainda retrocedeu e não cortou as compras de gado de áreas ilegais, embora o CEO tenha expressado publicamente a importância de reduzir o desmatamento.

O caso de sucesso também parece ignorar que, enquanto as emissões reduziram em cerca de 7% no resto do mundo no primeiro ano de pandemia, no Brasil houve alta de 9,5%. Diante das perdas de investidores por conta das atividades comprometedoras, a JBS chegou a anunciar que zeraria suas emissões até 2040 e que investiria US$ 1 bi nos próximos dez anos, para que a meta fosse alcançada, mas não sinalizou as ações concretas para tornar o processo produtivo mais limpo. Em agosto, a mesma JBS esteve entre as 105 empresas signatárias de carta enviada ao Poder Executivo pedindo que o Brasil volte a ser protagonista da agenda ambiental, afirmando inclusive que o setor privado tem mais condições que o público de frear as emissões. Tudo indica que veremos novamente o que foi apontado no relatório do Greenpeace Internacional, que a empresa não cumpria as promessas feitas uma década antes de garantir que seus produtos não sejam originários de áreas desmatadas.

Grandes produtores de alimentos, como o Brasil, também foram rápidos em argumentar contra o relatório preliminar da COP, cujo texto afirmava que "dietas baseadas em vegetais podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa em até 50% em comparação com a dieta ocidental com emissão intensiva média". Assim como a Austrália e a Arábia Saudita, o Brasil também exigiu a exclusão ou alteração de declarações de trechos elaborados a partir de dados científicos.

O gráfico abaixo ilustra como o sistema alimentar global hoje é responsável por quase 30% das emissões e mais da metade como resultado da produção de proteína animal.

 

Fonte: https://www.bbc.com/news/science-environment-58982445

Dietas saudáveis são benéficas não apenas para os indivíduos, mas também para o clima e o meio ambiente. A escolha do que comemos e como cultivamos têm um efeito substancial nas mudanças climáticas. Para evitar mais degradações, é crucial fazer a transição para um padrão alimentar mais diversificado e culturalmente apropriado. Isso pode ser feito com o aumento de diversos alimentos vegetais minimamente processados, combinando-os com uma quantidade menor e mais apropriada de alimentos de origem animal. Do outro lado da moeda, os efeitos do aquecimento global têm um impacto direto na saúde das pessoas, como destacou a carta da Comunidade Mundial da Saúde à COP26, assinada por 450 organizações do mundo, incluindo a ACT. Poluição, aumento de doenças transmissíveis, insegurança alimentar e fome são apenas algumas das ameaças que nos esperam.

Para ter sucesso na criação de um clima saudável e sustentável é necessário implementar intervenções e políticas sistemáticas que estejam alinhadas com os objetivos, bem como grandes investimentos globais, diz número especial da The Lancet dedicada à saúde de crianças e adolescentes. Sem o compromisso estrutural de reunir na COP as partes verdadeiramente interessadas nas políticas de combate às mudanças climáticas, mercado de carbono e ESG mais reforçam o domínio dos interesses privados sobre os coletivos do que realmente constroem saídas consistentes e eficientes.

 


 

A Pressão do Lobby nas Conferências Internacionais

Laura Cury

 

Os últimos dois meses foram de negociações internacionais intensas, com duas Conferências das Partes de tratados dos quais o Brasil faz parte. Primeiro, aconteceu a tão aguardada COP 26, do Clima, depois a COP 9, do Tabaco, seguida por uma reunião menor, mas tão relevante quanto, a do tratado sobre comércio ilícito de tabaco, a MOP 2. Em ambas as COPs, alguns denominadores comuns puderam ser observados, como a necessidade de conter a interferência de indústrias cujos produtos ajudam a causar os problemas para os quais as cúpulas buscam soluções. Tanto a chamada Big Oil (ou Big Polluters), de produção de combustíveis fósseis, quanto a Big Tobacco têm um grande poder e influência sobre políticas e práticas que atingem a sociedade.

Para a Cúpula do Clima, das cerca de 40 mil pessoas credenciadas, 503 eram ligadas aos interesses dos combustíveis fósseis, segundo análises de organizações como a Global Witness e Corporate Accountability. Somente para efeito de comparação, o Brasil participou com a maior equipe oficial de negociadores, segundo dados da Organização das Nações Unidas, com 479 delegados. Ou seja, houve mais participantes ligados à indústria dos combustíveis fósseis do que a um dos países mais populosos do mundo.

 

Fonte: https://www.bbc.com/news/science-environment-59199484

 

As organizações identificaram que lobistas participaram como membros de delegações de 27 países, incluindo Canadá e Rússia. O lobby dos combustíveis fósseis na COP 26 foi maior do que o total combinado das oito delegações dos países mais afetados pelas mudanças climáticas nos últimos 20 anos.

