Os dilemas do cigarro eletrônico

20.06.22


Veja

Acantora Solange Almeida, de 47 anos, foi apresentada ao cigarro eletrônico no final de 2020. Um grupo de amigos elogiou tanto que ela resolveu experimentar. “Não contém nicotina”, disseram uns. “Ajuda a desestressar”, alegaram outros. 

Ex-fumante havia 15 anos, Solange detestou a experiência. Teve falta de ar, crise de ansiedade e quase perdeu a voz. “Não foi coisa boba. Poderia ter me prejudicado para o resto da vida”, desabafou na redes sociais.

Lá fora, a vítima mais recente dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEF) foi a rapper americana Doja Cat, de 26 anos. Ela chegou a cancelar uma turnê depois de fazer uma cirurgia às pressas nas amígdalas por uso excessivo do aparelho. “Vou parar por um tempo. Tomara que não tenha mais vontade depois”, postou. 

No Brasil, a venda de cigarros eletrônicos, assim como sua importação e propaganda, é proibida desde agosto de 2009 por uma resolução da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas nem parece. Os vaporizadores (vapes, em inglês) podem ser encontrados em lojas físicas e virtuais, com direito a delivery. Na internet, os preços dos kits variam de 150 a 800 reais, e, no Instagram e TikTok, há influenciadores compartilhando seus aromas favoritos (são mais de 16 mil!) e contando onde podem ser adquiridos. 

Apesar da proibição, 3% da população adulta faz uso diário ou ocasional do cigarro eletrônico, a maior parte proveniente de contrabando, como revela levantamento do Datafolha de fevereiro deste ano. Considerando o total de brasileiros acima dos 18 anos, dá algo em torno de 4,7 milhões de vapers. 

Já a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2019 mostra que 13,6% dos estudantes de 13 a 15 anos já experimentaram cigarro eletrônico. Entre alunos de 16 a 17 anos, o índice foi maior: 22,7%. Os números traduzem um fenômeno visto não só em bares e baladas mas também nos arredores das escolas: tem muito jovem descobrindo o vaporizador. 

A comunidade médica, enfaticamente contra essa e outras formas de fumar, está preocupada com isso. “O cigarro eletrônico é pior porque causa dependência muito mais rápida e intensamente que o convencional. Quando o usuário menos espera, já virou refém”, alerta a cardiologista Jaqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento de Tabagismo do Instituto do Coração (InCor/USP). 

E o alarme soou de vez com a possibilidade de a Anvisa voltar atrás e liberar o produto. “Seria um retrocesso”, afirma o pneumologista Elie Fiss, da Faculdade de Medicina do ABC. “Uma verdadeira catástrofe”, define Fábio Rossi, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV-SP). 

Por dois meses, a Anvisa coletou dados técnicos e evidências científicas relacionadas ao assunto. No período, quase 50 entidades médicas divulgaram um documento sobre os malefícios do cigarro eletrônico. Tanto a Associação Médica Brasileira (AMB) como o Conselho Federal de Medicina (CFM) são contrários à mudança de posição da agência.

“Os jovens fumam esses dispositivos porque pensam que não fazem mal e tem gente achando que eles ajudam a parar de fumar cigarro. Mas esses aparelhos não são inócuos, oferecem riscos e causam doenças”, avisa o pneumologista Ricardo Meirelles, coordenador da Comissão de Tabagismo da AMB. 

Para os especialistas, não basta manter a proibição. É preciso criar mecanismos de controle e fiscalização desse mercado que já existe na surdina, além de campanhas de conscientização. 

O Colégio pH, no Rio de Janeiro, já começou a fazer sua parte. O tema foi abordado na disciplina de convivência ética e debatido através de lives, palestras e podcasts. Muitos alunos admitiram não saber que os aparelhos contêm nicotina e, por essa razão, provocam dependência. 

“Em geral, pais e responsáveis adotam um discurso moralista e alarmante. Em sala de aula, procuramos criar um espaço acolhedor onde os alunos se sentem à vontade para compartilhar histórias, fazer perguntas e tirar dúvidas”, relata a psicóloga Camilla Oliveira, da escola carioca.A pediatra Débora Chong, do Departamento Científico de Pneumologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), elogia iniciativas assim. “Os cigarros eletrônicos estão cada vez mais coloridos, tecnológicos e atrativos. É o famigerado ‘lobo em pele de cordeiro’. Se soubessem o mal que fazem à saúde, os adolescentes não se arriscariam”, sentencia. 

https://saude.abril.com.br/medicina/os-dilemas-do-cigarro-eletronico/

 




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