Os espaços das mulheres no combate aos agrotóxicos

05.06.22


Jornal Nexo

O cenário do uso de agrotóxicos no mundo é preocupante e esforços para reduzir essa utilização e seus efeitos nocivos sobre as pessoas e o meio ambiente precisam de vontade política, mas quase nenhum país do mundo tem uma estratégia ambiciosa de redução. O Atlas dos Agrotóxicos, publicado recentemente na Alemanha pela Fundação Heinrich Böll, traz um dado que deveria subir a régua da preocupação com o tema: o número de pessoas afetadas por envenenamento por agrotóxicos a cada ano no mundo chegou a 385 milhões. Segundo o Atlas, a razão do uso desenfreado de agrotóxicos é financeira, uma vez que o mercado é muito lucrativo.

Os agrotóxicos podem ser encontrados em tudo - no mel, nas frutas e legumes, na grama dos jardins e até na urina e no ar. O Mapa da Água, publicado pela Repórter Brasil e pela Agência Pública com apoio da Fundação Heinrich Böll, revelou que há presença de agrotóxicos – em níveis acima do considerado seguro pelo Ministério da Saúde – na água de diversas cidades do Brasil. Uma pesquisa do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), por sua vez, afirma que há pesticidas em 60% dos alimentos ultraprocessados, como nos pães bisnaguinha e nos biscoitos recheados.

No Brasil, desde 2020 não há informações sobre a quantidade de resíduos de agrotóxicos nos alimentos vendidos em supermercados e feiras porque o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos parou de divulgar os resultados das coletas a partir do início do atual governo. Foi também no governo vigente que se iniciou a enxurrada de aprovações de agrotóxicos no país, alcançando uma média anual de 500 novos agrotóxicos, segundo um relatório da organização Amigos da Terra.

Essa situação grave tem impactos perversos em diversos campos: na saúde humana, na diminuição da biodiversidade de diferentes ecossistemas e na contaminação dos solos e das águas, por exemplo. Mas também tem consequências diretas na vida das mulheres e é neste campo que o projeto “Construção de territórios livres: mulheres e seus quintais produtivos no combate ao uso de agrotóxicos e referência da Agroecologia”, da ABA (Associação Brasileira de Agroecologia), atua.

HISTORICAMENTE, AS MULHERES SÃO PARTE DA RESISTÊNCIA AOS IMPACTOS CAUSADOS PELO USO DE AGROTÓXICOS. ELAS TRABALHAM COM TÉCNICAS QUE NÃO REPRODUZEM O MODELO CONVENCIONAL

Segundo pesquisadores da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, agricultoras que se expõem a pesticidas sem equipamentos de proteção individual podem desenvolver tipos mais agressivos de câncer de mama, que apresentam mais dificuldades para o tratamento. Mesmo as mulheres que não trabalham diretamente na aplicação dos agrotóxicos, muitas vezes entram em contato com essas substâncias ao lavar os EPIs de seus companheiros ou por residirem próximo às áreas onde são usados os agrotóxicos – aplicados, às vezes, através de pulverização aérea. As mulheres também são as maiores responsáveis por cuidar daqueles que se intoxicam com os agrotóxicos.

Apesar da notificação sobre intoxicações por agrotóxicos no Brasil ser obrigatória, os dados oficiais não demonstram o real impacto dessas substâncias na saúde humana. Diferentes fatores, desde a automedicação, dificuldade de acesso às unidades de saúde locais, formação dos profissionais de saúde não dirigida a aspectos de toxicologia humana até notificações preenchidas parcial ou incorretamente, colocam os números oficiais muito abaixo da realidade. Além disso, os dados oficiais se baseiam, em sua maioria, nas intoxicações agudas. Intoxicações crônicas ainda são pouco evidentes, uma vez que há uma série de implicações na consolidação de laudos. Por isso há maior destaque dos dados referentes à exposição masculina, pois é mais evidente a sua participação na aplicação e manipulação desses produtos. Por outro lado, muitas doenças decorrentes da exposição contínua aos agrotóxicos se manifestam em mulheres, como os já mencionados cânceres na mama, mas também no colo do útero, além de infertilidade e abortamentos espontâneos, má formação fetal, obesidade e diabetes, por exemplo.

O projeto desenvolvido pela Associação Brasileira de Agroecologia compreende que os quintais agroecológicos são aqueles onde principalmente mulheres plantam e fazem o manejo de uma rica biodiversidade nos arredores da casa, através de variadas e criativas formas, como os cultivos feitos em baldes, por exemplo. Mas eles são mais que isso: representam espaços de liberdade e acolhimento.

É importante destacar que os quintais são territórios diversos, inclusive nos seus desenhos produtivos. Cada região do país, cada cultura, comunidade, modo de vida, geram quintais completamente diferentes inclusive entre vizinhas. Essa diversidade, que é a raiz desses sistemas produtivos, caracteriza a oposição absoluta aos sistemas hegemônicos preconizados pelo agronegócio que se fundamenta na padronização completa dos sistemas agroalimentares, desde a forma de produzir ao ato de comer e consumir.

Historicamente, as mulheres são parte da solução e da resistência aos impactos causados pelo uso de agrotóxicos. Elas são guardiãs da agrobiodiversidade porque em seus quintais trabalham através de técnicas que não reproduzem o modelo convencional, mas perpetuam tradições, costumes e tecnologias sociais passadas de geração em geração. As mulheres agricultoras dos quintais são protagonistas nessa luta contra os agrotóxicos. Por meio de quintais, essas mulheres geram produção e transformam suas propriedades.

Já se sabe que as mulheres são desproporcionalmente afetadas por injustiças socioambientais – sendo mais impactadas pelas mudanças climáticas e pelos chamados desastres naturais, por exemplo. Nesse contexto, o caso dos quintais agroecológicos mostra como sustentabilidade, justiça ambiental e de gênero estão inter-relacionadas e devem ser promovidas juntas.

https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2022/Os-espaços-das-mulheres-no-combate-aos-agrotóxicos#:~:text=Mesmo%20as%20mulheres%20que%20não,vezes%2C%20através%20de%20pulverização%20aérea




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