Pântanos de alimentos: Estudos apontam risco para a saúde de quem vive rodeado de fast foods

27.02.23


Inés Sánchez, El País, O Globo

A alimentação é um dos fatores determinantes para a saúde. Por isso, a comunidade científica alerta há anos sobre os efeitos nocivos do fast food e dos alimentos ultraprocessados. Seu consumo favorece a aparição de doenças como diabetes, câncer, enfermidades cardiovasculares e, claro, obesidade. Mas, ainda que se tenha acesso a essa informação, evitar seu consumo às vezes não é tão simples, sobretudo para aqueles que vivem em zonas conhecidas como “pântanos de alimentos”: áreas nas quais concentra-se uma grande quantidade de restaurantes fast food e de lojas de conveniência, também conhecidas como 24 horas. 

O conceito de “pântano de alimentos” foi cunhado há mais de uma década e começou a ser estudado nos Estados Unidos, embora agora se dê praticamente em todo o mundo. Manuel Franco, professor de epidemiologia na Universidade de Alcalá de Henares e na Johns Hopkins, esclarece que nos EUA é muito mais comum o conceito de deserto alimentar, ou seja, zonas repletas destes estabelecimentos, mas que, além disso, não há opções para comprar alimentos frescos.

 

—Na Espanha, ainda que haja um grande número destes locais, há também mercados e lojas para comprar produtos saudáveis — explica o pesquisador. 

Os primeiros resultados de um estudo realizado pelos pesquisadores da Universidade de Columbia mostram que as pessoas que vivem em zonas consideradas pântanos de alimentos têm risco maior de sofrer um AVC a partir dos 50 anos. Os pesquisadores, que contaram com dados de mais de 17.800 pessoas, descobriram que muitas delas viviam em áreas em que o número de restaurantes de comida não saudável era seis vezes maior que a quantidade de lojas com produtos frescos. 

—Viver nestes lugares condiciona muito a dieta — comenta Dixon Yang, autor principal do estudo, acrescentando que este fenômeno aumenta substancialmente as probabilidades de consumir fast food e ultraprocessados.

 

saúde em risco

O consumo destes alimentos pode provocar arterioscleroses, conta Andrés Íñiguez, presidente da Fundação Espanhola do Coração. Trata-se de uma infecção em que a gordura e o colesterol se acumulam nas artérias e em suas paredes, o que pode bloquear o fluxo sanguíneo e culminar em uma enfermidade isquêmica do coração, impedindo o órgão de receber o sangue necessário para funcionar. 

Em 2021, nove milhões e meio de pessoas morreram no mundo por conta desta doença, segundo uma revisão de estudos publicada na revista do Colégio Americano de Cardiologia. 

Para Valentín Fuster, diretor geral do Centro Nacional de Pesquisas Cardiovasculares (CNIC), os pântanos de comida são uma peça a mais no quebra-cabeça da obesidade, que tem prevalência cada vez maior no cenário mundial e que influencia diretamente no desenvolvimento das cardiopatias. Em 2021, 3,7 milhões do total de mortes no mundo atribuíram-se à obesidade, detalha Fuster na revista do Colégio Americana de Cardiologia. 

No Brasil, dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2019 apontam que o excesso de peso atinge 55,4% da população, portanto, metade dos adultos brasileiros estão com o IMC (índice de massa corporal) igual ou maior que 25. A obesidade aumentou 72% nos últimos 13 anos (de 11,8% em 2006 para 20,3% em 2019), ou seja, uma em cada cinco pessoas adultas é obesa. 

Os três pesquisadores espanhóis concordam que uma parte do problema se deve ao ritmo acelerado da vida da sociedade. 

— Agora, quem come bem é quem tem tempo para cozinhar — diz Manuel Franco, que afirma que a indústria alimentícia foca cada vez mais em oferecer produtos para que as pessoas não tenham que se preocupar em utilizar a frigideira. 

Ainda que a dieta mediterrânea sempre tenha sido um exemplo de alimentação saudável e sustentável, ela já tem começado a ser minoritária mesmo nos países mediterrâneos, além de haver um aumento na tendência de consumir produtos ultraprocessados, expõe o epidemiologista, que também crê que falta conscientização.

 

— Quanto pior é sua dieta, mais risco você tem de desenvolver enfermidades e de morrer por elas — determinou Franco. 

Andrés Íñiguez explica que o primeiro passo é conscientizar a população do impacto negativo: 

— O que está em jogo na sociedade é que há uma maior carga de enfermidade cardiovascular — aponta. 

Para Franco, é necessário entender a importância da alimentação nos dias de hoje: 

—Poder comprar e cozinhar se relaciona com comer melhor. 

Questão de dinheiro 

A equipe de Franco publicou em 2019 uma pesquisa sobre a quantidade de estabelecimentos fast food que estavam a 400 metros dos centros comerciais da cidade de Madrid, na Espanha. As faculdades em áreas de classe alta teriam 40% menos destes estabelecimentos em seus arredores do que os bairros com renda média, enquanto estes, por sua vez, teriam 60% menos que os centros situados em zonas de renda baixa. 

— As pessoas [de baixa renda] realmente vivem em um lugar muito menos saudável— diz o pesquisador. 

O epidemiologista fala de uma situação estrutural de insegurança alimentar. Segundo a FAO, o fenômeno é produzido quando uma pessoa não tem acesso regular a uma quantidade suficiente de alimentos nutritivos para o desenvolvimento normal e para levar uma vida ativa e saudável. 

Yang reconhece também o peso do fator socioeconômico e que muitos desses pântanos de alimento coincidem com “áreas mais pobres e menos ricas”. O pesquisador admite que, mesmo que recomende a seus pacientes uma dieta e hábitos de vida mais saudáveis, nem todos podem adquirir produtos frescos, e esse “é um risco mais difícil de eliminar”.




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