A indústria de combustíveis fósseis passou décadas negando e colocando obstáculos para uma ação real sobre a crise climática, levando a humanidade ao nível de problema que observamos hoje. Nas cúpulas, as indústrias apresentam soluções comprovadamente ineficientes no que diz respeito ao combate à ação climática, impedindo a implementação de políticas e ações realmente eficazes, ao buscar dirimir seus prejuízos. Trata-se da conhecida técnica de “greenwashing”, ou “fake green.” Em outras palavras, e em bom português: maquiagem.

Por isso, diversos grupos comprometidos com a contenção da urgência climática argumentam que a COP 26 deveria inspirar-se no artigo 5.3 da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, da Organização Mundial da Saúde. Argumentam, acertadamente, que a regulamentação de produtos de tabaco só ganhou força com a resolução que baniu lobistas da indústria das reuniões da OMS. Esses grupos reconhecem a força do artigo 5.3, que dispõe a respeito do “conflito fundamental e irreconciliável entre os interesses da indústria do tabaco e os interesses das políticas de saúde pública”, e querem o mesmo tratamento para as empresas de petróleo e gás na COP do clima.

O artigo 5.3, de fato, constitui exemplo para a formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas referentes à contenção de produtos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente, e traz a questão sobre se a aliança com indústrias com impacto negativo na saúde das pessoas e do planeta é possível. Podemos esperar que indústrias, voluntariamente, restrinjam atividades econômicas que garantem seus lucros? A história do controle do tabaco revela que não. Tomadores de decisão e formadores de opinião devem se atentar para os limites do que podemos pedir e esperar delas. É necessário também garantir regulação robusta de certas indústrias e de suas atividades visando o bem coletivo.

Mesmo com instrumentos importantes como este artigo, a indústria do tabaco encontra maneiras para tentar minar os esforços da saúde pública. Na COP 9, a Secretaria-Executiva da Comissão Nacional para implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, a Conicq, foi retirada da lista de integrantes da comitiva
brasileira. Esse colegiado governamental, que existe há 18 anos, receptor de diversos prêmios internacionais por sua atuação, hoje é alvo da indústria do tabaco no Brasil.

Via Lei de Acesso à Informação (LAI), jornalistas de O Joio e o Trigo obtiveram documentos que demonstram o grau de influência das empresas fumageiras no atual Ministério da Agricultura. Em 14 de outubro deste ano, a pasta encaminhou ao Itamaraty uma resposta da Câmara Setorial do Tabaco, deixando claro que a posição das empresas é a mesma do ministério. O argumento era de que a coordenação da participação brasileira na COP 9 deveria ser feita pela Secretaria Geral da Presidência da República ou pela Casa Civil. As empresas queriam que o governo se posicionasse de forma neutra sobre os dispositivos eletrônicos de fumar e manifestaram, ainda, grande preocupação com a recomendação de aumentar impostos.

A indústria do tabaco atacou a Conicq, tentando impedir que o colegiado cumprisse com seu papel. A delegação brasileira, entretanto, conseguiu atuar em defesa da saúde pública, seguindo, inclusive, o instrutivo elaborado pelos mesmos técnicos da secretaria executiva da Conicq barrados pelo lobby empresarial.

Indústrias de produtos nocivos aprendem umas com as outras. Aprendem, principalmente, com a precursora indústria do tabaco. Suas ações buscam fragilizar governos e Estados e sua capacidade institucional de implementar políticas efetivas para enfrentar os problemas causados, em grande parte, pelos seus produtos. A Vital Strategies publicou importante relatório a respeito desse tema: “Me engane de novo”. Nele, há evidências suficientes de que as mesmas práticas inaceitáveis utilizadas pela indústria do tabaco são empregadas por outras empresas, argumentando que governos devem adotar medidas de restrição dessa influência nas políticas públicas.

É necessário reconhecer as similaridades entre essas estratégias e pensar a melhor forma de abordar e mitigar os determinantes comerciais da saúde das pessoas e do meio ambiente, garantindo que, de fato, o bem estar coletivo seja prioridade, seguindo o slogan da Agenda 2030 para os objetivos do desenvolvimento sustentável, de não deixar ninguém para trás.

 


 

Viva Melhor, Beba Menos

Laura Cury

 

Nos últimos dois anos, com o isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19, ficou cada vez mais comum o consumo de bebidas alcoólicas para relaxar no fim do dia ou para participar nas lives com familiares e amigos. Com a temporada de festas no fim do ano e do carnaval, que mesmo ainda sem confirmação de que vai realmente acontecer, o excesso de álcool também é notado.

