Reforma tributária e prevenção do câncer

16.06.23


Estadão

A reforma tributária, em discussão no Congresso Nacional, representa uma oportunidade única para proteger a saúde da população brasileira, considerando o potencial de criar mecanismos que estimulem comportamentos mais saudáveis, além da redução dos gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com tratamentos de doenças crônicas não transmissíveis, como o câncer, que ocupa o segundo lugar entre as causas mais frequentes de mortes no Brasil, com cerca de 225 mil óbitos por ano.

As evidências científicas acumuladas ao longo dos anos demonstram claramente que o tabagismo, as bebidas alcoólicas e os alimentos e bebidas ultraprocessados – aqueles produtos industrializados prontos para consumir e aquecer – estão entre os principais fatores de risco para várias doenças, entre elas o câncer. Dessa forma, avançar em medidas que ajudem a população a reduzir a exposição a esses produtos nocivos à saúde é urgente, visto que o Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima mais de 700 mil novos casos da doença para este ano no País.

Ainda sobre os fatores de risco, é importante ressaltar números relacionados ao tabagismo, responsável por 161 mil mortes anuais no Brasil, o que representa 13% do total dos óbitos. Além disso, as enfermidades causadas pela dependência de nicotina custam R$ 125 bilhões anualmente, o equivalente a 23% do que o País gastou em 2020 para enfrentar a pandemia de covid-19. Na outra face dessa pesada moeda, os impostos arrecadados sobre a produção e a venda de cigarros são da ordem de R$ 13 bilhões ao ano, mostrando que o governo arca com significativo prejuízo.

Em relação à alimentação, o cenário também merece destaque. O sistema tributário atual favorece a produção e o consumo de alimentos ultraprocessados, com consequente redução do consumo de alimentos saudáveis, como frutas, legumes, verduras, arroz e feijão, principalmente pelas populações mais vulneráveis.

O consumo de alimentos ultraprocessados foi responsável por aproximadamente 57 mil mortes prematuras no País em 2019, o que representa cerca de 11% de todas as mortes em adultos de 30 a 69 anos. Esses produtos também estão diretamente associados a alguns tipos de câncer, além de causarem sobrepeso e obesidade, dois dos principais fatores de risco para a doença.

Por isso mesmo, se considerarmos as projeções dos gastos totais do governo federal com os cânceres associados ao excesso de peso, teremos um incremento nos gastos públicos com o tratamento oncológico de 140%, passando de R$ 2,4 bilhões, em 2018, para um montante de R$ 5,7 bilhões, em 2040. Essa conta não deveria ser paga pela população. Portanto, a balança econômica precisa ser urgentemente equilibrada. Segundo pesquisa do Ibope, o tabagismo compromete 38,7% da renda das famílias da classe C, desviando recursos de suas necessidades básicas, como alimentação e saúde. O porcentual gasto com alimentação chega a 22% do total de rendimentos e, na sua maioria, ela é composta por produtos mais baratos e de pior qualidade, como os ultraprocessados.

No que se refere ao consumo de bebida alcoólica, os números relacionados aos seus impactos na saúde e na economia são alarmantes. Estimativas apontam que a cada hora duas pessoas morrem por causas plenamente atribuíveis ao consumo de álcool. O consumo de bebida alcoólica é reconhecidamente um fator de risco para ao menos oito tipos de câncer. No Brasil, cerca de 17 mil casos novos e 9 mil óbitos pela doença foram atribuíveis ao consumo desses produtos nocivos à saúde em 2019. É importante destacar que não há limites seguros de ingestão e qualquer tipo de bebida alcoólica pode aumentar o risco de desenvolver a doença.

Quanto aos impactos negativos na economia, os custos totais que incluem os hospitalares, ambulatoriais e absenteísmo no trabalho atribuíveis ao consumo de álcool no Brasil foram estimados em R$ 3,3 bilhões no período entre 2010 e 2018. Em 2018, os gastos federais com o tratamento dos cânceres atribuíveis ao consumo de álcool representaram aproximadamente R$ 82 milhões, e para 2030 projeta-se um incremento nos gastos de 149%, o que representará aos cofres públicos um gasto de R$ 203 milhões, se nada for feito. Na contramão desses impactos negativos à saúde e à economia, temos observado um aumento no consumo de bebida alcoólica pela população brasileira. Entre 2013 e 2019, o consumo dobrou entre homens e aumentou em quatro vezes entre mulheres que dependem exclusivamente do SUS. Atualmente, 9 em cada 10 brasileiros consomem bebida alcoólica.

Diante deste cenário, a reforma tributária precisa garantir que uma tributação forte incida sobre os produtos nocivos à saúde para desestimular seu consumo pela população, especialmente entre os mais vulneráveis. É de suma importância que a política tributária previna doenças e mortes e contribua, ainda, para a garantia da alimentação adequada e saudável. Assim, além de tornar as bebidas alcoólicas e os alimentos ultraprocessados mais caros, é necessário também reduzir os tributos dos alimentos saudáveis, tornando-os mais acessíveis.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, ONCOLOGISTA CLÍNICO, DIRETOR-GERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER (INCA); NUTRICIONISTA DA COORDENAÇÃO DE PREVENÇÃO E VIGILÂNCIA DO INCA; E TÉCNICO DO PROGRAMA NACIONAL DE CONTROLE DO TABACO DO INCA

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