Produto nocivo à saúde, como tabaco e refrigerante, deve pagar mais imposto

31.08.20


Paula Johns

O Brasil é um dos países com maior quantidade de impostos do mundo e um sistema tributário complexo demais. Parece que finalmente a tão esperada reforma tributária saiu do mundo das ideias e chegou de vez às discussões promovidas no Ministério da Economia e no Congresso Nacional.

O fato de o país realmente acabar na parte superior da lista de maiores cargas tributárias esconde um pequeno detalhe, que de pequeno não tem nada: não são todos os setores que têm uma carga tão alta assim. Os impostos que algumas empresas pagam, inclusive, não chegam nem perto do valor que o setor público gasta para resolver problemas causados pelos próprios produtos que elas vendem. Esse é o caso, por exemplo, da indústria do tabaco, que em 2015 pagou cerca de R$ 13 bilhões em impostos, enquanto o ônus com tratamento de doenças e perda de produtividade causados pelo cigarro foi de R$ 57 bilhões.

Se com esse primeiro exemplo a situação já parece ruim, infelizmente ela fica pior quando analisamos o caso das bebidas artificialmente adoçadas com açúcares ou outros compostos, como edulcorantes. Nesse grupo incluem-se, entre outros produtos, refrigerantes (mesmo os classificados como “diet” ou “zero”), sucos de caixinha, energéticos e achocolatados.

O consumo desse tipo de bebida está associado ao sobrepeso e à obesidade, que, por sua vez, são fatores de risco para doenças como a diabetes, alguns tipos de câncer e, mais recentemente, para complicações da covid-19. A Organização Mundial da Saúde tem vários estudos científicos que sugerem que o consumo de líquidos não causa a mesma saciedade que os alimentos sólidos, o que pode resultar em um consumo calórico geral maior.

E não basta conscientizar as pessoas a respeito dessas calorias vazias. Impostos mais baixos significam preços mais baixos, o que influencia as escolhas das pessoas – sem mencionar todas as estratégias de marketing cuidadosamente elaboradas para fazer justamente isso. Os prejuízos causados por esses produtos não atingem só as pessoas que os compram, mas também o sistema de saúde e a economia, já que as doenças relacionadas com o consumo dessas bebidas resultam em gastos com tratamentos e perda de produtividade, como acontece com o cigarro. No caso específico dos refrigerantes, há outro agravante: algumas das principais empresas do setor chegam até a receber subsídios do governo, o que pode ser considerado até mesmo imoral. Segundo estimativas feitas a partir de dados da Receita Federal, a isenção de impostos chega a R$ 3 bilhões anuais.

Precisamos, portanto, de uma reforma tributária que seja a favor da saúde, leve em conta as discrepâncias e inclua um imposto seletivo para produtos prejudiciais. Um sistema tributário mais justo não significa meramente diminuir impostos. Em alguns casos, significa uma carga tributária mais alta.

Impostos para bebidas açucaradas foram implementados no México, na França, na África do Sul e no Chile, entre outros países. No caso mexicano, já temos resultados e vêm sendo muito positivos para a saúde: um ano depois dos impostos terem sido aumentados em 10%, as vendas caíram 5,5%. Após dois anos, o índice caiu ainda mais, e a queda no consumo chegou a 9,7%. E não para por aí: ao contrário do que a indústria alegava, não foi percebida nenhuma redução na taxa de empregos do setor.

Não há razão para ser diferente aqui no Brasil. Um estudo recente feito pela Fipe, a ser lançado em breve, mostrou que um aumento de 20% nos impostos sobre bebidas adoçadas pode gerar um acréscimo anual de R$ 2,4 bilhões ao PIB, com possibilidade de geração de quase 70 mil empregos e arrecadação de R$ 4,7 bilhões.

Além disso, a pandemia de covid-19 evidenciou ainda mais a necessidade de recursos para o Sistema Único de Saúde (SUS). Por que não obtê-los então justamente de produtos que levam mais pessoas a necessitarem de tratamento? Dessa forma, o aumento de impostos serviria a um propósito duplo: diminuir o consumo de produtos nocivos por meio do aumento de preços e, simultaneamente, fornecer mais recursos para investimentos em saúde, o que potencializaria ainda mais os ganhos.

A ACT Promoção da Saúde propõe o termo “Tributo Saudável” a esses impostos seletivos, porque, em sua essência, o que ele faz é justamente trazer mais saúde para as pessoas, o SUS e a economia. Essa é a lógica da nossa campanha, o tema “Bebida Açucarada: se faz mal para a saúde, tem que ter mais imposto”, em que convidamos todos a assinarem uma petição e enviarem uma mensagem ao ministro Paulo Guedes e a parlamentares que participam das discussões da reforma tributária pedindo para que as discrepâncias na tributação de refrigerantes e de outras bebidas adoçadas sejam corrigidas. A organização também lançou recentemente uma nota técnica na qual detalhamos os argumentos que embasam a tributação seletiva de produtos não saudáveis e nos manifestamos a favor de uma reforma tributária a favor da saúde.

O Brasil é um país marcado por desigualdades econômicas e sociais. Tributar de forma diferenciada produtos que fazem mal a saúde é apenas uma vertente de uma série de mudanças que devem ser discutidas para tornar o sistema tributário brasileiro menos injusto e mais progressivo. Temos agora uma oportunidade ímpar de corrigir essa distorção. Não podemos perdê-la.

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.

* Mestre em Estudos do Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Roskilde (Dinamarca), é a diretora-geral da ACT Promoção da Saúde, entidade sem fins lucrativos que atua na promoção de políticas públicas de saúde, sobretudo nas áreas de controle do tabaco e da alimentação, fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis, que respondem por cerca de 75% das mortes no Brasil e no mundo.




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