O uso do álcool está relacionado a mais de 200 problemas de saúde, além de causar ônus social, como violência doméstica e no trânsito, e econômico, como a perda de produtividade e o desemprego. Cerca de 379 mil mortes por ano na região das Américas são causadas por doenças relacionadas a lesões, intoxicação e envenenamento por bebida alcoólica. Isso significa que a cada dez segundos alguém morre, precocemente, de causas ligadas a seu consumo. A Organização Pan-Americana da Saúde revela que 35% das pessoas entre 30 e 39 anos tem bebido excessivamente durante a pandemia da Covid-19. Aliás, ele é um fator de risco que altera o curso de doenças infecciosas, incluindo a Covid-19.

Esse cenário é benéfico para a indústria de bebidas alcoólicas, que lucra com a ampliação do consumo. A Ambev, por exemplo, dobrou seus lucros entre o primeiro trimestre de 2021 em comparação ao ano anterior. A receita da empresa foi de R$ 16,6 bilhões e o lucro de R$ 2,7 bilhões entre janeiro e março de 2021. Em agosto de 2021, a Monja Coen, uma das mais renomadas e respeitadas líderes religiosas do país, se tornou ‘embaixadora da moderação da Ambev’. A cervejaria afirmou que a parceria criada visa “estimular o consumo responsável por meio do autoconhecimento”, que para eles é a “chave da moderação”, e que a marca e Coen possuem um “objetivo em comum”, que é o de “promover o equilíbrio e a moderação, tão necessários no momento atual”.

Porém, estudos revelam que é justamente com o consumo abusivo que a indústria arrecada a maior parte de sua receita, e que se as pessoas de fato “bebessem com moderação”, as indústrias iriam à falência. Assim, a esta filosofia entra em rota de colisão com as estratégias para promover um consumo exagerado. Isso torna a parceria entre a Ambev e Coen muito preocupante do ponto de vista da promoção da saúde. O Instituto Nacional do Câncer alerta que não há níveis seguros de ingestão de álcool. Essa recomendação serve para todas as bebidas alcoólicas e, ao se colocar como “parte da solução” de um problema que ela mesma ajuda a criar, a Ambev utiliza estratégia conhecida e que se ampliou durante a pandemia da Covid-19. Tentar humanizar as empresas, passando a impressão de empatia, entendimento e apoio, moral e financeiro, para quem mais precisa é um dos principais componentes de responsabilidade social. Para indústrias como a do álcool, essas ações constituem estratégia para se apresentarem de forma positiva e, assim, desviar-se de críticas, mitigar riscos legais, melhorar reputação e, evidentemente, aumentar lucros.

 

Fonte: https://www.facebook.com/hashtag/embaixadoradamarca?source=feed_text&epa=HASHTAG

Apesar do propósito alegado de conscientizar a população sobre moderação e autoconhecimento, a parceria da Ambev com a Monja Coen não é recomendada. Se sua intenção era de colaborar para conscientização sobre uso abusivo de álcool, ela deveria ter buscado outros caminhos, como parcerias estabelecidas com órgãos de saúde pública e não com a indústria.

Nesse sentido, achamos que a Monja Coen perdeu uma ótima oportunidade. Poucos meses depois desta parceria inusitada, em novembro de 2021, a Opas lançou sua primeira campanha sobre educação em álcool e saúde: ‘Viva Melhor, Beba Menos. A campanha, que no Brasil é apoiada pela ACT Promoção da Saúde, visa mostrar como o álcool interfere na vida da população em todos os níveis, pessoal, interpessoal e social, e como a falta de ação dos governos interfere com a promoção de uma sociedade mais saudável. Segundo Maristela Monteiro, assessora sênior em consumo de álcool e substâncias psicoativas da organização, no contexto atual em que cerca de 50% do conteúdo na internet não é confiável, a intenção foi promover um espaço onde as pessoas possam buscar informações seguras sobre assuntos relacionados ao álcool.

 

Fonte: https://www.paho.org/pt/campanhas/viva-melhor-beba-menos#materials

Paralelamente à mobilização, a Opas também apresentou uma ferramenta de inteligência artificial para aumentar o acesso à detecção precoce, intervenção breve e outros serviços de tratamento para transtorno de álcool: a Pahola. A ‘humanoide digital’ foi desenhada para ser empática e livre de julgamento, e pode fornecer informações gerais sobre os riscos do consumo de álcool e se comunicar de forma interativa e confidencial com as pessoas. Pahola pode interagir em português, inglês ou espanhol, respondendo questões como: “Como sei se bebo demais?”, ou “O que é beber com moderação?”. Em resposta à última pergunta, vale reiterar que, na contramão do que é pregado pela indústria, não há uma definição exata, este é um termo usado pela indústria, e pessoas devem buscar ajuda de um profissional da saúde para esforços de cessação.

