Prejuízo com doenças do cigarro deve crescer no Brasil com pandemia
29.08.20UOL
O tabagismo é considerado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) uma epidemia mundial que mata 8 milhões de pessoas por ano. Hoje, o Brasil celebra um marco na luta antitabagista: o Dia Nacional de Combate ao Fumo, pensado para reforçar as ações de sensibilização para os danos causados pelo cigarro.
Mas há o que comemorar?
O estudo intitulado "Carga das Doenças do Tabaco Relacionadas para o Brasil", de 2011, mapeou dados referentes a 15 doenças causadas pelo tabagismo, como câncer, AVC e pneumonia.
Atualizada em 2015, a pesquisa aponta que o SUS (Sistema Único de Saúde) gastou R$ 44 bilhões com essas enfermidades associadas ao fumo. Há ainda mais R$ 17 bilhões que saíram dos cofres públicos com custos indiretos, como a perda de produtividade de trabalho por morte ou incapacidade, e que impactam, por exemplo, no INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).
Em contrapartida, a indústria do tabaco paga tributos diretos aos cofres da União. Mas, de acordo com um estudo da Fiocruz, o valor recolhido cobre somente 33% das despesas do SUS com o tratamento de doenças provocadas pelo tabagismo.
São, atualmente, R$ 13 bilhões por ano recolhidos em impostos, contra R$ 57 milhões anuais em gastos com doenças e consequências do tabagismo, o que resulta num prejuízo de R$ 44 bilhões nas contas do governo federal.
Como explica a médica Tânia Cavalcante, do Inca (Instituto Nacional do Câncer), o tabagismo é uma dependência química, uma doença que causa outras doenças. "O fumante precisa, muitas vezes, receber tratamento para deixar de fumar. Quem paga, hoje, é o SUS", diz.
A deterioração potencial do organismo de cada pessoa que faz uso do tabaco amplia os fatores de risco das comorbidades, como diabetes, hipertensão, problemas cardíacos, doenças pulmonares e câncer, aumentando as vulnerabilidades a infecções virais e bacterianas.
Imagem: Getty ImagesPor isso, a médica Tânia Cavalcante afirma que, para o fumante, a batalha contra o coronavírus é pior. "Essas pessoas já doentes estão sob risco da covid-19. Então, essa conta de gastos vai ser maior. Uma doença totalmente evitável vai levar pessoas para as emergências, precisando de UTI, ventilação mecânica etc."
Um processo de empresas tabagistas que tramita desde 1999 ainda trava o pagamento de uma taxa milionária à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Envolve o registro de cada marca de cigarro na agência. O processo é todo feito online. Basta enviar os documentos exigidos e pagar a taxa de fiscalização de vigilância sanitária. No caso do cigarro, hoje a taxa é de quase R$ 300 mil, que precisa ser renovada anualmente.
Em novembro de 1999, a Philip Morris e a Souza Cruz entraram com um mandado de segurança questionando o pagamento da taxa, ao dizer que ele é inconstitucional por já estar dentro dos impostos incidentes ao cigarro. Também questionam a necessidade de renovação anual do registro e o valor da taxa.
Desde então, o valor da taxa é depositado em juízo. Ou seja, o dinheiro fica retido em uma conta vinculada ao processo judicial.
Baseada nos dados públicos do processo e em informações fornecidas pela Anvisa por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação), a ACT - Promoção de Saúde fez uma estimativa desse valor: aproximadamente, R$ 170 milhões, sem considerar juros e correção monetária. A ação corre em segredo de Justiça por decisão do desembargador Ítalo Fioravanti Sabo Mendes.
Enquanto isso, a indústria do tabaco drena recursos públicos, contribuindo para a sobrecarga do SUS e para o agravamento do quadro clínico dos fumantes contaminados pela covid-19.
* O Joio e o Trigo é um projeto de jornalismo investigativo sobre políticas alimentares e de saúde pública.