A campanha ‘Viva Melhor, Beba Menos’ já gerou cerca de cem milhões de impressões nas redes sociais e as ações devem continuar, pois, com menos álcool, as pessoas podem viver mais e melhor. E essa mensagem não deve ser sequestrada pela indústria, que não promove, de fato, essa postura.

 


 

Muro da Vergonha: Empresas Campeãs em Lobby

Mariana Pinho, Victoria Rabetim, Bruna Hassan

 

No mundo corporativo, as práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) têm contribuído para as empresas prosperarem no mercado. Por meio de seus relatórios anuais, propagam as tentativas de minimizar os impactos de suas práticas ao meio ambiente e a colaboração para a construção de um mundo mais justo e responsável, além dos esforços para manterem os melhores processos de administração. Dessa forma, a cada ano, atraem novos e mais investimentos.

A Corporate Accountability, organização dedicada à defesa dos direitos do consumidor, com sede em Boston, nos Estados Unidos, faz uma votação anual das empresas que, de alguma forma, interferem em políticas públicas e abusam dos direitos humanos, sociais, ambientais e/ou trabalhistas. A mobilização, intitulada Hall of Shame, ou em português Muro da Vergonha, chama a atenção das pessoas e aumenta a pressão popular e faz um trocadilho com Hall of Fame, a Calçada da Fama das estralas de Hollywood.

Este ano, fizemos uma experiência parecida durante nosso seminário Alianças Estratégicas, em que os participantes, que trabalham com fatores de risco das doenças crônicas não transmissíveis, foram divididos em grupos e estimulados a resgatar na lembrança episódios das empresas que mereceriam estampar o Muro da Vergonha. Além de descrever brevemente a ação da companhia, explicaram o motivo da escolha em levar a empresa para o muro da vergonha.

As ações registradas no Muro da Vergonha são relativas ao patrocínio de eventos, doações, propaganda voltada ao público-infanto juvenil, e disseminação de produtos e desinformação de forma direta ou por meio de influenciadores digitais e profissionais de saúde.

A Nestlé foi lembrada cinco vezes nos grupos e a Ambev, duas vezes, e a seguir descrevemos as ações que as destacaram. A campeã apareceu com o caso do “Meu primeiro lanchinho”, da Mucilon, que traz uma proposta de snacks para bebês a partir de 8 meses, com formato que cabe na mão da criança. Isso vai contra a recomendação do Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 anos, por se tratar de um produto ultraprocessado.

Outra ação clara de lobby da companhia foi o patrocínio do Congresso Brasileiro de Pediatria com o lançamento de um manual para profissionais, que também contraria as diretrizes do Guia do Ministério da Saúde para os temas de amamentação e introdução alimentar como ofensiva para minar políticas públicas.

E não acaba por aí. A Nestlé também foi apontada por tentar utilizar influenciadores digitais para disseminar desinformação e a promoção de compostos lácteos, o que desestimula o aleitamento materno. O caso afeta diretamente a saúde das crianças na fase mais importante da vida delas em relação à nutrição. Gera uma falsa confiança de que é um produto saudável, e se aproveita da correria do dia-a-dia para vender um discurso de praticidade. Além disso, ainda viola a legislação brasileira em vigor.

Sobre a Ambev, tivemos o caso da Monja Coen se tornando embaixadora da marca, uma ação que usa de capital espiritual para promover uma empresa de bebida alcoólica com publicidade velada de ensinamento e deturpação do valor humano contra a saúde pública.

Tivemos também o caso do financiamento da reforma do Hospital M’Boi Mirim com divulgação da marca da Ambev na fachada do prédio, uma contradição uma unidade de saúde estar relacionada a uma empresa cujo produto é fator de risco para o desenvolvimento de doenças.

É preciso compreender que essas empresas atuam com o objetivo de vender ainda mais seus produtos. Quando estão com a imagem prejudicada junto aos consumidores, como é o caso daquelas de tabaco, ultraprocessados e álcool, as práticas desenvolvidas visam melhorar também a forma como são vistas pelo mercado, uma espécie de polimento nos arranhões que acumularam.


 



 


 

Material resultado de atividade realizada no XIV Seminário Alianças estratégicas para Promoção da Saúde, em setembro de 2021.

 


 

Revisão e edição: Anna Monteiro

Arte: Ronieri Gomes

Equipe de monitoramento

Anna Monteiro

Bruna Hassan

Camila Maranha

Denise Simões

Emily Azarias

Fabiana Fregona

Laura Cury

Mariana Pinho

Marília Albiero

Victoria Rabetim

Vitória Moraes




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